Crescer 1,9% não evita ultrapassagem pela Roménia

Portugal deve liderar como exemplo de boas políticas públicas, dinamismo e perseverança, procurando a melhoria do nível de vida e bem-estar das várias gerações que decidam viver no nosso país.

A evolução ligeiramente acima do esperado da economia portuguesa em 2024 não é grande consolo, pois não é estatisticamente relevante e, mais importante, não evitará que Portugal se continue a atrasar em nível de vida no contexto europeu, continuando a perspetivar-se que sejamos ultrapassados pela Roménia nos próximos anos, possivelmente já em 2026.

Na semana passada, a estimativa rápida do INE – dados provisórios, ainda a confirmar – deu conta que o PIB de Portugal terá crescido 1,9% em 2024, em termos reais (ou seja, em volume, descontando o efeito dos preços), acima da previsão de 1,8% do governo (inscrita no cenário do Orçamento de Estado deste ano, apresentado em outubro último) e de 1,7% da Comissão Europeia (dados de novembro), CE.

Embora positiva, como salientou o governo, a evolução acima do esperado deve ser contextualizada e não exagerada.

Face aos dados anteriormente conhecidos das contas nacionais, o crescimento homólogo do PIB no 3º trimestre foi ligeiramente revisto em alta (de 1,9% para 2,0%), sem influência no crescimento económico no conjunto do ano. A grande surpresa, com influência na dinâmica final de 2024, foi o aumento do ritmo de crescimento homólogo para 2,7% no 4º trimestre (mais 0,7 pontos percentuais, p.p.), que o INE atribui à “aceleração do consumo privado” no seu destaque, não sendo ainda conhecidos dados quantificados por componentes, como é habitual na estimativa rápida (30 dias após o fecho do trimestre em análise).

Para termos uma ideia dessa surpresa, a CE previa um valor de 1,5% no último trimestre, em vez de 2,7%, explicando que o nosso crescimento no conjunto do ano tenha sido de 1,9% e não de 1,7%, como previa.

Os sinais dados pelo destaque do INE para os trimestres seguintes não são propriamente positivos, pois “o contributo da procura externa líquida para a variação homóloga do PIB manteve-se negativo, refletindo o crescimento mais intenso das importações de bens e serviços em comparação com o das exportações”.

Num contexto de aumento do protecionismo liderado pelos EUA – Trump já cumpriu a promessa de subir tarifas alfandegárias ao México, Canadá e China, sendo a União Europeia (UE) a próxima na lista –, as exportações e o investimento privado poderão ressentir-se em 2025, tanto na UE como em Portugal, ainda que a execução do PRR possa atenuar esse efeito. Nesse caso, o sentimento dos consumidores, que já vinha a registar uma tendência de descida gradual desde setembro do ano passado, poderá deteriorar-se mais, pelo que se perspetiva um arrefecimento do consumo privado logo à entrada de 2025.

Chamo ainda a atenção que crescer 1,7%, 1,8% ou 1,9% % num ano não é estatisticamente significativo – já será relevante se estivermos a falar da média anual num período alargado, como cinco ou dez anos – e dou um exemplo simples, para se perceber.

O PIB é a quantidade de bens e serviços finais produzidos por uma dada economia num período, neste caso consideremos um ano, sendo o crescimento económico nesse ano a variação percentual face ao ano anterior considerando os preços constantes. A medição do PIB em nível comporta erros vários, mas quando se avalia a evolução anual, se a maioria deles permanecer constante, o erro de estimação reduz-se consideravelmente em termos evolutivos, daí a vantagem de se usar taxas de crescimento económico.

Agora imaginemos que, por alguma razão, a forma de medição da quantidade de bens e serviços produzidos na economia melhora de um ano para o outro sem qualquer interferência do INE – por exemplo, se os agentes económicos tiverem aperfeiçoado de forma súbita o seu sistema de contabilidade. Essa situação, por si só, poderia explicar um crescimento económico anual mais alto apenas por motivos estatísticos, sem que tivesse havido um maior acréscimo efetivo de riqueza criada.

Mais importante, um crescimento económico na ordem de 2% não impede que continuemos a ser ultrapassados por países da coesão, como tenho vindo a alertar. Segundo um estudo da Faculdade de Economia do Porto, precisamos de crescer na casa dos 3% ao ano para entrarmos, no espaço e uma década, na metade de países com maior nível de vida da UE.

De pouco nos serve estarmos a crescer acima da média da UE (ou da Área Euro, uma referência ainda pior) – muito influenciada pelo baixo desempenho das maiores economias, sobretudo Alemanha, França e Itália, há muito estagnadas – se a maioria dos países com nível de vida próximo (acima e, sobretudo, abaixo de nós), com os quais nos devemos comparar, cresce muito mais.

Recupero um gráfico já aqui apresentado neste mesmo espaço de opinião (Figura 1), mostrando que não basta crescermos um pouco acima da UE, pois a CE espera que o nosso nível de vida baixe para 7º pior da UE em 2026, ultrapassado pelo da Roménia, que até há poucos anos era um dos países mais pobres da União, mas cuja economia é muito mais dinâmica do que a nossa apesar de ter sido penalizada pela guerra na Ucrânia e da entrada posterior na UE, tendo recebido muito menos apoios europeus que Portugal.

Figura 1. PIB per capita em PPC (UE=100) de Portugal e da Roménia (escala dta.); e respetivas taxas de crescimento económico, comparadas com a da UE (média anual, %)

Fonte: AMECO (com base nas previsões de outono da Comissão Europeia, de nov-24) e cálculos próprios. Notas: PPC = Paridade de poderes de compra; pc = per capita; UE = União Europeia; a fundo cinza está indicado o ranking de Portugal na UE (a contar de cima).

Na Figura 1 aparece a previsão de 1,7% de crescimento económico de Portugal em 2024. Se substituirmos pelo que parece ser o valor final de 1,9% e tudo o mais ficar constante, em 2026 continuaremos a ser ultrapassados em nível de vida pela Roménia, apenas o diferencial será um pouco menor (em vez de 0,6 pontos percentuais – a diferença entre 81,0% e 80,4% da UE –, seria aproximadamente de 0,4 p.p.).

Acresce que, após 2026, com a redução esperada dos fundos europeus em Portugal (fim do PRR e menos verbas no próximo quadro de apoio o Portugal 2040, novos países aderentes e novas prioridades) e o abrandamento do turismo – passado o efeito de forte recuperação pós-pandemia –, que têm estimulado o nosso crescimento económico, ele poderá baixar para próximo da média de 1% registada nas duas primeiras décadas do milénio (ver Figura 1), como projeta a CE no seu Ageing Report 2024.

Ou seja, se não mudarmos de políticas, de modo a elevarmos significativamente o crescimento potencial da nossa economia de forma estrutural, arriscamo-nos a cair para a cauda da UE em nível de vida nos próximos anos, conforme assinalado no estudo da FEP.

Como não me canso de sublinhar, Portugal precisa de reformas estruturais profundas, a começar pela reforma do Estado, que permita melhorar a composição da despesa pública (em favor do investimento público) e abrir espaço para uma baixa relevante da carga fiscal, com realce para o IRC (onde temos a 2ª maior taxa efetiva da UE). Se assim não for, Portugal tornar-se-á economicamente irrelevante num bloco europeu também ela à beira de o ser à escala mundial na nova ordem global que está a formar-se, como confirmou o relatório Draghi sobre o futuro da competitividade europeia. O Estado português tem o dever de “arrumar a casa” e elevar a nossa competitividade mesmo que a UE – o nosso espaço económico – continue a não o fazer, pelo menos atempadamente ou ao ritmo necessário.

Portugal deve liderar como exemplo de boas políticas públicas, dinamismo e perseverança, procurando a melhoria do nível de vida e bem-estar das várias gerações que decidam viver no nosso país, desde logo os nossos jovens, de modo a que não precisem de emigrar para conseguirem um nível de vida digno. Tal traria também maior peso à nossa voz no contexto europeu, pugnando por melhores políticas da UE para que recupere um peso mais relevante na economia e arquitetura globais, o que também nos favoreceria.

  • Diretor da Faculdade de Economia da Universidade do Porto, Professor Catedrático e sócio fundador do OBEGEF

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