
Defesa: despesa ou investimento reprodutivo?
É necessário que Portugal defenda, junto das instituições europeias, uma visão clara de desenvolvimento que articule os objetivos de segurança com os objetivos económicos e sociais.
A atual conjuntura internacional recolocou no centro do debate a importância da autonomia estratégica europeia, com especial destaque para a Defesa. Num mundo cada vez mais polarizado — marcado por conflitos prolongados, instabilidade geopolítica, crises energéticas, dependências tecnológicas e rivalidades económicas — a União Europeia enfrenta o imperativo de reforçar a sua capacidade de agir enquanto bloco independente.
A soberania europeia em matéria de segurança e defesa tornou-se um pilar essencial para garantir a resiliência do projeto europeu, a proteção dos seus cidadãos e a estabilidade do seu espaço geopolítico. Neste contexto, a redução das dependências externas e o investimento numa base industrial e tecnológica de defesa sólida, integrada e inovadora são fundamentais para afirmar a Europa como um ator estratégico autónomo no cenário internacional.
É legítimo e necessário que a Europa, enquanto bloco político e económico, reforce a sua capacidade de se proteger e de agir de forma autónoma, reduzindo dependências críticas de terceiros. No entanto, para que esse esforço tenha legitimidade política e utilidade económica, não pode ser confundido com um mero aumento da despesa em armamento importado ou com investimentos sem retorno real para países como Portugal.
Para Portugal, a autonomia estratégica europeia não pode ser apenas um conceito abstrato ou uma narrativa geopolítica distante. Deve traduzir-se numa oportunidade concreta de reindustrialização inteligente, de reforço da base produtiva nacional e de criação de emprego qualificado. Se existir o risco de cortes orçamentais noutras áreas — nomeadamente nas funções sociais do Estado — para financiar este esforço europeu comum, é essencial que esse investimento seja reprodutivo e estrutural para a economia do país.
Não podemos repetir erros do passado, canalizando recursos públicos para aquisições externas de material militar ou para projetos com fraca ligação à economia real. É fundamental garantir que uma parte significativa dos fundos e das decisões no âmbito da nova agenda estratégica da UE sirva o desenvolvimento de toda a Europa, e não apenas o reforço dos “campeões” industriais do centro europeu.
A forma como Portugal se posicionar nesta nova lógica europeia será determinante para a próxima década. Temos uma oportunidade única de atrair investimento na área da defesa que funcione como alavanca para uma economia mais verde, mais digital e com mais emprego qualificado — e que, simultaneamente, acelere o processo de reindustrialização do país. Dispomos, para tal, de vantagens competitivas relevantes: a posição geoestratégica, o potencial logístico dos portos de Sines e Leixões, a capacidade de geração de energia renovável, a capacidade de I&D, e a geração mais qualificada de sempre. Todos estes fatores devem ser mobilizados para captar indústrias estratégicas no setor da Segurança e Defesa e integrá-las em ecossistemas regionais de inovação.
Para que tal aconteça, é necessário que Portugal defenda, junto das instituições europeias, uma visão clara de desenvolvimento que articule os objetivos de segurança com os objetivos económicos e sociais, garantindo que o nosso Estado Social não será sacrificado. A defesa da autonomia estratégica europeia não pode ser dissociada de uma lógica de coesão territorial e de convergência entre os Estados-Membros. Caso contrário, corremos o risco de transformar mais uma prioridade europeia numa oportunidade perdida.
Este é um exemplo claro da aplicação de uma velha máxima da gestão: transformar uma ameaça em oportunidade. Para isso, contudo, são indispensáveis coragem política e visão estratégica. Coragem para questionar modelos de despesa que continuam a beneficiar, de forma desproporcionada, as economias exportadoras de armamento. Coragem para exigir contrapartidas concretas nos investimentos europeus em defesa e segurança.
Portugal tem, neste momento, a oportunidade de desenvolver um verdadeiro cluster de defesa — forte, competitivo e exportador — capaz de gerar valor económico sustentável.
Trata-se de uma aposta estratégica que contribuirá para uma Europa mais resiliente, coesa e verdadeiramente soberana no domínio da defesa.
Se a autonomia estratégica se traduzir apenas num aumento da despesa militar com baixo valor acrescentado interno, estaremos a repetir padrões de dependência sem crescimento económico associado. Porém, se for aproveitada como mais um acelerador da reindustrialização, poderá tornar-se um dos pilares da transformação que Portugal tanto necessita para, finalmente, convergir com os países mais desenvolvidos da Europa.
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