Deixem-se de dramas da ingovernabilidade

O risco de não haver um Governo funcional após 10 de março, embora exista, parece ser de probabilidade cada vez mais baixa.

A elevada carga fiscal, a crise no acesso à habitação, a saída dos jovens qualificados ou os problemas na saúde empalidecem perante o grande tema que nos dias que correm anima o confronto partidário: a viabilização do próximo Governo.

Segundo os resultados de uma sondagem recente da Intercampus para o Jornal de Negócios e o Correio de Manhã, os portugueses não desejam uma maioria absoluta. A que está prestes a terminar deixou, pelos vistos, um amargo de boca que os eleitores não querem repetir. Só 8,4% gostariam de ver uma nova maioria absoluta do PS e 13% da Aliança Democrática, tal foi o efeito da vacina.

O mesmo inquérito mostra ainda que, mesmo não desejando um maioria de um só partido, os portugueses querem estabilidade, o que torna a equação difícil de resolver. Quase 50% preferem que Luís Montenegro governe em caso de vitória, mesmo com uma maioria à esquerda. E 44,2% apoiam a mesma opção caso seja o partido de Pedro Nuno Santos a vencer e exista uma maioria de direita.

A estabilidade será com certeza uma preocupação dos partidos, mas interessa-lhes sobretudo jogá-la como arma do taticismo político. No PS, o principal objetivo é agitar a ameaça do Chega contra a Aliança Democrática.

Ainda nas diretas do PS, Pedro Nuno Santos usou a rejeição de entendimentos com o PSD para vincar diferenças para José Luís Carneiro. Nos Açores, o líder socialista regional rejeitou viabilizar um Executivo da coligação de direita, procurando empurrá-la para as mãos do Chega e mostrar ao país o que a AD fará após a legislativas. A votação do programa do Governo só deverá acontecer depois de 10 de março.

O novo secretário-geral do PS mudou de tática no debate de segunda-feira com Luís Montenegro, dizendo que viabilizaria um Executivo da AD, caso esta vencesse, embora achasse improvável esse resultado. Já esperaria certamente que o líder do PSD não fizesse o mesmo, o que lhe dava margem para o criticar por não ser transparente com os eleitores, como fez.

Entretanto, Pedro Nuno Santos veio dizer que afinal se sentia “desobrigado” de permitir uma governação da AD, perante a falta de reciprocidade do líder social-democrata. No mesmo dia, veio corrigir, dizendo que mantinha a posição deixada no debate, mas exigia clareza do rival à direita. Tal é a ansiedade em relação ao tema.

Luís Montenegro não lhe faz a vontade por vários motivos. Se disser que viabiliza um governo do PS mesmo com maioria de direita terá o Chega à perna, acuando-o de dar a mão aos socialistas e querer uma solução de bloco central. O resultado poderia ser a perda de votos para o partido de André Ventura. Justamente o que os socialistas pretendem. Aliás, o líder do Chega veio também pedir o mesmo esclarecimento a Montenegro, acusando-o de falta de credibilidade.

O líder do PSD tem também um álibi. Já disse que se perder as eleições não formará governo e apresenta a demissão. Neste caso, caberá a um novo líder, que dificilmente voltará a ser Montenegro, decidir se viabiliza ou não um Executivo socialista.

Os vários debates frente a frente permitiram deixar claro que a Iniciativa Liberal está disponível para apoiar a AD, e o Bloco, o PCP ou o Livre o PS. Quem também evoluiu na posição foi André Ventura. Começou por dizer que um eventual apoio à coligação de direita dependia da entrada do Chega no Governo e agora já só exige um acordo político. Quer mostrar que está disposto a ceder em nome da estabilidade.

O risco de após as eleições de 10 de março o país não ter um Executivo não é displicente, mas parece baixo, sobretudo se a AD vencer e houver uma maioria de direita, como vão apontando as sondagens. Luís Montenegro, que mantém o “não é não” em relação ao Chega, governará em maioria relativa. O Chega não se unirá à esquerda para o derrubar. Justamente porque, sendo ciosos da estabilidade, os eleitores tendem a penalizar quem derruba o Governo, como aconteceu com o Bloco e o PCP em 2021, dando a António Costa a maioria absoluta.

Se o PS vencer e houver uma maioria de direita, a incerteza aumenta, já que um novo líder do PSD poderá querer juntar-se à IL e ao Chega para derrubar um Executivo de Pedro Nuno Santos e forçar novas eleições. Ainda assim, segundo a última sondagem do ICS/ISCTE para o Expresso e a SIC, 64% dos que dizem votar nos social-democratas rejeitam um acordo com André Ventura. Está longe de ser um caminho óbvio.

Um Governo minoritário terá, no entanto, dificuldade em chegar ao final da legislatura. Só dois o conseguiram: Guterres em 1995 (e tinha ficado muito perto da maioria absoluta) e António Costa, em 2015 (e tinha um acordo escrito com o Bloco de Esquerda e o PCP).

A estabilidade política é um valor social e económico relevante. O contexto de elevada incerteza internacional, com guerras na Ucrânia e Médio Oriente, recomenda que não se some uma elevada incerteza doméstica. A necessidade de acelerar a execução do PRR e de aprovar reformas e legislação para garantir os próximos desembolsos, também recomenda estabilidade. Num país tão dependente do Estado e dos fundos europeus, há uma dose de paralisia não despiciente quando um governo fica em gestão.

Isto não significa que a campanha eleitoral deva ficar refém do drama da ingovernabilidade. Acharão os partidos que dá mais votos que o debate de soluções para o país?

 

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