Desafios e mitos da transparência salarial
Convém que as empresas se preparem para não serem atraiçoadas nos detalhes, o que pode ter custos muito elevados.
Em maio de 2023 foi publicada a Diretiva (EU) 2023/970 sobre a igualdade e transparência remuneratória, prevendo-se um prazo de transposição até junho de 2026.
O princípio da obrigação de pagar a mesma remuneração para trabalho igual já decorre da Constituição, da legislação europeia e da legislação nacional. Quanto a isso, não há nada de novo. No entanto, há novas obrigações que implicam uma análise cuidada.
Em primeiro lugar, no momento do recrutamento deve ser dada informação sobre o intervalo remuneratório para o posto de trabalho. Esta é uma prática de bom senso e já lá vai o tempo em que o vencimento era um tabu. Revelar o valor da remuneração na fase inicial do processo evita uma enorme perda de tempo. No entanto, há muitas situações em que a atividade contratada se pode ajustar ao candidato e em que não existe propriamente um intervalo remuneratório pré-definido. Também se prevê que o empregador não pode perguntar ao candidato sobre a remuneração anterior, mas nada impede que pergunte sobre a expectativa salarial, o que é uma informação muito mais relevante. Neste aspeto, a diretiva está excessivamente focada em funções indiferenciadas, sendo que em Portugal essas funções estão maioritariamente cobertas pelo salário mínimo.
Por outro lado, existe a obrigação estabelecer de critérios para a fixação da remuneração e da progressão salarial. Os trabalhadores têm direito a solicitar informação sobre o seu posicionamento remuneratório em termos relativos. Esta informação estatística está assente no conceito de “categoria de trabalhador”, que corresponde ao conjunto de pessoas que têm um trabalho semelhante em termos de natureza, quantidade e qualidade. Trata-se de uma referência interna, que não se confunde com a categoria profissional.
Como aspeto mais relevante, podemos considerar a obrigação de empresas com pelo menos 150 trabalhadores, até junho de 2027, reportar indicadores sobre a comparação da remuneração entre homens e mulheres, bem como a proporção que ocupam determinadas posições remuneratórias e que têm acesso a determinados componentes remuneratórios complementares ou variáveis. Não está em causa o reporte de informação nominal, mas antes de informação estatística.
Em 2018 já tinha entrado em vigor uma legislação que visava a transparência salarial e igualdade remuneratória entre homens e mulheres. Porém, essa legislação assentava num pressuposto errado. Partia-se do princípio de que o Ministério do Trabalho tem dados para medir a desigualdade salarial entre homens e mulheres. No início de 2023, mais de 1.500 empresas foram notificadas para justificar supostas desigualdades salariais entre homens e mulheres. Esta iniciativa teve muito impacto mediático, mas muito pouco efeito prático, precisamente porque a estatística está assente em dados pouco relevantes para este efeito. Agora está a surgir uma nova vaga de notificações semelhantes.
A (des)igualdade salarial tem de ser analisada à luz da realidade de cada empresa, não podendo ser tiradas conclusões com base em estatísticas genéricas, como atualmente se faz com os dados do Relatório Único.
De uma forma geral, as grandes empresas têm vindo a implementar políticas retributivas com base em conceitos que se podem reconduzir à designada “categoria de trabalhadores”. As empresas mais pequenas têm vido a seguir os mesmos passos a um ritmo mais lento. Esse caminho não foi imposto pela lei, sendo antes um pressuposto para a atração e retenção de talento. Por isso, a transparência remuneratória é hoje um fator distintivo da empresa enquanto empregador, sendo determinante para o seu sucesso e para a sua sustentabilidade.
A dinâmica do mercado tem vindo a levar as empresas a implementar práticas de transparência remuneratória muito antes desta diretiva. No entanto, convém que as empresas se preparem para não serem atraiçoadas nos detalhes, o que pode ter custos muito elevados.
Assine o ECO Premium
No momento em que a informação é mais importante do que nunca, apoie o jornalismo independente e rigoroso.
De que forma? Assine o ECO Premium e tenha acesso a notícias exclusivas, à opinião que conta, às reportagens e especiais que mostram o outro lado da história.
Esta assinatura é uma forma de apoiar o ECO e os seus jornalistas. A nossa contrapartida é o jornalismo independente, rigoroso e credível.
Comentários ({{ total }})
Desafios e mitos da transparência salarial
{{ noCommentsLabel }}