Desigualdade como motor do crescimento – Porque a criação de riqueza deve preceder a sua distribuição

  • Paulo Monteiro Rosa
  • 25 Julho 2025

O que verdadeiramente tira as pessoas da pobreza é a criação de riqueza, não a redistribuição forçada.

A criação de riqueza é a base de qualquer sociedade que pretenda melhorar o bem-estar da sua população. Antes de discutir como se deve distribuir a riqueza, é fundamental compreender como ela se cria. Assim, além da liberdade, sempre fundamental, é nesta fase que conceitos como igualdade, desigualdade e equidade ganham especial relevância.

É importante, no entanto, distinguir igualdade de equidade. A igualdade, quando aplicada de forma cega, ignora as diferenças reais entre indivíduos. A equidade, por sua vez, trata de forma diferente aquilo que é desigual, ajustando as condições de forma proporcional ao mérito, ao esforço ou às necessidades de cada um. Onde a igualdade impõe uniformidade, a equidade procura justiça real. Tratar por igual o que é objetivamente desigual não é justiça — é distorção. Já a liberdade garante que cada indivíduo possa agir e prosperar de acordo com as suas capacidades e escolhas. O livre-arbítrio é fundamental, pois responsabiliza cada pessoa pelas suas decisões e comportamentos, sendo um cabal motor da inovação e do crescimento económico, ao premiar o mérito e o trabalho produtivo.

A igualdade é naturalmente vista como uma forma elementar de justiça, enquanto a desigualdade é percecionada como uma injustiça. No entanto, é na desigualdade que reside o estímulo ao progresso económico, pois esta recompensa o mérito, o risco e a produtividade, gerando um verdadeiro cenário win-win, onde todos beneficiam do crescimento, ainda que de forma desigual (pelo menos numa fase inicial), dependendo muito do estágio de desenvolvimento económico.

Em contraste, a igualdade forçada conduz a um cenário lose-lose, como ilustra metaforicamente o exemplo paradigmático do professor — uma analogia clara com a sociedade — que decidiu atribuir as mesmas notas a todos os alunos, independentemente do esforço individual de cada um, a pedido destes, que clamavam pela justiça do socialismo. Inicialmente, os melhores continuaram a estudar, mas ao perceberem que o seu trabalho não seria recompensado, desistiram. Os menos aplicados, por seu lado, aplaudiram a medida inicialmente, mas depressa compreenderam que também saíam prejudicados. A média geral caiu, ninguém mais se interessou pelo estudo, tudo ficou pior do que no início, e o sistema colapsou.

Uma sociedade que trata por igual os que trabalham e os que não trabalham caminha inevitavelmente para o fracasso. Milton Friedman afirmava que redistribuir riqueza demasiado cedo “mata a galinha dos ovos de ouro”, porque elimina o incentivo para gerar mais prosperidade. Moral da história, a criação de riqueza deve vir sempre no início e só depois a sua distribuição, caso contrário estaremos apenas a repartir pobreza.

Assim, um Estado demasiado grande é um entrave a um crescimento económico sustentado. Ao restringir a iniciativa privada, ao promover a igualdade forçada, e ao desincentivar o esforço e o mérito, gera um efeito de crowding out que afasta o investimento privado, estagna a produtividade e, em vez de criar riqueza, acaba apenas por distribuir pobreza. É, no fundo, o mesmo princípio ilustrado no exemplo do professor: quando entra a igualdade, a motivação desaparece e todos perdem.

O Estado deve limitar-se ao essencial: defesa, educação, saúde e apoios sociais, os verdadeiros alicerces de uma sociedade. Por exemplo, a defesa nacional é um bem público puro, sem rivalidade nem exclusão no seu consumo, enquanto o setor da água, em certas circunstâncias, é bem semipúblico, e o Estado deve assegurar que todos têm acesso ao seu fornecimento. Assim, o Estado não deve ter empresas de bens e serviços, nem de bens supérfluos, nem mesmo de bens de primeira necessidade como alimentação e abrigo, apesar de estarem na base da pirâmide de Maslow. Cabe à iniciativa privada, num ambiente de liberdade e concorrência, fornecer esses bens e serviços. As pessoas devem trabalhar, desde que tenham saúde e capacidade para tal, rejeitando o ócio e a dependência como modos de vida. Só com trabalho produtivo, ou seja, a criação de algo que interesse aos outros, se melhora a qualidade de vida de todos.

Por exemplo, a manutenção de uma companhia aérea de bandeira levanta questões de eficiência num setor que funciona, em geral, sob forte concorrência. Exemplo disso são as companhias low-cost, como a Ryanair e a EasyJet, que representam, para muitos portugueses, os verdadeiros fornecedores de serviços públicos, nomeadamente para a maioria que nunca viajou na TAP.

Milton Friedman referia que as pessoas gerem melhor o seu próprio dinheiro do que o dinheiro dos outros. Certamente, a gestão pública tende a ser mais displicente do que a gestão privada, algo lógico e inerente à natureza humana. Quando muito, o Estado deve ter empresas apenas em setores que constituem verdadeiros monopólios naturais, ou recorrer a parcerias público-privadas. Muitas dessas empresas de monopólio natural, como no setor da eletricidade, foram, entretanto, privatizadas e, além de manterem os vícios da gestão pública, o seu valor foi capturado pelos gestores, precisamente pela sua grande dimensão e pelo seu cariz de ‘monopólio natural’.

Em setores onde predominam os referidos ‘monopólios naturais’, tais como a água, a eletricidade ou os transportes, o Estado pode, e deve, ter um papel interveniente. Todavia, os avanços tecnológicos têm vindo a reduzir a justificação económica de muitos monopólios naturais. No setor das telecomunicações, por exemplo, o progresso permitiu o aparecimento de operadoras mais pequenas e eficientes, capazes de concorrer com grandes empresas estabelecidas. Na energia, os painéis fotovoltaicos já proporcionam alguma independência às famílias, e, num futuro próximo, pequenos reatores modulares de energia nuclear (SMR) poderão garantir autonomia energética a bairros inteiros. Nestes casos, o papel do Estado deve centrar-se na regulação e na remoção de barreiras à entrada, evitando abusos de posição dominante e garantindo que o mercado funciona em benefício de todos.

A partir do momento em que se cria riqueza, todos ganham. É natural que uns ganhem mais do que outros, especialmente no início do desenvolvimento de um país. A desigualdade, medida pelo índice de Gini, tende a aumentar nessa fase, mas chega um ponto de inflexão em que a distribuição acontece. Mesmo assim, até nesse período os mais pobres têm mais do que antes. Os mais pobres da Suíça têm talvez mais do que a classe média portuguesa.

Um dos poucos argumentos razoáveis contra o aumento temporário da desigualdade é o potencial crescimento da criminalidade, motivado muitas vezes pela perceção de injustiça, ou mesmo existência de injustiça ou pela inveja, normalmente presente na natureza humana. Algumas pessoas, sobretudo as que não trabalham e não se esforçam, podem olhar para os carros e casas dos outros e quererem apropriar-se deles pela força. Cabe aqui ao Estado intervir, não para nivelar a sociedade por baixo, mas para impor regras claras: garantir a segurança pública e definir mecanismos básicos como o salário mínimo, que protejam o trabalhador sem esmagar o empresário.

Em suma, o que verdadeiramente tira as pessoas da pobreza é a criação de riqueza, não a redistribuição forçada. Numa sociedade que cria riqueza e permite a sua distribuição justa, sem esbulho do Estado e sem abusos das empresas, todos os que trabalham ganham a vida. Um Estado mais pequeno, menos burocrático e focado no essencial é o melhor garante de uma economia dinâmica. Bem como a liberdade, mérito e responsabilidade são os verdadeiros motores de uma sociedade mais próspera para todos, maximizando o bem-estar, objetivo último da ciência económica.

  • Paulo Monteiro Rosa
  • Economista Sénior, Banco Carregosa

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