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Do Labirinto à Clareza: O Desafio do Relato Integrado na Indústria Seguradora
Nuno Oliveira Matos quer integrar os relatos financeiros a que as seguradoras estão obrigadas e tornar útil o esforço do seu cumprimento. Quer transformar o compliance numa vantagem estratégica.
O relato do setor segurador da União Europeia encontra-se num ponto de viragem. Durante décadas, o relato financeiro foi um exercício pautado por estruturas normativas bem definidas. Mas, num mundo onde os riscos não são apenas financeiros, faz sentido continuar a reportar o desempenho de uma empresa de seguros ignorando o seu impacto ambiental e social? A resposta é um claro “não”! É precisamente aqui que surge o desafio do relato integrado: alinhar as IFRS1 com as ESRS2, criando um quadro de relato coerente, que reflita a verdadeira dimensão dos riscos e oportunidades enfrentados pelas empresas de seguros.
Na teoria, a necessidade deste alinhamento parece evidente. Na prática, a convergência entre IFRS e ESRS exige uma reformulação profunda da forma como as empresas de seguros comunicam a sua estratégia, saúde financeira e impacto ESG3 no curto, médio e longo prazos.
A EBA4 já traçou uma visão para um sistema de relato integrado, alertando para a fragmentação atual e a necessidade de uma abordagem harmonizada. O BCE5 reforçou essa perspetiva, ao sugerir um quadro normalizado. Já a EIOPA6, sublinha a importância de uma supervisão baseada na transparência e na comparabilidade da informação. Mas será que este esforço está realmente a cumprir o seu propósito?
A Insurance Europe, que representa o setor, alerta para um problema real: o crescente fardo regulatório! Solvência II, IFRS 17, ESRS, etc., constituem múltiplas camadas de requisitos que, apesar da sua intenção de reforçar a transparência, podem estar a tornar o processo de relato excessivamente técnico, denso, fragmentado e oneroso. E surge uma questão incontornável: será que relatórios com centenas de páginas cumprem efetivamente a sua função, ou correm o risco de se tornarem meros exercícios de conformidade, distantes da tomada de decisão e da compreensão dos stakeholders? Transparência não significa quantidade de informação, mas antes, e sobretudo, clareza e relevância. Como garantir, então, que o relato integrado simplifica, em vez de complicar? Que informa, em vez de dispersar? E, porventura o mais importante, acrescenta valor à entidade relatora, aos seus stakeholders, ao setor e à sociedade?
O grande desafio reside na integração eficaz entre os relatos financeiro e de sustentabilidade. As IFRS estabelecem os princípios para o reconhecimento e mensuração de ativos, passivos, custos e proveitos; enquanto as ESRS impõem um novo paradigma de divulgação ambiental, social e de governação. A questão que se coloca é: estarão as empresas de seguros preparadas para fundir estes dois mundos de forma coerente e estratégica? O risco climático, as políticas de subscrição e as estratégias de investimento sustentável não podem ser encarados como notas de rodapé nos relatórios corporativos, até porque estes fatores já são determinantes para a aferição da viabilidade a médio e longo prazos de qualquer empresa de seguros.
Mais do que um mero somatório de relatórios financeiros e de sustentabilidade, o relato integrado visa demonstrar como os diversos capitais (financeiro, humano, natural, intelectual, social e de relacionamento) interagem e influenciam a capacidade da empresa de seguros gerar valor sustentável ao longo do tempo
Neste contexto, o relato integrado surge como um modelo essencial para articular a divulgação da criação de valor de forma holística, consistente, relevante e interligada. Mais do que um mero somatório de relatórios financeiros e de sustentabilidade, o relato integrado visa demonstrar como os diversos capitais (financeiro, humano, natural, intelectual, social e de relacionamento) interagem e influenciam a capacidade da empresa de seguros gerar valor sustentável ao longo do tempo. Para o setor segurador, esta abordagem não é apenas uma exigência regulatória emergente, mas uma necessidade estratégica para alinhar desempenho económico-financeiro e impacto ESG numa perspetiva de curto, médio e longo prazos.
O caminho para esta transformação passa pelo esforço de convergência liderado por entidades como a EIOPA e o EFRAG7, que trabalham para alinhar as ESRS com as normas do ISSB8 (S1 & S2). No entanto, o sucesso desta abordagem dependerá sempre da capacidade das empresas de seguros adotarem um novo mindset. Relatar já não é apenas um exercício de conformidade regulatória. É uma afirmação de compromisso e responsabilidade perante clientes, investidores e a sociedade.
O relato integrado não é apenas uma evolução normativa; é um reflexo da mudança de paradigma que o setor segurador enfrenta. Quem souber antecipar esta nova realidade e transformar o compliance numa vantagem estratégica terá não apenas uma posição mais sólida no mercado, como também um papel relevante na construção de um futuro mais sustentável.
Será que estamos prontos para esta mudança?
1 Normas Internacionais de Relato Financeiro.
2 Normas Europeias de Relato de Sustentabilidade.
3 Ambiental, Social e Governação.
4 Autoridade Bancária Europeia.
5 Banco Central Europeu.
6 Autoridade Europeia de Seguros e Pensões Ocupacionais.
7 Grupo Consultivo Europeu de Relato Financeiro.
8 Conselho Internacional de Normas de Sustentabilidade.
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