Do Reino Unido nada de novo

O Reino Unido é, juntamente com França e Alemanha, um paradigma daquilo que as sociedades da Europa ocidental estão a sofrer.

No próximo dia 4 de Julho há eleições no Reino Unido. Em princípio estas eleições não serão tão importantes para Portugal como poderão ser as francesas porque os britânicos deixaram a União Europeia. Mas, historicamente, os seus resultados e o governo que delas resulta têm sido relevantes pelas tendências que indicam para países como o nosso.

O Reino Unido é, juntamente com França e Alemanha, um paradigma daquilo que as sociedades da Europa ocidental estão a sofrer. Uma estagnação colectiva que está a roer, a pouco e pouco e por dentro, sociedades que ainda estão entre as mais avançadas do planeta, mas que se confrontam com uma perda de importância para o qual não encontram uma solução.

A sociedade britânica defronta-se com demasiados excessos originados por algumas décadas de políticas de duvidosa utilidade: excesso de estatização, excesso de subsidiação, excesso de intervenção, excesso de auto-crítica e de vergonha por um passado e por uma identidade e cultura que foram e são gloriosos. Estes são apenas alguns exemplos das tendências de auto-mutilação que as sociedades europeias estão a atravessar.

Paradoxalmente, a forma encontrada para tentar solucionar estes problemas, a aposta na União Europeia, é também uma das suas origens. O funcionamento da UE traz cada vez mais distanciamento e cada vez mais excessos de imiscuidade estatal na vida de pessoas e empresas que tolhem e prejudicam as sociedades.

Mas a recente saída do Reino Unido ainda não mostrou que a possibilidade de se libertar de algumas destas amarras tenha trazido uma vantagem evidente. Os britânicos foram os mais inovadores na História da Europa dos últimos 3 séculos ao serem os percursores da democracia e da liberdade na idade contemporânea e os fundadores de uma sociedade baseada na benevolência e na compaixão pelo próximo.

Como Gertrude Himmelfarb mostrou em “The Roads to Modernity”, o iluminismo britânico iniciou no século XVII um movimento de ideias e de iniciativas baseadas na compaixão que se traduziram na criação de inúmeros hospitais, asilos, lares, apoio mutuário e de outras “obras” destinadas a ajudar os menos afortunados, disponibilizando-lhes comida, agasalhos e outras condições de subsistência. Toda esta evolução decorreu a par com importantes mudanças como a liberalização económica, a reforma penal e do sistema prisional ou a abolição do comércio de escravos e da escravatura.

Enquanto o iluminismo francófono se baseou na ideologia da razão, que tudo tentou mudar ou eliminar – religião, liberdade, virtude, natureza, sociedade – o britânico, que o precedeu, cresceu por uma virtude e uma aspiração mais modestas, mas mais humanas, mais praticas e mais abrangentes, com resultados concretos não só em termos de descobertas científicas e de alargamento do conhecimento, na arte, na filosofia ou na política, mas também no espírito e na consciência social.

Ao contrário do que referiu Tocqueville, o sentimento enraizado de vida em comunidade não nasceu nos EUA, mas foi importado do Reino Unido, onde ainda hoje subsiste e onde originou a criação do actual “welfare state” (não se confunde com o Estado a decidir as nossas vidas). A razão também foi importante no iluminismo britânico, mas apenas após virtudes sociais como a benevolência, a compaixão ou a simpatia.

Foi esta especificidade britânica, que no continente europeu raramente é compreendida, que levou ao “Brexit”, mas que, pelo menos até ao momento, não se traduziu numa mudança de rumo significativa na sociedade. O “Brexit” aprofundou a divisão do partido no governo, o Conservador, limitando a capacidade do país para o aproveitar. A economia britânica ainda não se libertou de parte dos constrangimentos associados à União Europeia nem dos constrangimentos que os próprios britânicos criaram. A sua incapacidade em reformar a sociedade e a economia é um mal geral na Europa e comum a França e Alemanha.

É neste contexto, e após 14 anos de poder “tory”, que se vão realizar eleições com a vitória já anunciada dos trabalhistas. Infelizmente, as perspectivas de um governo “labour” também não são animadoras. O seu líder, Keir Starmer, desmarcou-se do radicalismo marxista do seu predecessor, procurando apresentar uma postura mais conciliatória, pelo que não deverá mudar radicalmente as políticas públicas. Mas este imobilismo também significa que o Reino Unido não irá sair da estagnação socio-económica em que se encontra.

O “labour” denota falta de ideias e recusa qualquer necessidade de mudança. A informação disponível e a campanha eleitoral indicam que os temas continuarão a ser os mesmos – imigração, defesa, energia, saúde – mas com mais ideologia e “wokismo” à mistura. Vão acentuar-se as práticas de intervencionismo político e de ataques a empresas e à actividade económica através de mais regulação e do aumento da carga fiscal.

Fala-se de uma aproximação à UE, mas na realidade os britânicos nunca se afastaram muito. As trocas comerciais já recuperaram do choque da pandemia, Londres continua a ser o centro financeiro que outras cidades europeias não conseguem ser, a política ambiental ou a de defesa continuam iguais e foram os países da UE que se aproximaram dos britânicos na imigração.

Apesar de já pouca gente ter dúvidas sobre o desfecho das eleições, ainda resta um factor de interesse: Para além de “Tories” e “Labour” há um terceiro partido, o “Reform”, que pode acabar com três séculos de bipolarização em que de um dos lados estiveram sempre os conservadores.

O “Reform” teve a clareza de assumir que o seu objectivo não é governar o país e propôs um contrato com os britânicos para os próximos 5 anos que pretende usar como base para desafiar esta bipolarização centenária. O contrato prevê terminar com a imigração que não é necessária, aumentar salários, reduzir os custos da energia, acabar com as listas de espera no serviço nacional de saúde e cortar a despesa em todos os serviços públicos, excepto na cobrança de impostos. O problema é que não diz como é que o vai fazer.

O discurso do “Reform” vai no sentido de aproveitamento das oportunidades criadas com o Brexit, o que aponta como tendo sido o grande falhanço dos conservadores. Mas apesar das intenções é pouco convincente e afirma-se essencialmente como um partido de protesto ao não apresentar propostas concretas, tornando o seu objectivo de acabar com a bipolarização pouco provável de ser alcançado.

Por todas estas razões não se espera o surgimento de novas tendências dos resultados das eleições britânicas. A haver ensinamentos a tirar serão, provavelmente, pela negativa.

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