
Dois homens a fazer política
Na distância que separa o radical “menino rico” do moderado “novo-rico”, que lugar para a riqueza da nação?
Chegaram as “averiguações preventivas” à esquerda e à direita. O choque e o pavor tomam conta dos debates e da campanha e do período antes da ordem do dia. As “averiguações preventivas” do Ministério Público são o partido informal da democracia portuguesa. Os juízes portugueses não sofrem do movimento de despromoção social que afecta médicos e professores. Médicos e professores são os novos proletários da democracia. Os juízes portugueses são a comissão reguladora do tráfego político. Não há manifestações nem greves nem reivindicações salariais para os guardiões da República. Através do Ministério Público os juízes pretendem garantir a honestidade política e a pureza social dos políticos.
A República até poderia exigir uma espécie de registo de conformidade política como documento essencial para se concorrer às eleições. Mas não. Desta forma, o Ministério Público torna-se um instrumento político por excelência, garantindo avenidas de sucesso para políticos convenientes e becos sem saída para políticos inconvenientes. O critério de intervenção não é o motivo jurídico, mas a motivação política. Aliás, a instrumentalização da justiça para fins políticos é uma degradação do sentido da justiça e uma actuação ao nível da teoria da conspiração. Entre os tribunais plenários do antigo regime e os tribunais executivos das oligarquias é a regulação do interesse corporativo de uma classe ao serviço de uma qualquer ideia política que nega ser política. Na discussão sobre a ética da República democrática, fica uma questão essencial – Quem elege os juízes?
Depois há o facto de que estas “averiguações preventivas” serem iniciadas após denúncias anónimas. Em política, a denúncia anónima não é um instrumento democrático aceitável. A denúncia anónima pertence ao alfabeto das ditaduras em que, com a cobertura da sombra, se denunciam inimigos políticos, colegas ambiciosos, vizinhos ruidosos, gente que se odeia, tudo em nome da salubridade política e do domínio particular de um regime sem oposição. Prevalece o domínio particular do denunciante e o domínio geral de quem investiga a denúncia. A denúncia anónima alimenta-se do mecanismo humano da inveja, da vingança, do ressentimento. Na democracia avançada do século XXI pode até criar-se em Portugal a “participação avençada”, mecanismo que permite a monetarização da denúncia e a criação de um corpo de denunciantes prósperos e profissionais. Como o assunto é político, imagino uma quinta coluna de políticos denunciantes cuja função única e exclusiva seria a de obter informações e levá-las ao senado da justiça. A República dos denunciantes é o grau mínimo da ética – quando metade de Portugal espia a outra metade de Portugal estamos numa guerra civil silenciosa. A democracia está morta e ninguém tem coragem para denunciar que a democracia está morta.
A política não é para ingénuos. Os políticos não são anjos. A política é um jogo perigoso. A “averiguação preventiva” ao líder do PS levanta nos debates e nos comentários uma questão nova na discussão política. E a questão prende-se com a sociologia política de um país pobre em que os políticos movimentam fluxos financeiros significativos.
Para os portugueses que ligam para os programas da manhã para tentarem ganhar um prémio súbito e imediato é uma distância entre dois países que não se tocam. Para os portugueses viciados em jogos online e que transportam casinos nos smartphones, os recursos financeiros são curtos e escassos e nunca acompanham as necessidades mais básicas.
Portugal é um país que não acredita no mérito nem na educação nem no trabalho. A disparidade entre os políticos e os cidadãos adensa todas as suspeitas e todas as demagogias. Instala-se a ideia simplista e populista de que a pobreza em Portugal resulta da institucionalização de mecanismos de corrupção que extraem os recursos da nação. A ideia é atractiva e reúne votos, mas é perigosa. A mesma perspectiva se aplica à actividade privada que gera lucros privados pela exploração das necessidades de uma população dependente que não pode fugir ao fisco nem branquear capitais. A associação de que os políticos são todos corruptos com a ideia de que os empresários são todos desonestos, deixa o país entregue ao regime do Ministério Público e ao Estatismo como ideologia única.
A novidade política e sociológica desta campanha reside no carácter dos candidatos a primeiro-ministro. O líder do PS é um burguês “rico” que faz uma opção de classe a favor dos mais desfavorecidos. O PS apresenta-se aos portugueses com uma espécie de “banqueiro anarquista”. O líder do PSD é um “rural” obstinado que subiu na vida com as pessoas certas e os negócios certeiros. O PSD apresenta-se aos portugueses com uma espécie de “consultor avalista”. O PSD apresenta-se aos portugueses com um autêntico homem que se fez a si mesmo homem. Se o PS apresenta um “menino rico”, o PSD apresenta um “novo-rico”.
Na distância que separa o radical “menino rico” do moderado “novo-rico”, que lugar para a riqueza da nação?
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