
É preciso participar na Democracia
Quando os representantes do povo não se conseguem entender, tem de ser o povo a decidir. As eleições não são dispensáveis, nem nunca servem apenas quando dão resultados diferentes.
“O cargo político mais importante é o do cidadão comum.” Louis D. Brandeis, Supremo Tribunal de Justiça, juiz associado (1916 to 1939).
Embora considere que o dia de reflexão é um anacronismo, vou respeitá-lo e apelar apenas ao voto, principalmente ao voto validamente expresso, não indicando em quem vou votar. Os meus leitores já sabem em quem votarei.
Quando os representantes do povo não se conseguem entender, tem de ser o povo a decidir. As eleições não são dispensáveis, nem nunca servem apenas quando dão resultados diferentes. Era só o que faltava! Sendo a expressão da soberania popular são sempre meritórias As eleições são dispensáveis? Por acaso sabem o que é a democracia? Haja paciência!
Em democracia representativa votamos para escolher pessoas que vão decidir por nós o destino do país. Quando esses 230 deputados não são capazes de se entenderem, tem de ser o povo a decidir. Portanto, as eleições nunca são dispensáveis, nem os custos adstritos às mesmas importam. A legitimidade soberana reside no nível mais baixo da representação popular. É ao povo a quem cabe a palavra decisiva.
Há décadas que escrevo e falo sobre a importância da participação dos cidadãos em democracia. Faço-o mais uma vez, voltando a referir ideias sobre participação cívica, participação eleitoral, a importância do voto válido e pressão e vigilância do cidadão.
Participação cívica
Participar é inerente à democracia. Digo mais. É uma exigência! Sempre o foi. Já o era na Grécia do século V a.C., onde o cidadão que não se importasse com a política era censurado ou pior. Péricles, na sua oração fúnebre, expressou esse sentimento: “Nós consideramos o cidadão que se mostra estranho ou indiferente à política como um inútil à sociedade e à República” (Tucídides, livro II, capítulo VI). Indubitavelmente, com o correr do tempo, esta ideia adquiriu outros contornos, mas nunca perdeu este significado: não há democracia sem participação.
A noção de participação é intrínseca à democracia. Todas as formas de democracia são participativas. Umas mais do que outras, dependendo dos sistemas de governo e eleitoral, mas todas são participativas. O que varia é o grau de autonomia e o nível de representatividade, tanto dos eleitos como dos eleitores. Ora, intimamente ligada à noção de direitos políticos, a cidadania pressupõe a participação dos cidadãos, quer directa quer indirectamente, na vida pública e política do país, elegendo ou sendo eleitos para os órgãos do Estado.
Participação eleitoral
Os portugueses parecem desconhecer que votar é a última forma de participação. Porém, ao ter consequência directa na governação do país é também a mais significativa. No âmbito da política, como manifestação da igualdade de oportunidade, é uma forma de participação fundamental.
Em Portugal o voto não é obrigatório. E muito bem! Porque pressupõe uma vontade – e não uma imposição – de participação do cidadão na vida pública do Estado. Assim, sendo o voto a manifestação de uma vontade não deverá tornar-se uma imposição sobre a vontade individual. Para todos os efeitos, quer se goste ou não, o cidadão pode não querer participar no sistema político. E deve manter essa prerrogativa, apesar de, pela mesma, estar a prescindir da plenitude dos seus direitos (e deveres) e a permitir que terceiros decidam por si o seu futuro.
Ora, é a abstenção que melhor ilustra a opção pela não-participação. Quem se abstêm não faz um voto de protesto. Está, eventualmente, a protestar. Mas, a votar não está. Então, qual é a diferença entre a abstenção e um voto branco e/ou nulo? Quem vota em branco ou nulo, quer participar, mas não gosta das opções expressas no boletim de voto. Quem se abstêm, não vota e não quer participar. Qual é o custo da não-participação? É a perda de decisão na democracia e o permitir que terceiros decidam por nós.
A importância do voto válido
Antes de prosseguir devo fazer algumas clarificações. O que é um voto válido? Um voto válido é aquele que expressa a escolha do eleitor através da indicação de apenas uma cruz no boletim de voto. Só este tipo de voto é que determina a conversão em mandatos e que conta para a atribuição das subvenções públicas.
O que é um voto em branco? Um voto em branco verifica-se quando o boletim não for objecto de qualquer tipo de marca feita pelo eleitor, nos termos do n.º 1, do artigo 98º da Lei eleitoral da Assembleia da República – Lei 14/79, de 16 de Maio (este critério é aplicável a qualquer sufrágio, incluindo as europeias). Seja num acto eleitoral, ou num referendo, uma declaração de vontade tem de ser praticada e esta só é possível através do assinalar de uma cruz num dos quadrados constantes no boletim de voto.
Como tal, segundo o artigo 98º da referida Lei 14/79, o voto em branco – no qual nenhuma declaração de vontade é expressa – não é válido para efeitos de determinação do número de candidatos eleitos, pois não tem influência no apuramento do número de votos e na respectiva conversão em mandatos. Assim, mesmo na eventualidade de o número de votos em branco ser maioritário, a eleição é válida, pois existem votos validamente expressos que contam para os efeitos do apuramento de resultados.
Por sua vez, as alíneas a), b) e c) do nº 2, do artigo 98º da lei 14/79, determinam o que é um voto nulo. Este acontece quando se faz mais do que uma marca, uma marca num candidato, partido ou coligação que tenha desistido ou ainda quando se verificam rasuras, desenhos ou palavras no boletim de voto.
No que respeita à democracia e ao seu papel como cidadãos, os portugueses são uma espécie de dissonância cognitiva, pois exigem mudanças quando eles próprios não estão disponíveis para mudar. Infelizmente, o povo português pensa que as ilusões que lhe são vendidas não são sua responsabilidade, alheando-se, cada vez mais, da decisão política. Há muito que assim acontece, sendo também há muito que se confunde política com partidarismo. Como é a regência do comodismo que nos caracteriza, uma parte significativa de nós continuará sentada no sofá a apontar o dedo a quem aparece na televisão. Os portugueses, ou alguns deles, tem necessidade de duas coisas: primeiro, de culpar alguém pelos seus males e, segundo, do próximo ilusionista (sendo que uns ilusionistas perduram mais do que outros). É um modo sequencial de complacência. É a solução mais fácil. É a solução que perpetua o fado português da miséria, da pobreza e da tristeza. É também a solução que não ajudar a mudar nada.
Como manter a liberdade e/ou a democracia é mais difícil do que a conquistar, esta postura do «é preferível chorar a fazer» é muito perigosa. Não ir votar ou votar branco e nulo é a última coisa que se deve fazer. Todavia, como participar é importante, é preferível votar branco ou nulo do que não ir votar. Apesar de não provocar nenhuma mudança, votar branco ou nulo significa que os eleitores querem participar na democracia. Nesta ordem de raciocínio, é preferível votar por exclusão, i.e., optar por uma forma negativa ao votar no mal menor, do que não ir votar. A opção por não participar nos actos eleitorais ou, por outras palavras, o abandono voluntário do cidadão, quer pela abstenção, quer pelos brancos e nulos, é a pior solução. Para além de significar indiferença pela democracia,
Ora, se “o sistema representativo é uma procuração dada a um certo número de homens pela massa do povo que deseja ter seus interesses defendidos e não tem, no entanto, tempo para defendê-los sozinho” (Benjamin Constant) e “governar e legislar são questões de razão e de julgamento, não de inclinação ou de favorecimento” (Edmund Burke), é urgente terminar com o afastamento entre cidadãos e os seus representantes políticos. É essencial que ao cidadãos comecem a contactar directamente todos os deputados eleitos para lhes transmitirem as mudanças que desejam.
É claro que os representantes eleitos não são obrigados a decidirem como nós decidiríamos, ou gostaríamos que decidissem. Porém, quanto mais os cidadãos se afastarem dos políticos, melhor será para os partidos. Continuaram a sentir-se à vontade para pôr os interesses partidários à frente do interesse do povo. A democracia representativa requer uma vigilância activa do cidadão ao seu representante eleito.
Pressão e vigilância do cidadão
Mencionei acima que todas as formas de democracia são participativas, umas mais do que outras, dependendo dos sistemas de governo e eleitoral. Um dos temas que vejo ser mais vezes referido é alteração do sistema eleitoral. Mediante quais parâmetros, essa mudança pode ser mais fácil e depender apenas de uma alteração à lei eleitoral.
Mas nenhuma alteração substancial acontecerá enquanto os portugueses não começarem a contactar directamente os deputados, independentemente de que partido, para lhes demonstrarem a vontade em alterar o sistema eleitoral.
A alteração do sistema eleitoral por parte dos partidos era algo impensável há uns anos. Nestas eleições, vários programas eleitorais referem o assunto. Podem não ser as que os portugueses querem, mas não deixam de ser a expressão de alguma cedência. Isso aconteceu já expressam algumas cedências. E isso começou porque dentro de alguns partidos o tema começou a ser discutido e defendido publicamente. Não é estranho que se tenha alastrado a outros. Agora imagem o que acontecerá com uma pressão constante dos cidadãos?
Pessoalmente, penso que uma mudança do sistema eleitoral é insuficiente. Também deve ser discutida a alteração do sistema de governo. Mas isso é assunto para outro artigo.
O que importa é perceber que, tal como Constant disse, “o perigo da liberdade moderna está em que, absorvidos pelo gozo da independência privada e na busca de interesses particulares, renunciemos demasiado facilmente a nosso direito de participar do poder político”.
É, por isso, essencial compreender é que a soberania só é exercida pelo povo se este participar activamente na democracia. Assim, participem! E votem validamente!
Quem não quer participar na democracia não se importa
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