Em 25 anos: 2 líderes da Fenprof, 12 ministros da Educação

Mário Nogueira não é líder sindical dos professores para ganhar o prémio Sakharov dos contribuintes. Ele está a representar interesses, os dos professores. E é altamente competente a fazê-lo.

É provável que o anúncio do fim desta chamada crise política a propósito da contagem do tempo das carreiras dos professores tenha sido manifestamente exagerado.

Vamos ver qual será o posicionamento de cada partido quando o assunto for discutido e votado no plenário parlamentar. O que parece claro, para já, é que o PS votará contra qualquer diploma que reforce o reconhecimento da contagem integral do tempo para efeitos de evolução nas carreiras. E que PSD e CDS vão recuar na posição irresponsável — ingénua? descuidada? eleitoralista? — que assumiram na quinta-feira na Comissão Parlamentar e, desta vez, farão depender o reconhecimento integral do tempo congelado nas carreiras a medidas de salvaguarda financeira e económica.

E o BE e o PCP, que neste tema sempre se mantiveram de grande coerência? — orçamentalmente errada e irresponsável, a meu ver, mas coerente dentro da sua posição ideológica. Vão manter-se intransigentes na defesa da contagem de todo o tempo sem qualquer condicionalismo ou vão abdicar esse princípio e aceitar condições para salvar o que, para eles, é essencial?

Essa possibilidade foi aberta na manhã desta segunda-feira pelo próprio Mário Nogueira, ao pedir ao BE e PCP que deixem passar as condições dos partidos da direita para deixar cravada em letra de lei a obrigatoriedade do Estado contabilizar todo o tempo de serviço num ritmo a definir.

É, na sua própria lógica, a forma de não deitar fora a criança com a água do banho. Vamos ver como cada “jogador” mexe as suas peças a partir daqui, neste xadrez que escalou rapidamente até ao ponto de pairar uma ameaça de demissão do Governo.

E se chegámos até aqui foi porque quase todos se comportaram mal.

Primeiro o Governo, que a todos na função pública criou expectativas de reposições e devoluções e andou a entreter os professores com a possibilidade de satisfazer as suas pretensões, ao ponto do PS ter votado favoravelmente uma recomendação ao Governo para que negociasse nesse sentido. É apenas uma recomendação, de facto, mas não deixa de significar uma intenção e uma vontade. Terá sido contrariada por Mário Centeno depois de fazer as contas mas esta versão de “fumar sem inalar”, reconhecer o direito mas não pagar, insinuar sem concretizar é tudo menos o que deve ser feito.

Depois foi a vez do PSD e CDS terem abdicado da responsabilidade orçamental que apregoam, alinhando, num assunto de grande impacto para as finanças públicas, com dois partidos — o BE e o PCP — que estão nos antípodas do que defendem para a organização e gestão do Estado e modelo económico da sociedade em que vivemos.

Pior. O que PSD e CDS fizeram naquela Comissão Parlamentar ao entardecer de quinta-feira contraria simbolicamente as dificuldades e a dureza da governação entre 2011 e 2015, dando a ideia de que tudo poderá ter sido em vão. Afinal não aprendemos nada? A insistência no erro nas primeiras reacções na manhã de sexta-feira deixaram aberta a baliza para que António Costa marcasse o golo. E marcou, com pirueta e tudo.

Se sairmos deste episódio mais recente e olharmos para toda a novela, do que se está a falar é da insustentabilidade financeira da carreira dos professores. Esse é o elefante que está na sala há muitos anos.

Em tempos, o próprio João Galamba o admitiu. E fontes anónimas do PS defendem que alguma coisa deve ser feita.

Num passado mais distante, Maria de Lurdes Rodrigues — ministra da Educação do primeiro governo de José Sócrates –, corajosa, congelou mesmo as carreiras dos professores entre 2005 e 2007 para avançar com um novo sistema de avaliação dos docentes. Acabou demitida depois de derrotada no braço-de-ferro com os sindicatos.

Os governos vão passando. Os ministros vão passando ainda mais rapidamente. Mário Nogueira lidera a Fenprof desde 2007 e este é já o quinto ministro da Educação que se senta à sua frente. Mas se recuarmos ao seu antecessor, Paulo Sucena, que esteve 13 anos à frente da Fenprof, então temos o seguinte registo: em 25 anos, o mais poderoso sindicato dos professores teve dois líderes que lidaram com um 12 ministros da Educação.

Ainda que os próprios possam não valorizar a meritocracia, isto deve querer dizer alguma coisa sobre ela. Os líderes sindicais dos professores têm sido muito mais competentes e meritórios no exercício dos seus cargos do que, nesta matéria em concreto, a generalidade dos ministros da Educação. Por isso é que são eleitos sucessivamente para vários mandatos pelos professores, que descontam uma parte dos seus ordenados para pagar as despesas sindicais: eles defendem bem os interesses da classe, têm sucesso na sua missão. Têm, por isso, todo o mérito. Já os ministros da Educação são alvo de frequentes “chicotadas psicológicas”.

Nestas coisas nunca devemos perder a noção do que devemos exigir a quem. Eu não espero nunca que seja Mário Nogueira ou qualquer outro sindicalista — e o mesmo se aplica a qualquer empresário ou representante de interesses parcelares — a zelar pelo interesse público geral, a preocupar-se com a sustentabilidade das contas públicas ou com a equidade entre as várias carreiras da função pública. Nada disso. Ele não é líder sindical dos professores para ganhar o prémio Sakharov dos contribuintes portugueses. Ele está a representar interesses, os dos professores. E é altamente competente a fazê-lo, como se tem visto.

Se alguma coisa tem falhado nas últimas décadas e chegámos à insustentabilidade orçamental das carreiras dos professores é porque do outro lado da mesa de negociações se têm sentado governantes que perdem sucessivas batalhas com os representes da classe. Porque não sabem, porque não podem, porque chegada a hora da verdade os mais de 100 mil votos directos e outros milhares de familiares dos professores contam mais, porque os chefes do governo ou as míticas “bases partidárias” não deixam, porque não têm tempo nem força para desenhar a estratégia para lá chegar? Provavelmente será um pouco de cada uma destes ingredientes, em quantidades diferenciadas em cada governo.

Mas é a estes e aos deputados eleitos que teremos sempre que pedir responsabilidades e exigir que mudem, de facto, o que deve ser mudado em nome do interesse comum. Eles são eleitos para isso mesmo.

Os professores também são, até certo ponto, vítimas deste seu sucesso sindical e da fraqueza dos representantes do Estado. Como os governos são incapazes de enfrentar o problema estrutural, o que tem acontecido é que suspendem casuisticamente a aplicação do sistema de carreiras sempre que a factura pesa demasiado. Ora, isto gera uma instabilidade inaceitável e um capital de queixa justificado. O Estado, desorganizado e fraco, vai empurrando o problema com a barriga. Os sindicatos, organizados e fortes, usam isso a seu favor. A culpa não será destes.

O CDS vem agora colocar no tabuleiro de jogo a revisão das carreiras. Não sei se é desta, se daqui vai resultar alguma coisa de estrutural.
O que sei é que qualquer outra condicionalidade das que têm sido referidas — ligar os pagamentos à performance da economia ou à saúde das finanças públicas — não é praticável.

Eu não sei como se aumenta a despesa pública de forma eterna e permanente mas sujeita aos ciclos económicos e à evolução orçamental. Como se faz? Pagam-se os encargos decorrentes dos 9 anos de carreira dos professores se a economia estiver a crescer e o défice muito baixo para se suspender quando a economia voltar a “pifar” e, por exemplo, os juros subirem e a margem orçamental diminuir? E com que regras? Vai haver uma negociação anual? Isto é praticável para todos, contribuintes e professores?

Isto exige também que se acredite no Pai Natal. Desde o Novo Sistema Retributivo da função pública de Cavaco Silva – NSR, que Miguel Beleza, ministro das Finanças de então, chamava carinhosamente de Novo Sistema Ruinoso – até à recente passagem do horário de trabalho de 40 para 35 horas que uma série de medidas orçamentais estão cheias de “isto vai ter factores de compensação” ou de “isto não vai implicar acréscimo da despesa”.

E é o que temos visto: patamares sempre crescentes de despesa rígida, défices e dívida galopantes que nos levaram ao resgate, cortes duríssimos e enormes aumentos de impostos para nos tirar de lá.

Acreditar no Pai Natal uma vez, ainda vá. Insistir na sua existência depois de nos terem demonstrado que ele não existe por várias vezes já será sinal de pouca inteligência. E isto assim não é vida para ninguém.

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