Está o caldo entornado

Já enfraquecida pela saída do Reino Unido e a crescente fratura interna provocada pelo assomo populista, a UE tem agora lideranças frágeis no seu principal eixo, o franco-alemão.

A aliança tática da “frente republicana” para a segunda volta baralhou as sondagens e as aspirações do Reagrupamento Nacional (RN) em chegar ao poder. O partido de Le Pen não só não ganhou, como ficou em terceiro lugar nas eleições francesas. O arranjinho que levou à retirada de candidatos para concentrar votos nos rivais do RN travou a ascensão da extrema-direita ao poder, mas as perspetivas para o país continuam sombrias.

O contraste com as eleições britânicas ilumina o desencanto francês. Goste-se ou não do projeto político, a vitória claríssima do Labour no Reino Unido funcionou como uma injeção de confiança. As eleições antecipadas convocadas por Emmanuel Macron criaram ainda mais incerteza.

Lembremos os resultados: O partido que elegeu mais deputados foi a Nova Frente Popular — uma geringonça entre a Frente Insubmissa (extrema-esquerda), o Partido Comunista Francês, Os Ecologistas, o Partido Socialista e outros pequenos partidos. Conseguiu 188 lugares na Assembleia Nacional e 32,6% dos votos.

A coligação de centristas liberais de Emmanuel Macron conseguiu fazer melhor figura do que agoiravam os inquéritos de opinião, ficando com 161 lugares e 27,9% dos votos, e relegando o RN para terceiro com 142 lugares e 24,6% dos votos. Os Republicanos ficaram em quarto com 8,3% e 48 deputados.

Uma aritmética que impede que qualquer dos blocos apresente uma solução maioritária, deixando o país num impasse governativo. É possível formar um executivo minoritário, que existe desde 2022, primeiro com Elisabeth Borne e depois com Gabriel Attal, mas que fica à mercê de os restantes se juntarem para o derrubar.

Nos próximos dias ou mesmo semanas, as diferentes forças tentarão cozinhar um acordo o mais amplo possível, tentando pescar deputados de vários lados, sejam os liberais junto das forças moderadas de esquerda e nos Republicanos, seja a Nova Frente Popular junto do bloco de Macron. Uma tarefa que se está a revelar muito difícil.

O primeiro teste será na próxima quinta-feira, dia 18, quando a nova Assembleia Nacional será chamada a eleger o seu líder. Aí já poderão começar a ser visíveis entendimentos. A eleição do presidente do Parlamento obriga a maioria absoluta nas duas primeiras votações e simples na terceira.

Seja qual for o entendimento que venha a ser forjado, uma coisa é certa: a vaga reformista iniciada por Macron em 2014, quando ainda era ministro da economia de François Hollande, não só chegou ao fim como poderá começar a ser revertida. Reformas que ajudaram a que o motor francês carburasse bem acima do alemão.

A pressão sobre as contas públicas, já em forte derrapagem, poderá aumentar com a adoção de medidas de aumento da despesa (subsídios) e redução da receita (redução de impostos). Ou, pelo menos, os entendimentos para baixar o défice e a dívida serão mais difíceis de conseguir.

A prazo, a interrupção ou reversão de reformas (como a das pensões), deixará a economia francesa mais fragilizada e, por arrasto, a Europeia.

O mesmo acontece politicamente. Emmanuel Macron perdeu quilos de peso político após as eleições europeias e as legislativas deste mês. Atravessar o extenso vale até às próximas presidenciais, em abril de 2027, será penoso. Cairá antes? O Presidente está a abrir caminho para legitimar um governo que não inclua nem a extrema-esquerda (apesar de liderar o bloco mais votado) nem a extrema-direita. Mas e se o executivo que vier a apoiar não se aguentar?

“A nossa vitória foi apenas adiada”, disse Le Pen após conhecer os resultados de domingo. As condições políticas para, nos próximos dois anos, criar uma plataforma alternativa e um nome capaz de unir os franceses e derrotar a provável candidata da RN são assaz desfavoráveis. Sem um novo primeiro-ministro carismático e que devolva a esperança aos desiludidos da V República, será muito difícil manter o dique que impede a extrema-direita de chegar ao Eliseu.

Para a União Europeia, é mais um sério revés. Já enfraquecida pela saída do Reino Unido e a crescente fratura interna provocada pelo assomo populista, a UE tem agora lideranças frágeis no seu principal eixo, o franco-alemão. A economia cresce a um ritmo anémico, insuficiente para as crescentes pressões orçamentais.

Uma maré baixa que chega na pior altura, com a irredutível ameaça russa a leste e a provável eleição de Trump a oeste.

Nota: Este texto faz parte da newsletter Semanada, enviada para os subscritores à sexta-feira, assinada por André Veríssimo. Há muito mais para ler. Pode subscrever neste link.

Assine o ECO Premium

No momento em que a informação é mais importante do que nunca, apoie o jornalismo independente e rigoroso.

De que forma? Assine o ECO Premium e tenha acesso a notícias exclusivas, à opinião que conta, às reportagens e especiais que mostram o outro lado da história.

Esta assinatura é uma forma de apoiar o ECO e os seus jornalistas. A nossa contrapartida é o jornalismo independente, rigoroso e credível.

Comentários ({{ total }})

Está o caldo entornado

Respostas a {{ screenParentAuthor }} ({{ totalReplies }})

{{ noCommentsLabel }}

Ainda ninguém comentou este artigo.

Promova a discussão dando a sua opinião