Estabilidade financeira, riscos sistémicos na Europa e tendências globais em 2025

  • Helena Chaves Anjos
  • 6 Janeiro 2025

Helena Chaves Anjos demonstra que as seguradoras europeias estão bem, mas a convergência entre regulação, sustentabilidade e inovação revela-se crucial para a resiliência e preparação do futuro.

A estabilidade financeira e a gestão de riscos sistémicos são elementos cruciais para o setor segurador europeu, particularmente num cenário macroeconómico de elevada incerteza e complexidade crescente. O recente Relatório de Estabilidade Financeira da EIOPA, publicado em dezembro de 20241, apresenta uma visão abrangente dos principais desafios e vulnerabilidades enfrentados pelas seguradoras e fundos de pensões no Espaço Económico Europeu (EEE). Apesar dos riscos e vulnerabilidades, o setor segurador demonstra resiliência, sustentado por sólidos rácios de solvência e modelos prudenciais robustos.

Resiliência e sólidos rácios de solvência

Os rácios de solvência no setor segurador europeu continuam em níveis confortáveis, com uma mediana dos rácios de solvência de capital de 239,2% para seguradoras Vida e 212,6% para seguradoras Não-Vida no segundo trimestre de 2024. Estes indicadores destacam a robustez financeira das entidades a operar no setor segurador europeu, refletindo a capacidade de absorção de choques económicos e financeiros. Os fundos de pensões também apresentam uma evolução positiva, com o rácio de financiamento dos regimes de benefício definido a subir de 119,8% no início do ano para 120,6% no segundo trimestre. Estes resultados sublinham a importância de uma abordagem prudencial rigorosa, que assegura a estabilidade no caso de materialização de cenários adversos.

Riscos emergentes no mercado imobiliário

O relatório destaca, contudo, que o mercado imobiliário europeu enfrenta desafios significativos, agravados pela adoção generalizada do teletrabalho e pelo aumento das taxas de juro em 20232. Esta desvalorização de imóveis comerciais e residenciais, respetivamente, impacta diretamente os ativos das seguradoras e fundos de pensões, que possuem cerca de 10% dos seus investimentos nestes ativos. Embora a autoridade supervisora do setor tenha identificado que choques imobiliários severos apenas teriam impacto moderado no setor como um todo, com algumas entidades individuais a permanecerem mais vulneráveis. Este cenário reforça a necessidade de uma gestão proativa e de um acompanhamento contínuo das implicações destes riscos do mercado imobiliário para a estabilidade financeira do setor segurador.

O crescimento do resseguro financiado

Outra área de destaque é o crescimento do resseguro financiado, uma prática cada vez mais adotada pelas seguradoras europeias. Esta estratégia permite transferir riscos de subscrição e riscos de investimento para os resseguradores, aumentando os rácios de solvência das entidades. Contudo, a estratégia introduz riscos adicionais de crédito, legais e operacionais. A concentração desta atividade em poucos resseguradores, frequentemente sediados em mercados offshore, exige, assim, um maior escrutínio regulatório para garantir que a procura por eficiência financeira não comprometa a estabilidade financeira do sistema.

O Quadro de Avaliação dos Riscos Sistémicos

O Quadro de Avaliação de Riscos Sistémicos (Systemic Risk Assessment Framework – SRAF) da EIOPA, implementado há dois anos, é um instrumento essencial para identificar vulnerabilidades no setor segurador europeu. Baseado nos dados do regime Solvência II, o SRAF combina indicadores quantitativos e contributos qualitativos das Autoridades Competentes Nacionais, oferecendo uma visão transversal dos riscos sistémicos. Em 2024, os principais riscos identificados incluem o aumento das posições em derivados e venda de Credit Default Swaps (CDS), além de riscos emergentes relacionados com a digitalização, a ciber-segurança e a transição climática. A utilização do SRAF permite aos supervisores monitorizar tendências e adotar medidas proativas para mitigar riscos potenciais.

Os principais riscos analisados incluem:

  • Ambiente económico: A recuperação económica foi gradual, com a pandemia e a guerra na Ucrânia, a afetar a evolução do setor segurador. Em 2023, o crescimento foi desigual, registando-se, contudo, uma melhoria com a desaceleração da inflação e perspetivas de crescimento moderado em 2024;
  • Interconexão financeira e riscos de derivados: O risco com derivados aumentou ligeiramente em 2023, com a percentagem de CDS sobre ativos a subir de 0,1% para 0,2%, refletindo um risco médio-baixo;
  • Exposição a contrapartes e downgrades: A exposição a investimentos de menor qualidade melhorou, mas o risco de downgrades aumentou ligeiramente, com a exposição a derivados a subir de 55,9% para 96,7% em 2023, elevando o risco agregado do setor;
  • Liquidação de ativos e comportamento dos tomadores: A taxa de resgates aumentou em 2023, especialmente, nos seguros de Vida e unit-linked. A taxa de resgate em Vida foi de 38,6%, e nos unit-linked, 50,1%, contudo a posição de liquidez manteve-se estável para a generalidade das seguradoras;
  • Substituibilidade e competitividade no setor: O setor segurador manteve uma elevada competitividade, com um índice de concentração baixo em várias linhas de negócios, reflexo da resiliência e diversidade, apesar de sujeito aos choques externos;
  • Subscrição e solvência: O crescimento dos prémios foi positivo em 2023, com a Vida a crescer 4,6% e o ramo Não-vida a crescer 6,7%. O rácio de solvência de capital manteve-se estável em 257,4%, refletindo uma posição confortável dos níveis de capital e posição de solvência das seguradoras Europeias;
  • Riscos emergentes de sustentabilidade: A exposição a obrigações verdes subiu para 5,9% em 2023, com riscos físicos tangíveis devido aos desastres naturais. As perdas seguradas atingiram cerca de 7,2 mil milhões de euros em 2023;
  • Digitalização e riscos cibernéticos: A digitalização crescente do setor de seguros elevou a exposição a incidentes cibernéticos. Em 2023, a frequência de incidentes cibernéticos diminuiu de 27,3% para 19,9%, mas os riscos digitais continuam elevados, especialmente nas seguradoras em processo de transformação tecnológica.

A utilização do modelo de supervisão de riscos sistémicos permite aos supervisores monitorizar tendências de mercado e adotar medidas proativas para mitigar riscos potenciais, zelando pela estabilidade e resiliência financeira.

Resultados do Teste de Stress de 2024

Por seu turno, o recente Teste de Stress da EIOPA, realizado em 20243, avaliou a resiliência das seguradoras europeias perante cenários adversos de agravamento das tensões geopolíticas. O exercício indicou que as seguradoras iniciaram o período com um rácio de solvência agregado robusto de 221,8%. Após aplicação dos choques, o rácio caiu cerca de 100 pontos base para 123,3%, permanecendo, contudo, acima do limiar regulatório de 100%, demonstrando a capacidade do setor para absorver choques severos adversos. Adicionalmente, o teste destacou a importância de margens de liquidez, dado o aumento de resgates e a redução de receitas de prémios e resseguro. O risco de liquidez pode, ainda assim, forçar o aumento da liquidação de ativos, reforçando a necessidade de uma gestão prudente de riscos por parte das seguradoras.

Lições e Tendências Globais para o Futuro

Ao nível internacional os supervisores, no Global Insurance Market Report da IAIS4, do dia 3 Dezembro 2024, identificam as cinco grandes tendências e os desafios associados para o setor segurador para o ano de 2025:

  • Riscos sistémicos e resiliência financeira: A prioridade é fortalecer a capacidade do setor para enfrentar choques climáticos e macroeconómicos;
  • Digitalização e inovação tecnológica: As seguradoras estão a adotar tecnologias avançadas, como inteligência artificial, para melhorar operações e produtos;
  • Sustentabilidade e finanças sustentáveis: A integração de fatores ambientais, sociais e de governança nas decisões empresariais ganha destaque;
  • Inclusão e literacia financeira: A acessibilidade dos produtos seguradores para populações insuficientemente atendidas é uma prioridade crescente;
  • Harmonização regulatória: Reformas no regime de capital baseado no risco visam fortalecer a estabilidade e a inclusão financeira.

Para complementar as análises prospetivas do IAIS Global Insurance Market Report 2024, é relevante referir, igualmente, as conclusões do Global Insurance Market Trends 20245, publicado pela OCDE, no dia 17 Dezembro 2024, que oferece uma perspetiva detalhada do desempenho do setor segurador global em 2023, nomeadamente, disparidades na penetração dos seguros entre economias avançadas e emergentes, o impacto da inflação e taxas de juro nos prémios e sinistros, e a recuperação da rentabilidade do setor. A integração destas tendências reforça as dinâmicas recentes de 2024 e os cenários previstos para 2025, realçando a importância de monitorizar a evolução macroeconómica e regulamentar, fatores estruturantes para o futuro da indústria.

Em conclusão, o setor segurador enfrenta tendências emergentes e desafios crescentes num ambiente de incerteza global. No entanto, os rácios de solvência a níveis sólidos, o uso de modelos robustos de supervisão de riscos sistémicos e os resultados positivos dos testes de stress demonstram a resiliência e a capacidade de adaptação do setor europeu. Para evoluir, é essencial que supervisores e entidades continuem a colaborar, promovendo a inovação e reforçando a integridade do sistema. A convergência entre regulação, sustentabilidade e inovação revela-se crucial para a resiliência e preparação do setor para um futuro próspero.

1EIOPA’s financial stability report sees insurers weathering a complex and uncertain risk landscape, 12 December 24

2EIOPA, FSR, December- Assessment of systemic risk in the EEA insurance sector, 12 December 2024

3EIOPA’s stress test shows EU insurers can handle surging geopolitical risks but at a heavy price, 17 December 2024

4International Association of Insurance Supervisors, Global Insurance Market Report 2024, 3 December 2024

5OECD (2024), Global Insurance Market Trends 2024, OECD Publishing, Paris, https://doi.org/10.1787/5b740371-en

  • Helena Chaves Anjos
  • Economista e Mestre em Finanças. Especialista em gestão de risco nos seguros

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