
EUA vs. UE na comercialização do conhecimento académico
O caso de Robert Langer, professor do MIT, co-fundador da Moderna e de mais de 40 empresas, mostra que, quando a academia derruba muros e abraça o mercado, a inovação acelera e a sociedade beneficia.
Google, Facebook, Cisco, Moderna, Biogen, Boston Dynamics, são apenas alguns exemplos de grandes empresas que “nasceram” na universidade. São todas americanas. Claro que também há alguns exemplos europeus e até portugueses (Fedzai, Critical, Sword Health etc), mas em número e dimensão muito inferior.
Se a inovação é um motor essencial do desenvolvimento económico, a transferência de tecnologia das universidades para o mercado é um elo crítico da inovação. Um bom indicador para avaliar a comercialização de tecnologia desenvolvida em ambiente universitário é o número de patentes universitárias licenciadas e exploradas comercialmente por empresas.
Quando comparamos os EUA e a UE, os dados revelam um fosso significativo, tanto em escala como em eficiência. Nos EUA, em 2021, foram executadas mais de 8700 licenças de tecnologias universitárias, segundo dados da associação americana de profissionais de transferência de ciência e tecnologia (AUTM), envolvendo 196 instituições. Já na UE os dados mais abrangentes, recolhidos pela associação europeia congénere (ASTP) em 2019, apontam para cerca de 1300 licenças, reportadas por 519 gabinetes de transferência de conhecimento. Esta diferença torna-se ainda mais expressiva se normalizarmos: cada instituição nos EUA licencia, em média, cerca de 45 tecnologias por ano, enquanto na UE a média ronda as 3 licenças.
As razões para esta disparidade são múltiplas. Nos EUA, a Lei Bayh-Dole, em vigor desde 1980, permitiu que as universidades passassem a deter e a explorar a propriedade intelectual resultante de investigação financiada com dinheiros públicos. Esta medida não só profissionalizou os Technology Transfer Offices (TTOs), como atraiu investidores e criou métricas de desempenho claras: número de licenças, receitas de royalties, startups criadas. A cultura norte-americana valoriza o empreendedorismo académico, tolera o fracasso e promove a mobilidade entre a academia e o setor privado. Por outro lado, na Europa o cenário é fragmentado. Cada país adota regras diferentes sobre quem detém a propriedade intelectual e a cultura académica europeia continua marcada por alguma aversão ao risco e por carreiras rigidamente separadas entre ciência e indústria.
Estas diferenças evidenciam a necessidade de reformas estruturais na UE. Para reduzir esta lacuna seria essencial repensar as regras de propriedade intelectual, escalar o financiamento de risco para tecnologias emergentes, profissionalizar os gabinetes de transferência e promover uma cultura que valorize o empreendedorismo académico. Tudo isto poderia contribuir para ajudar na travessia do chamado “vale da morte”.
O vale da morte é o caminho entre a descoberta científica e a sua aplicação comercial viável, uma fase marcada por elevado risco em que muitas inovações promissoras morrem. A razão é que, embora o “projecto” demonstre potencial em ambiente laboratorial, ainda não foi suficientemente validado para atrair investimento privado ou interesse da indústria. A capacidade de uma universidade ou país em superar o “vale da morte” é, por isso, um fator determinante para transformar conhecimento científico em impacto económico e social.
Poucos casos ilustram melhor o potencial da simbiose entre ciência e mercado do que o percurso de Robert Langer, professor do MIT, co-fundador da Moderna e de mais de 40 empresas biotecnológicas e um homem cujo trabalho redefiniu a ligação entre ciência, tecnologia, inovação, empreendedorismo e impacto humano, um homem cuja coragem de desafiar o status e o tornou dos maiores expoentes do empreendedorismo tecnológico a quem a Harvard Business Review chamou “Edison da Medicina”. Na semana passada Langer recebeu o Doutoramento Honoris Causa da UNL e foi “Commencement Speaker” na Cerimónia de Graduação dos Mestrados da Nova SBE, perante uma audiência de mais de 5000 pessoas.
Para aferir a verdadeira dimensão desta contribuição, recorri a dois laureados com o Prémio Nobel que integram o Advisory Board da Nova SBE:
- Prof Aaron Ciechanover (Prémio Nobel da Química, 2004) salientou:
“Bob é um dos inventores mais importantes da história moderna da biomedicina. Bob representa, provavelmente mais do que qualquer outro, a ponte que liga as duas margens do vale que separa a ciência básica da ciência aplicada. As suas invenções, que impactaram a vida de milhões de pessoas em todo o mundo, abrangem desde a inibição da formação de vasos sanguíneos à engenharia de tecidos, da insulina administrada por via oral ao armazenamento de informação médica sob a pele através de microagulhas — e isto é apenas o começo do que ele trouxe ao nosso mundo. Importa referir que ele é o fundador da Moderna, que salvou tantos de nós das consequências devastadoras da COVID-19.
Para mim, porém, ele é um herói por ter derrubado os altos muros que separavam a academia da indústria, e por ter mostrado a todos nós que estas duas instituições fundamentais devem coexistir em estreita proximidade para acelerar o progresso da medicina. O facto de muitos investigadores estarem isolados nas suas torres de marfim académicas não é apenas um desperdício do dinheiro dos contribuintes, mas também uma causa séria de atraso no desenvolvimento de medicamentos e dispositivos que salvam vidas.
Bob é o engenheiro supremo — constrói pontes e derruba muros”.
- Sir Richard Roberts (Prémio Nobel da Fisiologia ou Medicina, 1993) acrescentou:
“Bob Langer é um dos cientistas mais realizados do nosso tempo. O volume de patentes e empresas que criou é extraordinário, tendo tido protagonismo vital em organizações como a Moderna, cujo papel foi decisivo para salvar milhões de vidas durante a pandemia”.
A União Europeia possui universidades de classe mundial e financiamento público generoso, mas carece de três alavancas:
- harmonização legal da PI nomeadamente regras claras e simples que reduzam a incerteza para investidores e investigadores;
- Profissionalização dos gabinetes de transferência de tecnologia com competências em gestão de inovação e marketing tecnológico.
- Capital de risco de proximidade alinhadas com a ciência de early stage, combinando investimento público-privado e tolerância ao fracasso.
Sem estes pilares, os nossos potenciais “Langers” não atravessam o “vale da morte” e permanecem nos laboratórios, em vez de chegarem às prateleiras das farmácias ou às linhas de produção industrial. O caso de Langer mostra que, quando a academia derruba muros e abraça o mercado, a inovação acelera e a sociedade beneficia. A Europa precisa de cultivar esse espírito e transformar ideias em impacto, antes que as próximas grandes invenções, curas ou tecnologias voltem a atravessar o Atlântico para se concretizarem em solo americano.
P.S.: E já que estamos a falar de inovação e empreendedorismos, a Nova SBE acaba de ser classificada em 4.º lugar no Redstone University Startup Index 2025, que nos coloca entre as mais empreendedoras escolas de negócios da Europa, nomeadamente em termos de criação de empresas.
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