Geringonça: Dois anos depois, o pior está para vir?

Até agora, António Costa (parecia) ter apoiado sempre o seu ministro das Finanças. Continuará a ser assim?

A geringonça fez dois anos – durou mais tempo do que eu e muitos esperávamos e parece relativamente unânime que teve mais sucesso do que o esperado. No entanto, tal como o Presidente da República há muito antevia: depois das eleições autárquicas, iniciou-se um novo ciclo. Para a oposição, mas também para o governo.

Começando pelo balanço destes dois anos.

  1. Do ponto de vista político, o balanço é positivo. Este governo aguentou não só o teste de três orçamentos de Estado com umas eleições autárquicas pelo meio. Para além disso, quer o PCP quer o Bloco de Esquerda parecem estar a “aprender” as virtudes do compromisso. De um lado menos positivo, com esta aprendizagem e com um maior pragmatismo, parece ter desaparecido a maior parte do espírito crítico e da “consciência” que estes partidos representavam na Assembleia da República. Ver o PCP e o Bloco a boicotar audições e pedidos de informação referentes aos empréstimos ruinosos da CGD e relativizar a responsabilidade do governo no combate aos fogos deste ano são provavelmente os melhores e mais tristes exemplos desse “pragmatismo”.
  2. E do ponto de vista económico? Aqui o balanço é menos positivo – ainda que não esteja a ser (para já) tão catastrófico como parecia ao início. As metas de Bruxelas têm sido cumpridas e o governo tem conseguido agradar aos mercados – Portugal saiu do Procedimento por Défices Excessivos, saiu do “lixo” e as taxas de juro e os spreads face a outros países do euro continuam a cair. Claro que isto foi conseguido com cortes e impostos como sempre. Ainda que agora estes cortes tenham nomes como rigor e incidam sobre os serviços do Estado e as bombas de gasolina e supermercados substituam o fisco graças ao brutal aumento de alguns impostos indiretos.

No entanto, esta estratégia é menos sustentável do que a que prevalecia desde 2010 (sim, ainda é menos sustentável do que os últimos orçamentos do governo de José Sócrates). Por um lado, é justo reconhecer que que a confiança dos agentes económicos tem vindo a recuperar, em parte graças a famosa “devolução” de rendimentos. Por outras palavras, a economia portuguesa reage melhor a impostos indiretos do que a impostos diretos – algo preconizado por economistas liberais e mais a direita…

Mas, por outro lado, também é claro que grande parte deste ajustamento orçamental vai reverter assim que o ciclo económico reverter ou será pelo menos mais difícil de manter assim que alguns dos fatores exógenos se vão desvanecendo.

Convém sempre lembrar que o programa de governo e a estratégia do governo são até bastante diferentes do plano económico apresentado pelo PS (e coordenado Mário Centeno) antes das eleições de 2015. O que restou e tem vindo a ser implementado acabou por ser uma combinação das promessas dos três partidos. Uma espécie de competição para ver quem e que consegue agradar mais e mais rapidamente aos seus eleitorados.

A pedra de toque, ou o “segredo do plano do PS antes de 2015 era combinar a devolução de rendimentos com alterações no mercado de trabalho, como reduções de TSU e novos tipos de contratos de trabalho, como forma de continuar a melhorar a competitividade externa da economia portuguesa. O programa original de Mário Centeno e de outros economistas combinava aumentos de salários na função pública, aumentos de salário mínimo e redução do IVA da restauração com medidas que não só permitiam reduzir os custos das empresas, mas também continuavam o caminho que vinha a ser seguido desde o programa de ajustamento.

E o que temos tido? Praticamente só as primeiras medidas: aumentos de salários e a mais estúpida das medidas (IVA da restauração) e nada das segundas. Ou seja, depois destes dois anos, Portugal voltou ao mesmo caminho que o levou a crise.

É certo que estes “danos” não são irreparáveis. Ainda que Portugal não esteja a ter um ajustamento estrutural significativo, também não está a enveredar por nenhuma expansão – algo que aconteceu no final dos anos 90 e em grande parte do período anterior a crise. Na prática, está a perder dois anos de ajustamento orçamental estrutural, algo que em bom rigor o anterior governo já tinha feito em 2015.

No entanto, parece que o pior ainda está para vir. A fórmula encontrada para o descongelamento de carreiras da função pública e a solução que parece ter sido encontrada para o braço de ferro com os professores pode ser o início de uma segunda fase da geringonça. Agora, bastante mais prejudicial a médio e longo prazo. Com todos os partidos em contagem decrescente para as eleições legislativas em 2019, com um PCP apostado em demonstrar ao seu eleitorado que este acordo vai valer a pena e com menos restrições externas, quer da Comissão Europeia quer do mercado, Mário Centeno tem cada vez ainda menos margem de manobra para controlar os ímpetos menos responsáveis que surgem não só do PCP e Bloco, mas também de alguns dentro do PS.

E não há melhor exemplo disso do que a recente solução para as reivindicações dos professores. Ao que parece, o próprio primeiro-ministro terá intercedido para chegar a uma solução que garante a progressão dos professores, ainda que parcial, mas com custos principalmente concentrados depois de 2019. E mesmo que isto seja já suficientemente negativo, o facto de ter ocorrido na semana em que Mário Centeno alerta (pela primeira vez) para os riscos que irão surgir no futuro quando as taxas de juro subirem e um dia depois de o mesmo Mário Centeno ter alertado no Parlamento para os custos das reivindicações dos docentes, torna este episódio um alerta ainda mais importante para o futuro.

Até agora, António Costa (parecia) ter apoiado sempre o seu ministro das Finanças, garantindo um equilíbrio que, ainda não sendo o ideal, não punha completamente em causa o equilíbrio orçamental depois de 2019. Continuará a ser assim ou será que a CGTP e o PCP irão ter o mesmo sucesso no futuro quando tentarem reverter as alterações feitas ao código do trabalho em 2012? E será que juízes, policias, magistrados e militares terão a mesma sorte que os professores?

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