Gouveia e Melo e a vitória do ‘apesar de tudo’

Henrique Gouveia e Melo parece uma daquelas equipas que, em janeiro, já tem o campeonato encaminhado, que, desde que não tropece demasiadas vezes, é já um candidato vencedor.

Em 2015, o então comentador Marcelo Rebelo de Sousa apresentou a sua candidatura presidencial em outubro, a apenas três meses das eleições, esperando pelo desfecho das legislativas que se realizaram no início desse mês. Em 2025, se Gouveia e Melo ainda não apresenta os números com que Marcelo ganhou, também é verdade que, em março de 2015, sondagens diziam que Rui Rio poderia ser um candidato mais forte que o popular Marcelo e, mesmo em outubro, a vitória à primeira volta não era certa.

Desta feita, o front runner quis antecipar-se aos demais e anunciar já a tão evidente candidatura. Porquê? Não sei, mas parece-me arriscado que um candidato que vive de algum sebastianismo e cuja visão permanece envolta em incógnita, com parcas fundações políticas, se apresente tão cedo ao país, obrigando a clarificações e entrevistas que não lhe serão benéficas.

Gouveia e Melo parece ter escolhido o pior momento: anúncio no dia antes das legislativas, apresentação e primeira entrevista na semana da formação do governo, tudo isto na véspera de silly season e de umas autárquicas, vitais para todos os partidos, logo após a rentrée partidária. Por um lado, pode precipitar a apresentação — ou a desistência — de outras candidaturas, mais ou menos evidentes, como Seguro, Vitorino ou Sampaio da Nóvoa, que até podem beneficiar desta antecipação por estarem mais afastados do público. Por outro, pode estar a abrir flanco para que um candidato inesperado e forte possa beneficiar de momentum mais para o fim do ano.

Já todos tínhamos percebido que o timing de Marques Mendes tinha sido arruinado pelas legislativas antecipadas, tendo a vaga de fundo sido pouco afirmativa e a partida em falso. Agora, Gouveia e Melo, rodeado de barões de outros PSDs e PPs, atabalhoado na forma da mensagem, parece ter dado algum fôlego ao já aflito ex-líder laranja.

Todavia, a primeira entrevista parece ter sido politicamente eficaz. Conseguiu não transmitir ideia nenhuma nos temas onde não se podia comprometer, passar mensagens fortes onde era importante, como na imigração, na intervenção mediática do Presidente e na corrupção, bem como conseguiu criticar suficientemente o Chega para afastar Ventura, sem antagonizar os seus eleitores.

Dito isto, o problema de faltarem 6 meses é que não vai ser capaz de fugir sempre às perguntas situacionais. Não vai poder dizer uma coisa e o seu contrário, como fez sucessivamente no tema das dissoluções. Vai ter de falar de acordos escritos para governos de segundos lugares, como agirá em casos de orçamentos chumbados ou como, afinal, vai dissolver se as promessas não forem cumpridas. Vai ter de se comprometer, e em alguns momentos, vai ter de desagradar a alguns. Vai enfrentar jornalistas mais exigentes com as respostas ou com perguntas mais incisivas. E, mesmo nesta entrevista tranquila, já se sentiu que, se for ligeiramente mais pressionado, pode fugir ao ensaiado.

Contudo, Henrique Gouveia e Melo parece uma daquelas equipas que, em janeiro, já tem o campeonato encaminhado, que, desde que não tropece demasiadas vezes, é já um candidato vencedor. Se em março próximo tomar posse como Presidente da República, é o candidato apesar e devemos daí tirar ilações. Terá ganho, apesar de ter poucas ideias ou não se comprometer, apesar de quem se rodeou, apesar da inexperiência política, apesar da comunicação social. Se assim for, terá ganho por ser Gouveia e Melo, independentemente da campanha que tiver feito, apesar do que terá significado.

Nesse caso, não ganha pelo cansaço, mas pela esperança que foi capaz de transmitir com a sua imagem. Talvez ganhe por ser do centro, ou apesar de ser do centro, mas, nesta altura, parece indiferente. Talvez a candidatura dele nos diga que os portugueses não guinaram à direita, porque terão sido capazes de eleger o centro. Talvez a candidatura dele nos diga que os portugueses estão a votar na individualidade, mais do que em qualquer outra coisa, na confiança ou esperança que sentem. Apesar de algumas opiniões, ou sem as ter em conta, e essa pode ser a grande mudança a que estamos a assistir.

Para já, não passam de suposições. No entanto, mais uma vez realço: olhemos para França, onde o partido do centro que matou os tradicionais nasceu da iniciativa presidencial.

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