Governação de Riscos Climáticos: Um Novo Paradigma no Setor Segurador

  • Helena Chaves Anjos
  • 20 Fevereiro 2025

Helena Chaves Anjos desenvolve a análise sobre o papel do governação no cumprimento das novas exigências devidas pelo setor segurador às entidades reguladoras.

A consulta pública da EIOPA1 sobre as normas técnicas regulatórias para a gestão de riscos de sustentabilidade surge como uma referência chave na integração dos desafios climáticos no setor segurador. As alterações climáticas, enquanto motor de novos riscos prudenciais, desafiam a estrutura financeira das seguradoras, em especial a sua estratégia de gestão de risco e capital de longo prazo. Este contexto exige uma evolução substancial na forma como os riscos são governados, geridos e reportados, para os vários horizontes temporais.

As normas propostas destacam a necessidade de planos robustos de transição climática, incorporando métricas claras, objetivos concretos e uma abordagem integrada na autoavaliação de riscos e solvência. Este alinhamento é essencial para traduzir riscos ambientais em decisões estratégicas que protejam a sustentabilidade financeira das empresas e, simultaneamente, promovam resiliência económica e ambiental da sociedade.

Questões-chave:

  • Como devem as seguradoras incorporar os riscos de sustentabilidade nas suas avaliações de solvência?
  • Qual a relevância das métricas de risco climático na gestão do risco de capital e solvência a prazo?
  • De que forma estão as seguradoras a adoptar os planos de transição climática no longo prazo?

1. Governação de Riscos: O Ponto de Partida

A proposta da EIOPA coloca a governação no centro da gestão de riscos climáticos. Os conselhos de administração são chamados a adotar uma postura mais ativa, definindo limites de exposição ao risco, metas claras e políticas efetivas que alinhem os interesses estratégicos da empresa com os desafios ambientais. Este novo enquadramento reforça a necessidade de valências específicas e governação, em áreas de economia, finanças e sustentabilidade nos órgãos de decisão, promovendo competências específicas, diálogo interdisciplinar e integração na cultura da empresa de uma gestão estratégica prospetiva, numa era de transição múltipla.

O plano de riscos de sustentabilidade deve estar efetivamente integrado no modelo de negócios da seguradora, considerando os impactos quer de curto quer de longo prazo. A materialização dos riscos climáticos, seja através de eventos físicos ou de transições económicas abruptas, exige que as empresas adotem estratégias que antecipem cenários adversos e garantam a continuidade operacional do negócio para resposta à sociedade.

2. A Estratégia de Gestão de Riscos: Uma Nova Abordagem

A convergência entre a gestão de riscos climáticos e a estratégia corporativa representa um dos principais desenvolvimentos desta proposta. As seguradoras devem incorporar cenários climáticos nas suas avaliações de risco, capital e solvência, utilizando metodologias avançadas para prever impactos potenciais. Este exercício permite identificar vulnerabilidades e simultaneamente criar oportunidades de adaptação a vários cenários e trajetórias.

A integração de riscos climáticos na autoavaliação da posição de risco e solvência (ORSA) é um elemento-chave. O uso de cenários de stress com horizontes de curto, médio e longo prazo torna possível o mapeamento dos impactos económicos potenciais e ajustar as políticas de subscrição e investimento. A exigência de que as seguradoras avaliem pelo menos dois cenários climáticos, um com aumento de temperatura inferior a 2ºC e outro significativamente superior, reforça a necessidade de planeamento estratégico robusto no longo prazo.

3. A Supervisão de Riscos: A Credibilidade dos Planos de Transição

Os planos de sustentabilidade devem ser coerentes com os planos de transição, assegurando que as metodologias e os objetivos estabelecidos sejam consistentes. Esta coerência aumenta a credibilidade junto dos supervisores e investidores, reduzindo igualmente o risco de declarações fraudulentas ou lacunas de implementação de sustentabilidade como Greenwahsing ou Greenhushing, respetivamente, lavagem ou silêncio verde.

As normas propostas destacam a importância de uma abordagem proporcional, permitindo que empresas de menor complexidade adotem soluções simplificadas. No entanto, a sofisticação das metodologias não deve ser uma limitação à atuação. Pelo contrário, é essencial que as empresas avancem de forma pragmática, utilizando ferramentas disponíveis e evoluindo à medida que novas soluções tecnológicas e sustentáveis são desenvolvidas.

Os planos dos riscos de sustentabilidade, delineados pela EIOPA no âmbito da Solvência II, visam abordar os desafios associados à identificação, medição, gestão e monitorização de fatores ambientais, sociais e de governança que afetam a estabilidade financeira das seguradoras. Estes planos desempenham um papel central na integração da sustentabilidade nas práticas de gestão de risco das empresas de seguros e de resseguros, de acordo com os impactos na estratégia dos modelos de negócios, na autoavaliação de riscos e posição de capital e solvência, nos requisitos de governação, requisitos de documentação e informação, e resiliência climática.

4. Desafios e Oportunidades Futuras

Apesar das alterações climáticas apresentarem riscos consideráveis, proporcionam, igualmente, oportunidades significativas para a inovação no setor segurador. O desenvolvimento de novos produtos que promovam a resiliência climática, como seguros para energias renováveis ou soluções de mitigação de riscos de catástrofes naturais, pode representar uma vantagem competitiva determinante.

Por outro lado, a complexidade inerente à gestão de riscos climáticos exige um compromisso contínuo com a melhoria das práticas e ferramentas. A qualidade dos dados, a disponibilidade de cenários credíveis e a necessidade de integrar diferentes dimensões de risco – ambiental, social e de governança – são desafios que requerem colaboração entre empresas, reguladores e outros stakeholders.

A Figura 1 descreve os aspetos da avaliação de riscos de sustentabilidade e planos de transição segundo os Regulatory Technical Standards.

5. Conclusões para uma Governação Sustentável

Destaco a importância de um compromisso ativo do Conselho de Administração na supervisão e gestão dos riscos de sustentabilidade, assegurando a coordenação eficaz entre funções-chave para uma abordagem integrada. Este esforço deve ser complementado por políticas económicas e de gestão de riscos específicas, que promovam a gestão dinâmica dos riscos climáticos, incorporando os fatores por um lado de estabilidade e por outro de sustentabilidade, em particular, nas estratégias de investimento dos ativos e subscrição de riscos.

Nomeadamente, em Portugal, de acordo com conclusões da ASF, janeiro 20252, da avaliação efetuada à integração da temática da sustentabilidade nas empresas de seguros e resseguros sob sua supervisão prudencial. A avaliação realizada produziu um conjunto de conclusões que indicam existir um gap de desenvolvimento entre as várias seguradoras de acordo com estádio de integração nas práticas de governação:

Principais Conclusões da Supervisão de Riscos

  • A integração dos riscos de sustentabilidade nas empresas de seguros está a avançar, mas ainda há áreas que necessitam de desenvolvimento, em particular, nas políticas de subscrição e provisionamento;
  • Grande parte das seguradoras já incorpora riscos climáticos no ORSA, mas com metodologias que exigem refinamento;
  • A ASF tem monitorizado a evolução destas práticas e continuará a promover um diálogo com as empresas, incentivando a adoção de melhores práticas e o cumprimento das exigências regulamentares;
  • A ASF irá reforçar a supervisão, com foco na integração dos riscos de sustentabilidade na governação das seguradoras.

Impacto para a Governação das Seguradoras

  1. Avaliação e Integração de Riscos Climáticos: Incorporar riscos climáticos nas políticas de subscrição e gestão de riscos. A análise de cenários climáticos deve ser integrada nos processos de avaliação de risco, especialmente nos produtos relacionados com seguros Não-vida.
  2. Revisão Regulatória de Sustentabilidade: Manter atualizadas as alterações regulatórias, em particular, no que respeita a novas exigências da supervisão, entre outras entidades reguladoras, no âmbito de maior transparência e relato dos riscos climáticos.
  3. Reforço da Resiliência Organizacional: Investir em tecnologia e inovação para melhorar a modelização preditiva e a adaptação a novos cenários de risco climáticos, nomeadamente, de análise avançada para antecipar impactos futuros e otimizar as estratégias.
  4. Parcerias e Colaborações Estratégicas: Estabelecer parcerias com organizações que promovam a sustentabilidade e a adaptação climática, como centros de investigação, governos e ONGs, para partilhar conhecimentos e soluções conjuntas.

Por fim, a segunda edição do Relatório Anual de Exposição ao Risco Climático, publicada pela ASF a 30 de janeiro de 20253, vem reafirmar, como mencionado aquando da análise da supervisão4, a importância de uma abordagem estruturada à gestão destes riscos, identificando uma correlação relevante entre a maturidade dos desenvolvimentos participados e a integração destes riscos no exercício de autoavaliação de risco e solvência das seguradoras nacionais.

Em conclusão, estes apelos reforçam a necessidade de alinhar a governação e gestão de riscos climáticos, que não seja apenas um reflexo de Compliance, na conformidade do quadro regulatório, mas uma oportunidade estratégica, única e imperdível, para liderar a transição para uma economia mais resiliente. Este é o momento de transformar os desafios em reais oportunidades e preparar o futuro do setor.

1EIOPA, CP, Proposal for Regulatory Technical Standards on management of sustainability risks including sustainability risk plans, Dec-24/Feb-25.
2SF, Comunicado, ASF analisa a integração dos riscos de sustentabilidade na governação das empresas de seguros, 23 janeiro 2025.
3ASF, 2ª Edição do Relatório anual de Exposição ao Risco Climático dos setores Segurador e dos Fundos de Pensões, 30 janeiro 2025.
4Eco seguros A Integração dos Riscos Climáticos na Supervisão – Helena Chaves Anjos, 10 Fevereiro 2025

  • Helena Chaves Anjos
  • Economista e Mestre em Finanças. Especialista em gestão de risco nos seguros

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