
Governar Melhor, Supervisionar com Evidência para Resiliência Futura
Helena Chaves Anjos defende o consolidar de uma supervisão ativa, informada e estratégica e de uma governação mobilizadora de competências, que assuma riscos e projete os seguros para o futuro.
É interessante explorar as intersecções entre as abordagens de governação dos riscos climáticos, no contexto das recomendações recentes da Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões (ASF), e no âmbito das reflexões desenvolvidas de adaptação do setor segurador aos desafios impostos pela transição climática.
Considerando as novas exigências de supervisão e os desenvolvimentos regulatórios, é de destacar a relevância do alinhamento estratégico entre os princípios de governação e as práticas de supervisão de forma a integrar eficazmente os riscos climáticos nas operações diárias do setor. Nomeadamente, de acordo com a visão alargada para os setores financeiros, em especial setor bancário, adotada pelo Banco de Portugal (BdP)1, de 11 de abril de 2025, na sua reflexão sobre a gestão dos riscos climáticos no sistema financeiro.
Uma governação eficaz e uma supervisão tempestiva constituem, como tal, eixos estratégicos inseparáveis no setor segurador e demais setores financeiros. No setor segurador, o mais recente comunicado da Autoridade de Supervisão de Seguros e dos Fundos de Pensões (ASF)2, de 10 de abril de 2025, apresenta uma leitura crítica do funcionamento dos órgãos de administração e das estruturas de apoio nas empresas de seguros e sociedades gestoras de fundos de pensões (SGFP), com base num inquérito realizado em 2023. As conclusões revelam a coexistência paradoxal de dinâmicas interessantes: se por um lado, existe uma crescente perceção dos riscos emergentes; por outro, continuam a persistir fragilidades estruturais que condicionam a eficácia da governação. Esta ambivalência sugere que as empresas de seguros atravessam uma fase de transição, em que se consolidam novas práticas, permanecendo, contudo, áreas de risco institucional que exigem uma abordagem mais estruturada.
Este diagnóstico da ASF vai de encontro às análises temáticas sobre o assunto que têm procurado antecipar e clarificar as tendências de risco no setor. A convergência entre os contributos técnicos e o olhar atento da supervisão confirma os desafios do setor no que respeita à gestão de riscos e à urgência de aprofundar uma abordagem estrutura e integrada, entre a governação e a supervisão de riscos emergentes.
Da Perceção à Implementação: riscos emergentes no centro da governação
As empresas de seguros demonstram, em particular, maior sensibilidade a riscos como a cibersegurança, as alterações climáticas ou a disrupção tecnológica. Esta evolução é positiva e resulta de um esforço coletivo de adaptação às novas exigências regulatórias, mas também da pressão reputacional e de mercado para responder de forma credível aos desafios económicos e financeiros, da sociedade contemporânea.
Os artigos de opinião publicados — sob a governação de riscos climáticos, a resiliência das face a pressões geopolíticas e a supervisão de riscos climáticos e macroeconómicos — reforçam a ideia de que a perceção dos riscos emergentes, por si só, é insuficiente. É necessária uma transição consistente do discurso para a prática. A governação não pode limitar-se à formalização de comités ou à inclusão de tópicos relevantes na agenda. O desafio reside na qualidade da deliberação colegial, na competência e capacidade técnica dos membros do órgão de administração, na articulação eficaz com as funções-chave e na adaptação dos modelos de decisão ao novo paradigma de riscos emergentes.
Fragilidades persistentes: entre a forma e o conteúdo
O comunicado da ASF identifica vários aspetos que merecem atenção. Desde logo, a ausência de autoavaliação dos membros do órgão de administração constitui um défice de cultura de responsabilidade. A morosidade na designação da função autónoma responsável pela conduta de mercado, bem como a existência de comités “não ativos”, revelam um desfasamento entre a arquitetura formal de governação e a sua aplicação na prática e a consequente eficácia de uma supervisão integrada.
De igual modo, a acumulação de funções autónomas e a escassa interação entre o órgão de administração e o atuário responsável apontam para fragilidades na articulação de funções chave e gestão operacional do negócio. A diversidade de competências técnicas dos órgãos de administração, essencial para antecipar e interpretar riscos emergentes — climáticos, tecnológicos ou sociais — continua limitada. Por fim, a ausência de uma abordagem sistemática à incorporação de critérios de estabilidade e sustentabilidade nas decisões colegiais traduz uma lacuna entre o alinhamento estratégico e o compromisso efetivo, nomeadamente, com a sustentabilidade financeira de potenciais planos de transição.
Nesse sentido, estas constatações indicam que, apesar dos avanços verificados, a governação continua vulnerável a zonas cinzas — onde a responsabilização é difusa, a supervisão é reativa e o risco de disfunção sistémica, das empresas de seguros, se mantém elevado, potencialmente nefasto, no contexto de incerteza. Uma observação critica à luz dos acontecimentos recentes e desenvolvimentos em curso imprevisíveis.
Execução de uma supervisão ativa baseada em evidência
Neste contexto, os contributos desenvolvidos ao longo dos artigos técnicos e de opinião defendem uma alteração de paradigma na governação e, igualmente, na supervisão das empresas de seguros, passando de uma abordagem predominantemente formal e institucional para uma supervisão mais ativa e tempestiva, estrategicamente orientada por uma abordagem ao risco e informada por evidência. A criação de instrumentos analíticos mais robustos, capazes de captar a interação entre os fatores climáticos, financeiros, geopolíticos e demográficos, são exemplos referenciados nestes artigos, essenciais para garantir que o setor responde com resiliência e responsabilidade. Ao nível do setor a proposta de uma supervisão ativa implica maior articulação entre a supervisão prudencial e a de conduta, bem como o reforço do diálogo com os órgãos de administração das entidades supervisionadas. A incorporação de competências externas e multidisciplinares nos processos de avaliação — através de painéis técnicos, peritos independentes ou observadores estratégicos — poderá constituir um ganho adicional de qualidade e legitimidade institucional.
Consolidar uma governação para o futuro
O novo questionário anunciado pela ASF para 2025, com vista a aprofundar a monitorização das práticas de governação no setor segurador, oferece uma nova oportunidade para rever e aprofundar, de forma estratégica, os critérios e os indicadores da boa governação. Esta revisão deve integrar dimensões como:
- A capacidade do órgão de administração de gerir e antecipar cenários complexos;
- A qualidade dos mecanismos de decisão de gestão de riscos e controlo interno;
- A articulação entre risco e sustentabilidade na definição de produtos e investimentos;
- A transparência e responsabilização dos processos decisórios e deliberativos;
- A efetividade da supervisão baseada em evidência de dados, modelos e métricas.
Esta abordagem integrada e orientada para o impacto da decisão com foco nos resultados, eficiência, e responsabilidade permitirá alinhar o setor segurador com as melhores práticas europeias e com os desafios de estabilidade de curto prazo e de sustentabilidade de longo prazo. A articulação entre os temas abordados nos artigos de opinião e os diagnósticos da ASF comprova que existe hoje um corpo técnico-institucional que legitima e fundamenta uma transformação estruturada e sustentada. O setor dispõe das ferramentas analíticas, das propostas estratégicas e da vontade institucional para avançar. O desafio mantém-se ao nível da capacidade de execução de forma coerente, determinada e com visão de futuro.
Uma governação robusta, não deve, como tal limitar-se ao imperativo de conformidade regulatória, mas representar uma abordagem efetiva de governo risk-based approach, de acordo com os princípios core do regime económico do setor segurador. Representando, acima de tudo, uma condição de estabilidade financeira e confiança institucional, para proteção eficaz dos clientes e sustentabilidade do negócio a prazo. Os próximos passos devem consolidar uma supervisão ativa, informada e estratégica — e uma governação que mobilize competências, capaz de assumir riscos e de projetar o setor segurador para o futuro. Governar melhor e supervisionar com evidência é, neste contexto, o caminho certo para maior resiliência.
1 Banco de Portugal, 11 abril 2025 – Ultrapassar a Tempestade Perfeita: o papel do Banco Central
2 ASF, 10 de abril de 2025. Análise sobre o funcionamento dos órgãos de administração e comités das ES e SGFP.
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