Governo & Etc.

Em Portugal a política parece um jogo com brinquedos. Brincar, no sentido político nacional, é uma actividade que requer mais tempo e mais paciência do que qualquer outra actividade.

O novo Governo reúne as estrelas do velho Socialismo. O novo Governo está repleto de maiúsculas para governar um país minúsculo. Nos países pequenos, atrasados, obcecados pelo Progresso, os Governos têm de ser grandes para terem grandes resultados e para responderem à pressão das clientelas. O novo Governo é o velho Governo com a maquilhagem para a nova colecção Outono-Inverno. As cores são tristes e repetitivas, mas o centro e a periferia do Governo brilham incandescentes com a personalidade cinza de Costa. Em política é o que se convenciona designar por Culto da Personalidade. Não se pretende atribuir ao Primeiro-Ministro as qualidades políticas de um Lenine, mas tudo gira em torno do pequeno grande homem – no caso de Lenine encontram-se várias cidades derivadas do nome do Revolucionário: Leningrad, Leninsk, Leninogorsk, Leninaul, Leninakan, Leninkend, Leninavan e quatro cidades distintas com o nome de Leninabad. Para quando uma “Costatinopla” em Portugal?

O herói da Social-Democracia na Europa vê-se forçado a continuar com a “renovação na continuidade”, uma solução de Governo que sublinha a “estabilidade” e a política de reposição distributiva de rendimentos e prestações sociais. A grande novidade do Governo é precisamente não apresentar qualquer novidade, como se Portugal fosse um país próspero, economicamente sólido, com um programa de investimento a longo prazo alicerçado numa visão do país em função da nova geometria política e económica da Europa e do Mundo. O novo Governo está constituído e pensado para o curto prazo, para as agendas do Telejornal, sobretudo para as negociações pontuais e avulsas entre os parceiros à Esquerda. O Bloco de Esquerda e o PCP são e serão para este Governo os vigilantes do futuro, aqueles que com uma pequena dose do poder podem influenciar os grandes destinos do poder. São as regras da aritmética parlamentar e democrática.

Observando a orgânica do Governo numa panorâmica aérea registada pela circulação insistente de um drone, este é um Executivo que nasce cansado. Imediatamente vêm os argumentos da “paridade”, mais as agendas da “transição energética”, da “transição digital” e da “integração e migrações”; mais ainda a “inovação”, o “cinema, audiovisuais e media”, a “inclusão de pessoas com deficiência” e a sacrossanta “valorização do interior”. Os títulos e as áreas de governação preenchem todas as configurações do politicamente correcto, esgotam todas as rubricas de uma concepção de política mais própria de um partido de causas do que de um Governo da República. As grandes questões da política nacional e da política internacional ficam para o recato dos gabinetes e para a reserva das negociações com os parceiros de ocasião. Ou então o Executivo governa Portugal com um biombo de LEDs que projecta uma realidade virtual e sempre lisonjeira para o Governo.

A miopia do Executivo acredita no mito urbano que o próprio Governo cria e recria. Na narrativa da nova Social-Democracia, o primeiro-ministro é o génio político que não apenas vira a “página da austeridade” como se apresenta como o grande defensor da “disciplina orçamental” – é a quadratura do círculo na governação Socialista. Nada consta sobre a pressão que as Leis Laborais vão sofrer, nem sobre a Despesa Pública, nem sobre o Investimento Público, nem sobre os salários na Administração Pública, nem sobre o Sistema da Segurança Social. Este é o sistema nervoso central da nova ofensiva da Esquerda sobre a acção do Governo.

O Chefe do Governo afirma e confirma que o Governo é para quatro anos. Uma inanidade política no meio do vazio de políticas e na ausência de um desígnio e de um propósito políticos. Se o BCE deixar de comprar Dívida Pública Portuguesa, se a Guerra de Tarifas ganhar uma dimensão Global, se as vicissitudes do Brexit projectarem uma nuvem negra sobre a Europa, os portugueses não sabem o que esperar do Governo que nasce velho e cansado. Resta a miserável consolação de que o Executivo também não faz a mais remota ideia de uma resposta política em perspectiva e em prospectiva. Há sempre o cenário do paraíso turístico sensorial, uma versão revista e aumentada do “país dos brandos costumes” e do “jardim à beira-mar plantado”. Perguntem aos portugueses se querem viver num jardim.

O Executivo toma posse e o Presidente da República confere a posse. Se solicitado, o Presidente da República daria posse a uma Troupe de Saltimbancos. Em Portugal a política parece um jogo com brinquedos. Brincar, no sentido político nacional, é uma actividade que requer mais tempo e mais paciência do que qualquer outra actividade. Os brinquedos políticos são a coisa mais séria e preciosa do Mundo. O país parece que não é dotado com a energia necessária para a política, para o comércio, para a arte ou para a filosofia. Tudo em Portugal é um brinquedo político, sejam os soldados de chumbo da incompetência, sejam as casas de bonecas decoradas com ilusões, sejam as espadas de madeira que os Governos exibem para defesa dos interesses nacionais. O novo Governo é um teatro de papel. As palavras desta crónica não se sentam na plateia do teatro nem pertencem ao grande jogo dos brinquedos políticos. Disse.

Nota: Por opção própria, o autor não escreve segundo o novo acordo ortográfico

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