Greves de luxo, custos para todos: Portugal precisa de reformar o sindicalismo

Portugal precisa de um sindicalismo do século XXI, representativo, transparente, responsável. E precisa de um Estado que defenda o funcionamento da sociedade acima de pressões corporativas.

As eleições de 18 de maio consolidaram a mudança política iniciada em 2024. A nova vitória da Aliança Democrática (AD) representa uma oportunidade clara para modernizar Portugal, reformar o Estado (parabéns, aliás, pela criação do novo Ministério da Reforma do Estado, bem entregue a Gonçalo Matias — um passo institucional relevante, que será objeto de análise futura), e romper com bloqueios históricos. Mas essa ambição reformista chocou de frente, logo nas primeiras semanas, com a reação corporativa da UGT.

Perante a intenção do Governo de começar a rever aspetos da legislação laboral — desde a lei da greve a outros domínios que há muito exigem revisão, desregulação e liberalização — a UGT respondeu com um ultimato: “É uma linha vermelha. Não aceitaremos alterações.” Convém recordar que esse esforço de modernização laboral teve início — e bem — durante o Governo de Pedro Passos Coelho, com reformas que aproximaram Portugal de economias mais competitivas. Contudo, esse caminho foi amplamente revertido nos anos de governação de António Costa, sob influência direta da agenda sindical e da pressão dos parceiros à esquerda. Essa inversão de ciclo, com custos económicos e institucionais evidentes, merece análise própria — e será objeto de um artigo futuro. O foco deste texto é outro: a urgência de reformar o direito à greve e o papel político das centrais sindicais.

A resposta da UGT é reveladora: uma central que representa apenas uma pequena fração dos trabalhadores do setor privado, composta maioritariamente por setores protegidos como transportes e energia, pretende exercer um poder de veto sobre reformas estruturais com impacto nacional — como se detivesse um mandato popular que manifestamente não tem. Esta mesma UGT é tratada como parceiro preferencial do Governo na concertação social — uma mesa de negociação que se tornou um ritual vazio, onde sindicatos com representatividade limitada se arrogam o direito de travar políticas públicas. A legitimidade destas estruturas para bloquear reformas fundamentais é, no mínimo, altamente questionável.

O episódio seria apenas simbólico se não revelasse uma verdade mais profunda: o sindicalismo português está desfasado da realidade laboral do país. É dominado por estruturas do século passado, politizadas, burocratizadas, e cada vez mais representando os instalados, não os vulneráveis. E quando estas estruturas capturam o debate político e institucional, as consequências fazem-se sentir em todo o país. Foi o que se viu na mais recente paralisação dos maquinistas da CP. Timing político — reta final das eleições legislativas —, impacto nacional, e os mesmos de sempre a sofrer: trabalhadores, famílias, empresas e turistas. Este tipo de greve — protagonizada por grupos com vínculos blindados e força sindical desproporcional — tornou-se uma constante em Portugal. A paralisação não foi apenas mais uma manifestação laboral. Foi uma demonstração de poder de uma minoria organizada que se sabe protegida e impune.

Ora, quem vive com contratos a prazo, quem é jovem a recibos verdes, quem depende do salário do mês — esses não fazem greve. Não podem. O risco é demasiado alto. As greves partem quase sempre dos setores com mais segurança no emprego: professores, maquinistas, técnicos especializados, funcionários públicos. E quem paga o preço? O cidadão comum que não tem alternativa de transporte. A família que não consegue levar os filhos à escola. O trabalhador do setor privado que chega tarde ao turno e perde rendimento.

O problema não é apenas social — é estrutural e económico. Greves em setores estratégicos como transportes, saúde, educação ou energia têm consequências económicas significativas, muitas vezes ignoradas no debate público. Diversas análises internacionais indicam que paralisações prolongadas nestes setores podem custar várias décimas do PIB anual, sobretudo em economias pequenas e abertas como a portuguesa. No caso nacional, isso traduz-se em centenas de milhões de euros perdidos em produtividade, receitas fiscais, turismo e investimento. Os efeitos em cadeia são vastos: pequenas empresas perdem clientela e receita; cadeias logísticas são desorganizadas; compromissos internacionais falham. E a reputação externa do país, essencial para atrair investimento e turismo, degrada-se.

Além disso, em Portugal não existe qualquer exigência legal de avaliar, divulgar ou mitigar os impactos económicos e sociais das greves. Os sindicatos não têm de medir o custo das paralisações que promovem, nem são responsabilizados pelas consequências para terceiros. Ao contrário do que acontece em países como a Alemanha, os Países Baixos ou a Suécia — onde o exercício do direito à greve está sujeito a regras de proporcionalidade, critérios legais exigentes e, em muitos casos, escrutínio judicial — em Portugal opera-se num vazio de responsabilização. Aqui, a greve pode ser convocada mesmo quando outras vias não foram esgotadas, mesmo em setores críticos, e sem qualquer avaliação independente do seu impacto coletivo.

Este ambiente cria um sistema de incentivos perversos, onde minorias organizadas capturam setores-chave e impõem custos à maioria da população ativa. É escandaloso que estruturas com peso sindical marginal se possam arrogar o direito de bloquear reformas com impacto nacional. Pior: fazem-no com o apoio institucional da concertação social, um fórum que se tornou mais um obstáculo político do que um espaço de consenso real.

O atual modelo sindical não falha apenas na sua missão — ele penaliza diretamente o crescimento económico, reduz a produtividade e agrava desigualdades laborais. Ao proteger de forma excessiva quem já está instalado, e ao não representar os mais vulneráveis, o sindicalismo português contribui para manter um mercado dual, fechado e pouco competitivo. Apesar disso, o discurso dominante continua refém de um dogma: a greve como “conquista sagrada de Abril”. Um direito absoluto, imune a contexto, impacto ou proporcionalidade. A esquerda — do PS ao Bloco e ao PCP — continua a romantizar um instrumento que hoje serve mais para preservar privilégios do que para garantir justiça social. Mas em qualquer democracia madura, direitos têm limites quando prejudicam gravemente terceiros. O direito à greve não pode significar o direito de paralisar o país. Quando isso acontece, o Estado tem não só o direito — mas o dever — de intervir.

Assim, a reforma do quadro legal da greve e da atuação sindical é, de facto, urgente. Portugal precisa de um modelo de equilíbrio, proporcionalidade e responsabilidade. As propostas fundamentais são claras:

  1. Serviços mínimos universais e obrigatórios. Setores como saúde, transportes, educação e justiça não podem parar por completo. Os serviços mínimos devem ser automáticos e definidos por lei.
  2. Limitação de greves em períodos críticos. Épocas de exames, turismo, campanhas eleitorais ou situações de emergência devem ser juridicamente protegidas.
  3. Arbitragem prévia obrigatória. No setor público, não pode haver paralisação sem tentativa séria de negociação e mediação independente.
  4. Transparência e responsabilização dos sindicatos. Devem ser obrigados a publicar taxas de adesão, os grupos que efetivamente representam e os custos estimados das greves.
  5. Proteção legal dos trabalhadores não aderentes. Quem decide não fazer greve deve estar protegido contra retaliações ou pressão informal.
  6. Limites à duração e frequência das greves em serviços essenciais. A greve não pode ser usada como instrumento de bloqueio recorrente. A democracia exige equilíbrio.

Note-se: estas reformas não anulam o direito à greve. Pelo contrário — devolvem-lhe a legitimidade, ao integrá-lo num quadro de responsabilidade social e equilíbrio institucional. Num país onde a esmagadora maioria dos trabalhadores não está sindicalizada, é inaceitável que uma minoria protegida capture o interesse coletivo com impunidade. A atual arquitetura sindical protege grupos instalados à custa do funcionamento da economia e do bem comum.

Portugal precisa de um sindicalismo do século XXI — representativo, transparente, responsável. E precisa, acima de tudo, de um Estado que defenda o funcionamento da sociedade acima de pressões corporativas. É tempo de pôr fim à chantagem. É tempo de libertar Portugal.

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