Há falta de liberdade em Portugal

A democracia depende de haver liberdade e de uma liberdade que exista em todas as dimensões da sociedade. Os últimos anos confirmaram a liberdade na educação em Portugal é muito limitada.

“Um sistema geral de educação estatal é um mero artifício para moldar as pessoas, a fim de que se tornem todas em iguais: e o molde utilizado é aquele que agrada ao poder predominante no governo … se eficiente e bem sucedido, este sistema estabelece um despotismo sobre a mente”.

On Liberty, John Stuart Mill

Este artigo tem de começar com esta citação porque ela traduz o que se passa em Portugal. Uma tentativa de usar o sistema educativo público para impor um despotismo igualitário, similar ao que durante décadas oprimiu as populações nos países socialistas.

Formalmente, continuamos em liberdade e em democracia, com eleições em que todos os partidos podem concorrer, apesar de alguns já terem afirmado que vão tentar ilegalizar outros e desconsiderar os seus votantes. As eleições, quando livres, têm a vantagem de permitir substituir o governo.

Mas a liberdade e a democracia não são só o voto. A democracia depende de haver liberdade e de uma liberdade que exista em todas as dimensões da sociedade. A educação é uma dessas dimensões, e uma das mais relevantes pelo conhecimento e pelos valores e ideias que transmite de geração em geração.

Os últimos anos confirmaram que não só a liberdade na educação em Portugal já era muito limitada, como essa liberdade foi ainda reduzida. O cancelamento dos contratos de associação com escolas privadas feito pelo actual ministro da educação pôs em causa instituições de ensino com uma longa tradição e de reconhecido serviço prestado à comunidade, como o colégio da Imaculada Conceição, e prejudicou milhares de alunos. Este é apenas um exemplo da ideologia destruidora que preside à política de educação em Portugal.

Outros exemplos da falta de liberdade foram-se sucedendo como a proibição de livros com capa azul e rosa, a irresponsabilidade pedagógica pela contradição entre a pseudo-linguagem de “género” que se ensina em “Cidadania e desenvolvimento” e o conhecimento científico que se aprende em Biologia, a propaganda de políticos radicais nas escolas, o fim de exames e de provas de avaliação para que não haja responsabilização ou a contínua desvalorização dos bons docentes pela ausência de incentivos e pelo igualitarismo nos salários.

Grave também foi o desinvestimento público na educação em nome de uma política “alternativa à austeridade”. Numa altura em que o acesso a computadores e à internet de banda larga são mais importantes do que nunca, veio ao de cima a irresponsabilidade orçamental deste governo, que preferiu cortar nos equipamentos de saúde e de educação para “alimentar” os salários da sua clientela eleitoral no Estado.

Tudo isto resultou na redução do acesso a computadores e a internet de banda larga causada pelo primeiro-ministro da propaganda “digital” (em 2014 havia uma média de 1 computador para 2,9 alunos na escola pública e em 2019 o valor era de 1 para quase 5 alunos, sendo que os equipamentos estavam envelhecidos pois muitos eram os mesmos que já existiam em 2014), no aumento do insucesso escolar, na inflação de notas de acesso ao ensino superior sem ligação aos conhecimentos adquiridos pelos alunos ou na degradação dos resultados dos alunos portugueses nos testes internacionais em comparação com os de outros países.

O assalto à liberdade atingiu o seu cúmulo agora, quando primeiro-ministro e ministro da educação colocaram os alunos em casa sem fazer nada e proibiram aulas “on-line”, abusando ilegalmente do poder atribuído sob o estado de emergência e da subserviência de colégios privado.

Às famílias o que é das famílias

A educação e a transmissão de conhecimento funcionam quando um conjunto de valores e padrões morais comuns são aceites na sociedade. Mas estes valores também podem ser perigosos se manipulados. A centralização do ensino numa única autoridade pública abre a porta a todo o tipo de abusos pela possibilidade que dá ao controlo do conhecimento que os jovens adquirem e pela secundarização do papel das famílias.

Para além disso, a educação e a pedagogia não são problemas científicos que possam ser resolvidos por critérios objectivos e testes de validação. Não existe uma ciência da educação, ao contrário do que muita gente pensa influenciada pelo nome de cursos que se popularizaram.

A educação é constituída por problemas que assentam em valores para cuja resolução contribui, acima de tudo, um juízo acertado baseado no bom senso das pessoas, e em que os que revelam maior bom senso em outras ocasiões acabam por ser os que estão mais talhados para resolver estas questões.

Isto ajuda a perceber que a imposição de teorias e de técnicas pedagógicas é totalmente desadequada porque se baseiam em conhecimentos muito limitados sobre os processos de aprendizagem e as diferentes capacidades de estudantes e professores, e em conceitos de algumas ciências como a Psicologia cuja exactidão é muito fraca pois depende do limitado conhecimento que o ser humano tem sobre o funcionamento do cérebro.

Toda esta ignorância deveria levar o governo e o ministro a ser humildes e a promover o papel central das famílias na educação dos filhos. A função de um ministro é servir as famílias que são a base da sociedade, não é servir-se a si próprio do poder de que temporariamente dispõe. A função de um ministro num país livre não pode ser abusar do aparelho do Estado para inculcar ideologias e vergar as famílias, quanto mais não seja porque isso é inconstitucional mas, acima de tudo, porque o Estado tem de ser subsidiário à sociedade.

Além disso, é altamente duvidoso que o controlo centralizado das condições de educação dos alunos leve a um resultado superior ao do seu livre desenvolvimento. Além de ser duvidoso, é muito mais perigoso. Quando o Estado não tem limites a consequência é uma efectiva limitação da liberdade das pessoas, e em Portugal esse ataque à liberdade já dura há décadas.

Mas o governo, o primeiro-ministro e o ministro da educação promovem exactamente o oposto. Esta arrogância torna-se ainda mais perigosa quando o titular do ministério, o Sr. Tiago Brandão Rodrigues, é um radical que condiciona a política da educação aos seus preconceitos ideológicos e tem para isso o apoio do primeiro-ministro.

A política igualitária de educação que este governo está a implementar nega a ideia de que uma condição de progresso é “a limitação do poder em função da capacidade e da virtude dos governantes”, que neste caso são reduzidas, para impor uma crença utópica na capacidade do homem governar os outros e que, por isso, “não se devem impor quaisquer limites ao Estado”.

A lógica do primeiro-ministro e do ministro da educação não se baseia em conseguir mais oportunidades para todos, ajustando-as às capacidades de cada um, mas sem serem necessariamente iguais. Baseia-se em usar a educação estatal para impor o igualitarismo radical. Repare-se que não é para fins de justiça, pois a igualdade é frequentemente sinónimo de injustiça. O grande objectivo desta política educativa é igualar tudo, igualar as perspectivas de todos sob a ilusão de que visa a promoção da igualdade de oportunidades.

A pressão igualitária para que haja uma redução da diversidade educativa de forma a concentrar a educação nas mãos de uma entidade centralizada conta com o apoio de vários grupos de interesse, sendo o mais importante o Sindicato dos professores, que tem a sua representação concentrada no ensino público e cujas ambições ideológicas de controlo total da educação coincidem com as do governo. Burocratas e sindicatos servem-se do argumento de que os pais não querem saber da educação dos filhos para aumentar o seu poder.

O controlo pelo governo da grande maioria das escolas leva à imposição de teorias por um grupo específico que acha ser detentor da verdade universal. É com esse objectivo que o ministro da educação tenta manipular a disciplina “Cidadania e desenvolvimento” para impor no cérebro das crianças uma pseudo-linguagem de “género”.

A autoridade estatal que centraliza o ensino e o utiliza para fins igualitários está ainda a tentar impor uma visão “facilitista” do ensino superior e dos requisitos para o alcançar, inflacionando notas no secundário e indicando que todos merecem o que alcançam. A consequência é a menor tolerância para com os menos dotados que se reflecte no enorme prémio salarial recebido pelos licenciados, comprovando que a igualdade resulta em injustiça.

Toda esta “arrogância” da burocratização reforçou a centralização do sistema educativo a nível nacional com regras como a impossibilidade de escolha da escola, que apenas visam retirar aos pais o controlo sobre a educação dos filhos. Esta fragilização das famílias é feita em benefício dos grupos de interesse organizados na educação que promovem a propaganda igualitária transmitida através do ensino e que são quem na prática detêm o poder.

Claro que quem tem dinheiro pode escolher, e por isso os governantes socialistas na área da educação colocam os filhos em colégios privados enquanto defendem o sistema público, mais uma prova de que a igualdade pode ser fonte de injustiça. Mas a grande maioria da população tem de sujeitar os seus filhos ao ensino que a sorte lhe reservar na sua área de residência. “Não gostam? Que azar, mas a educação é obrigatória por lei!”, diriam o ministro e o delegado sindical em uníssono e com um sorriso cínico nos lábios.

O resultado da política educativa deste governo foi o reforço da chantagem dos grupos organizados, de professores burocratas instalados no ministério e de sindicatos, que põem os seus interesses próprios, o poder de controlar a educação e de impor as suas teorias, à frente dos interesses dos destinatários da educação, as famílias. Os professores burocratas e os sindicalistas também são pais, mas em nome de uma ideologia contrária à liberdade sacrificam o seu controlo sobre a educação dos filhos para obter o controlo sobre todo o sistema.

A consequência está à vista de todos: a degradação da educação e o desperdício de recursos. Foi a falta de cultura e de entendimento do que é a liberdade, e governantes sem preparação e convencidos da sua superioridade moral que, auxiliados pelo fundamentalismo ideológico no ministério e no Parlamento, levaram a esta degradação.

Tudo somado, há fortes razões para concluir que a centralização do poder educativo nas mãos de grupos de interesse ideologicamente motivados e o afastamento dos pais prejudicam o desenvolvimento da sociedade portuguesa e explicam o paradoxo de que o esforço feito nas últimas décadas nesta área surja associado à estagnação de Portugal.

Descentralizar e diversificar

Para mudar a educação em Portugal e ultrapassar a estagnação em que o país se encontra é necessário um novo objectivo e duas reformas profundas.

O novo objectivo deve ser uma educação justa em que o ensino seja adequado às capacidades e às preferências de cada um, de forma a aumentar as oportunidades de todos. A evidência empírica confirma que a estabilidade familiar e pais com formação facilitam a educação formal, mas o acesso a estas condições é condição do acaso e está para além da política educativa.

O gosto pelo conhecimento, o esforço e o mérito têm muito mais importância do que as condições à nascença no desenvolvimento de uma vida profissional e pessoal digna, e por isso deve ser este o alvo da educação. O objectivo deve ser a justiça no acesso ao ensino e não a ideologia igualitária e desincentivadora do actual governo.

  • A primeira reforma necessária é uma maior variedade de ofertas educativas que evite a dependência de uma entidade central. Esta é uma condição para que haja liberdade porque a educação exerce muita influência sobre os indivíduos e o perigo da concentração do poder é uma razão suficiente para recusar o controlo único.
  • A segunda reforma é dar a todos os pais maior controlo sobre o ensino dos filhos, um controlo similar ao que possuem aqueles que têm mais recursos para escolher. A existência de diversidade e de possibilidade de escolha é fundamental numa educação que prepare os estudantes para um mundo em constante mudança, onde o conhecimento, esforço e o mérito têm um lugar central.

Para isso é necessário começar por descentralizar os serviços para um nível local, próximo das comunidades que são as mais interessadas na educação dos seus filhos. Quanto menor a população abrangida e quanto mais descentralizado estiver o sistema educativo, maior é o controlo e a capacidade da escolha das famílias. Esta subsidiariedade é um princípio constitucional que actualmente não é aplicado no ensino.

Depois, é necessário garantir o pluralismo das ofertas educativas e a possibilidade de todos a elas terem acesso. O pluralismo consegue-se pela promoção de escolas para todos, independentemente de serem promovidas pelo Estado ou por grupos privados que cumpram os requisitos estabelecidos por uma agência reguladora. Essa agência tem de ser independente do ministério da educação e do governo para não burocratizar a acreditação e não favorecer o ensino público, tendo a responsabilidade de certificar todas as escolas para poderem receber dinheiro dos contribuintes relativo à inscrição de alunos.

A seguir, a garantia da possibilidade de escolha passa por uma reafectação dos recursos que são aplicados na educação. Em 2019, cada aluno do ensino público básico ou secundário custou 4 mil € aos contribuintes portugueses. Considerando 10 meses de funcionamento das escolas, este valor corresponde a uma mensalidade de 400 € que é superior ao que cobram a maioria das escolas privadas.

Desta forma, um aluno que esteja no privado poupa 4 mil euros ao Estado e uma parte desse valor pode ser devolvido aos pais para ajudar a pagar o local de ensino que escolherem para os seus filhos, seja público ou privado, desde que a escola esteja acreditada. Claro que os requisitos têm de ser aplicados da mesma forma às escolas privadas e públicas e que ambas cobrariam uma propina pelos serviços prestados. Só desta forma é possível que sejam os pais a escolher a escola dos seus filhos.

A esquerda tenta enganar as populações citando a Constituição que diz que o ensino deve ser tendencialmente gratuito, e por isso não há lugar a propinas. Mas não só o ensino não é tendencialmente gratuito em Portugal nem em nenhuma parte do Mundo, como a subsidiariedade tem um valor superior, pelo que é o sistema actual que contraria a Constituição. O que a Constituição deveria dizer era que o ensino deve ser tendencialmente pago por impostos, mas não diz isso porque exporia a vacuidade da frase.

As famílias pagam sempre a educação, seja por propinas ou via impostos. A primeira forma é transparente, está de acordo com a subsidiariedade prevista na Constituição, evita duplos pagamentos de quem tem os filhos no privado e dificulta o desvio de dinheiro para outros fins que não o funcionamento das escolas. A segunda forma serve os interesses dos grupos que vivem à sombra do sistema educativo, pois dessa maneira têm possibilidade de desviar dinheiros dos contribuintes para seu benefício em vez de ser para o funcionamento das escolas. Como em tempos disse um investigador, um sistema estatizado e burocratizado, como é a educação em Portugal, funciona como um “buraco negro” que quanto mais recursos suga mais se contrai em termos de serviços prestados.

Esta verdade é negada porque vai enfraquecer os grupos de interesse que dominam a educação em Portugal, professores burocratas e sindicatos. Os burocratas querem manter o sistema porque vêem o seu emprego ameaçado com a redução da necessidade de burocracia e os sindicatos porque veriam a sua capacidade de influência muito limitada. Estes são os grandes responsáveis pelo mau ensino que existe em Portugal e os grandes aliados do governo na luta contra a liberdade educativa.

As reformas têm de ser acompanhadas por maior transparência da informação para permitir que a sociedade acompanhe a evolução do ensino. A “troika” forçou a melhoria das estatísticas da educação em Portugal, mas a falta de transparência mantém-se, por exemplo, pela não publicação de indicadores que relacionem os recursos aplicados e resultados obtidos ou que avaliem a resposta do sistema às necessidades do mercado de trabalho.

Por último, note-se que estas reformas não implicam que o Estado deixe de ser relevante nas políticas de educação, como habitualmente argumentam os grupos de interesse e os seus apoiantes. Entre outras coisas, o Estado deve manter um papel de coordenação para garantir um padrão mínimo e assegurar a existência de escolas públicas em locais mais isolados onde não houver fornecimento privado, garantindo a universalidade do aceso ao ensino obrigatório.

Estas reformas trariam uma tendência para a racionalização das funções estatais e para que as famílias pudessem assumir a liberdade de escolher o melhor para os seus filhos. Com elas, as políticas educativas e os grupos de interesse deixariam de abusar dos contribuintes e o Estado passaria a cumprir a função para o qual foi criado: servir a sociedade.

Nota final: Hoje é um dia triste para Portugal e para os portugueses. Vai ser votada a Lei da Eutanásia pela Assembleia da República. Que Deus nos perdoe.

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