Histórico. Juros a 30 anos da China abaixo dos do Japão

  • Paulo Monteiro Rosa
  • 5 Dezembro 2024

China e Japão estarão a inverter posições nas taxas de juro, mas por razões distintas. A China enfrenta uma desaceleração económica e mantém estímulos, o Japão começa a ajustar a política monetária.

Os rendimentos das obrigações do tesouro de muito longo prazo da China, nomeadamente a 30 anos, desceram pela primeira vez abaixo dos do Japão. Este cruzamento ocorreu no passado dia 12 de novembro, à medida que os investidores apostam numa intensificação da deflação na segunda maior economia do mundo, fenómeno que tem afetado o Japão desde a década de 1990, apenas recentemente interrompido pela inflação impulsionada sobretudo pelos custos energéticos.

A semelhança entre as duas economias torna-se evidente, sobretudo na ascensão e queda do setor imobiliário, um denominador comum em ambos os países, enquanto o envelhecimento da população é mais um ponto em comum. No Japão, os preços dos imóveis ainda não recuperaram os níveis de 1990, enquanto na China o setor enfrenta quedas nos preços, falências de promotores, níveis elevados de endividamento, cidades-fantasma e prédios por concluir, num setor que representa cerca de 20% da economia chinesa.

Paralelamente, as famílias e empresas chinesas retraem o consumo e aumentam a poupança, receando tempos difíceis, um comportamento semelhante ao iniciado no Japão na década de 1990. Enquanto isso, o Estado chinês aumenta o endividamento, ocupando o lugar do setor privado, assumindo o investimento e a dinamização económica, tal como aconteceu no Japão. Em 2023, a população chinesa diminuiu pela primeira vez desde a Grande Fome de 1958-61, situação análoga ao crescente declínio populacional que teve início no Japão em 2010.

Este envelhecimento populacional e a retração no consumo na China têm impulsionado uma procura crescente por obrigações do tesouro chinês, especialmente a muito longo prazo, como a 30 anos. Esta procura tem reduzido gradualmente o rendimento destes títulos, que atingiu 2,14% na última quarta-feira, dia 4 de dezembro. Ao mesmo tempo, Pequim continua a cortar as taxas de juro numa tentativa de suportar uma economia em desaceleração. Por outro lado, os rendimentos das obrigações do governo japonês a 30 anos, que se mantiveram abaixo de 1% durante décadas, superaram os da China, fixando-se em 2,29%, enquanto Tóquio começa o processo de normalização da sua política monetária após anos de deflação.

A questão que se coloca é se esta tendência se manterá. Caso a deflação na China se revele mais crónica do que pontual e a crise no setor imobiliário se agrave, como aconteceu no Japão na década de 1990, é provável que a poupança continue a aumentar e que o Estado assuma um papel cada vez mais relevante, ocupando o lugar do setor privado, enfraquecido por falências, sobretudo no setor imobiliário, e pelos receios das empresas e das famílias quanto ao futuro. Nesse cenário, as décadas de estagnação vividas no Japão poderão tornar-se um reflexo do que pode ocorrer na China. A descida dos rendimentos de longo prazo reflete as fracas expectativas de crescimento económico e de inflação.

As pressões deflacionistas intensificaram-se ao longo do último ano, corroboradas por indicadores económicos frágeis, forçando o governo chinês a implementar pacotes de estímulo cada vez mais robustos, numa tentativa de impulsionar a economia, tal como o Japão fez ao longo das últimas três décadas. A deflação pode já estar profundamente enraizada na economia chinesa, dificultando a sua reversão apenas com políticas orçamentais e monetárias. Sem um aumento significativo do consumo interno e uma procura que absorva o excesso de capacidade produtiva, a China corre o risco de entrar numa espiral deflacionista. Caso isso aconteça, os rendimentos das obrigações de longo prazo poderão continuar a cair, sinalizando fracas expectativas económicas e um futuro marcado por uma estagnação prolongada.

No gráfico dos rendimentos a 30 anos, observa-se uma queda consistente na China desde 2017, de níveis acima de 4% para cerca de 2% no final de 2024. Isso reflete políticas monetárias acomodatícias e desaceleração económica, com menores custos de financiamento. No Japão, os rendimentos historicamente baixos, abaixo de 1% até 2021, subiram gradualmente para 2,3%, indicando ajustes na política monetária em resposta a pressões inflacionistas globais, embora o rigoroso controlo da curva de rendimentos (Yield Curve Control, YCC) tenha mantido as taxas de juro baixas por um longo período.

No gráfico dos rendimentos a 2 anos e inflação, na China, os rendimentos são mais sensíveis às mudanças económicas e políticas monetárias, com flutuações significativas ao longo do tempo. Já no Japão, os rendimentos próximos de zero refletem a política YCC do Banco do Japão, que ancorou as taxas independentemente da inflação. Recentemente, o aumento da inflação japonesa desafiou essa política, enquanto na China, a relação entre inflação e rendimentos indica uma maior flexibilidade monetária. As linhas de tendência da inflação ilustram claramente este comportamento, descendente na China, muito semelhante à evolução das taxas de juro, enquanto no Japão, apenas em 2024, a subida das taxas tende a acompanhar a trajetória de alta da inflação.

Em suma, a China e o Japão parecem estar a inverter posições em termos de taxas de juro, mas por razões distintas. Enquanto a China enfrenta uma desaceleração económica e mantém estímulos para sustentar o crescimento, o Japão começa a ajustar a sua política monetária após anos de rendimentos baixos, em resposta à inflação crescente. Na China, a relação entre inflação e taxas de juro é mais clara, com os juros a acompanharem as flutuações económicas. Já no Japão, embora as taxas de juro estejam a aumentar gradualmente, a ligação com a inflação ainda reflete o impacto de uma política monetária anteriormente intervencionista. No entanto, essa postura tende a ser menos expansionista, como se observa na subida dos juros e no esperado abandono gradual do Quantitative Easing (QE), marcando o início da normalização monetária nipónica. Ainda assim, em 2022 e 2023, para atingir os seus objetivos, o Banco do Japão manteve um controlo rigoroso sobre as taxas de juro e os mercados financeiros, resultando num desfasamento entre as taxas de juro e os fundamentos económicos naturais, como o aumento da inflação.

  • Paulo Monteiro Rosa
  • Economista Sénior, Banco Carregosa

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