Indexação e Inflação

Lagarde não tem razão sobre os riscos inflacionistas dos aumentos salariais, mas também não tem razão Costa, pois a prevenção desses riscos exige continuação firme na política do BCE.

A Bélgica e a sua política de indexação salarial à inflação foram exemplos nas recentes críticas de Costa a Lagarde. Não tem razão Lagarde sobre os riscos inflacionistas resultantes de aumentos salariais; mas também não tem razão António Costa, pois a prevenção desses riscos exige a continuação firme na política do BCE que Costa critica.

António Costa, na sua contestação aos apelos de Christine Lagarde à moderação salarial, citou o exemplo da Bélgica onde, não obstante a indexação dos salários a uma medida do custo de vida, a inflação tem tido uma dinâmica semelhante à de Portugal (onde os salários reais caíram mais de 4% em 2022), mas a níveis inferiores.

 

O contra-argumento do primeiro-ministro é razoável.

A Bélgica é um dos poucos países do euro que mantêm a indexação de 100% dos salários à taxa de inflação (do ano anterior). A indexação salarial foi popular em alguns nos países desenvolvidos, designadamente os EUA, nos anos de 1970, mas gradualmente desapareceu do arsenal de possíveis respostas a surtos inflacionistas. Nesses tempos a situação era em muitos aspetos semelhante à atual: inflação alta, desemprego baixo e choques recessivos de oferta (seca na URSS e embargo da OPEP). Crucialmente, porém, – e aqui em acentuado contraste com a atual situação –, a política monetária nos EUA encontrava-se em grande desordem, com o FED adotando uma política de “stop-go”, respondendo às flutuação da opinião pública e dos políticos quanto ao ênfase a dar ao combate à inflação ou ao estímulo ao emprego.

A principal crítica a mecanismos de indexação (formais ou informais) é o de poderem alimentar espirais inflacionistas. Na semana passada chamei a atenção para estas espirais serem produto de um conflito distributivo entre empresas e trabalhadores, cujo resultado depende da força negocial das partes e do grau de desacordo entre ela quanto ao salário real que cada uma das partes almeja. A indexação automática fornece um objetivo partilhado, força à convergência e reduz a intensidade do conflito que alimenta espirais preços-salários. Do ponto de vista do controlo da inflação, o crucial não é tanto a indexação como a firmeza do BCE um manter uma política monetária não acomodatícia. Resumindo: não tem razão Lagarde sobre os riscos inflacionistas resultantes de aumentos salariais que acompanhem a inflação; mas também não tem razão António Costa, pois resguardar a economia desses riscos requer a continuação firme da política de taxas de juro do BCE.

Apontamentos

França. “O espírito de rebelião só pode existir numa sociedade onde uma igualdade teórica esconde grandes desigualdades de facto”. (A. Camus, O homem revoltado).

Imposto escondido. A receita fiscal e contributiva aumentou €11,156mM em 2022. 30% desse aumento resultou da inflação.

O relatório. Alguns argumentam que o emasculado relatório da CPI sobre a TAP não tem importância, pois as pessoas puderam assistir em direto aos trabalhos e, assim, formarem a sua opinião. Discordo! É precisamente por as pessoas terem assistido, que o relatório tem a importância de mais um prego no caixão da credibilidade das instituições da democracia.

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