Inteligência Artificial

Sucintamente, a conclusão de consegui extrair dos artigos na revista F&D sobre o impacto macroeconómico da Inteligência Artificial é que...não se sabe.

Existem acasos felizes. Digladiava-me com a escolha de um tema para a crónica – cansado que estava de escrever e ler sobre a crise política, as eleições, as contas certas, o PRR ou a habitação – quando me caíram na caixa do correio uma série de peças sobre Inteligência Artificial (IA), o seu potencial, os seus riscos e os meios de ambos gerir.

Fico sempre surpreendido que, paralelamente ao deslumbramento com as virtualidades imensas da IA – da saúde, à exploração espacial passando pela educação, justiça, agricultura, cultura ou segurança nacional, sem esquecer o lazer – surjam igualmente fortes preocupações com as suas consequências económicas, sociais, políticas e existências. Preocupações que é insensato denegrir como um ludismo serôdio.

As peças a que aludi são de natureza muito diferente, refletindo nessa diversidade a própria variedade do tema. Uma, o volume de novembro da revista do FMI Finance & Development (F&D), aborda em vários artigos o impacto da IA na produtividade, emprego e desigualdade. A segunda peça – um apropriado in memoriam – é um artigo de Henry Kissinger (com Graham Allison) no número de outubro do Foreign Affairs com o sugestivo título “The path to AI arms control”. Finalmente, o ensaio do filósofo José Gil no Público de domingo sobre a criatividade e a IA. Pano para mangas, portanto, e um tema que não se esgota num artigo nem, talvez, no que me resta viver. Neste momento (talvez seja a minha incapacidade a falar), existem sobretudo interrogações e cenários.

Comecemos pelo filósofo e acabemos na economia. Não tenho a pretensão de ter acompanhado a profundidade da argumentação de Gil. O que julgo ter aprendido é que enquanto a inteligência algorítmica (designação que muitos preferem a artificial) é um processo que continua, prolonga e projeta o (conhecimento) passado no futuro, a genuína criatividade (artística ou científica) humana representa um momento de rutura e de descontinuidade em que o devir retroage para o presente. Um exemplo antigo de 26 séculos dessa descontinuidade, que nada no conhecimento passado permitia inferir, é a intuição de Anaximandro de Mileto de que a Terra é um “calhau” que flutua no céu e que a direção de queda dos graves é determinada pela Terra. Como diria um matemático, a criatividade é um processo càdlàg (“continue à la droite, limit à la gauche”) enquanto que o IA é um processo contínuo (do passado para o futuro e do futuro para o presente).

Kissinger e Allison elencam algumas questões vitais para a segurança global colocadas pela IA: Será que as máquinas com capacidades sobre-humanas ameaçarão a humanidade? Irá a IA minar o monopólio das nações sobre os meios de violência em massa? A IA permitirá que indivíduos ou pequenos grupos produzir vírus capazes de matar numa escala que antes era reservada aos estados? Não obstante as parecenças, os desafios apresentados hoje pela IA não são simplesmente um segundo capítulo da corrida às armas nucleares entre os EUA e A URSS (se bem que a corrida também seja a dois, agora os EUA e a China).

As diferenças são importantes e tornam os desafios causados pela “corrida à IA” muito mais difícil e gerir; o artigo aponta três dessas diferenças:

  1. Enquanto os governos lideraram o desenvolvimento da tecnologia nuclear, são empreendedores e empresas privadas, que estão impulsionando avanços em IA;
  2. As armas nucleares são tangíveis (e portanto passiveis de controlo); enquanto que inteligência artificial é essencialmente conceitual;
  3. A IA avança e propaga-se a uma velocidade que torna negociações demoradas entre as grandes potências (como foram as relativas aos armamentos nucleares) impossíveis. Mas as dificuldades, sugerem Kissinger e Allison, não devem impedir que, paralelamente à regulação nacional da IA, as duas superpotências comecem a dialogar.

As previsões mais exuberantes (tipicamente produzidas por consultoras ou bancos de investimento) indicam que a adoção da IA ​​pode aumentar o crescimento da produtividade de 1,5 pontos percentuais por ano ao longo um período de 10 anos e aumentar o PIB global em 7% (7 biliões (1012) de dólares em produção adicional).

Este otimismo baseia-se na ideia que o progresso tecnológico (incluindo automação) aumenta a produtividade e com ela os salários fazendo que todos (pelo menos em potência) ganhadores líquidos de uma “bolo” muito maior. Devemos, talvez, ser mais prudentes e lembrarmo-nos do que o Nobel Robert Solow dizia a propósito da generalização dos computadores, “podemos ver computadores em todo o lado exceto nas estatísticas da produtividade”.

Sucintamente, a conclusão de consegui extrair dos artigos na revista F&D sobre o impacto macroeconómico da IA é que…não se sabe. Podemos ter um futuro de alto crescimento da produtividade, mas podemos também ter um futuro de baixa produtividade; igualmente, podemos ter um futuro de mais desigualdade na distribuição do rendimento ou um futuro de menor desigualdade.

Diria que a chave é o tipo de progresso tecnológico induzido pela IA: Complementa ou substitui os humanos? Ou, como concluem Daron Acemoglu e Simon Johnson no seu artigo, a questão crítica da nova era da IA é se esta tecnologia acelerará a tendência existente de automação sem a força compensatória da boa criação de empregos ou se, em vez disso, permitirá a introdução de novos empregos tarefas complementares para trabalhadores com diversas competências e com uma vasta gama de habilitações literárias. Quanto a isto, o veredicto ainda não saiu e existe tempo para escolher.

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