Inventemos um New Deal!

A Covid 19 ameaça corroer as últimas fundações da União Europeia e rescrever um novo capítulo depois de 70 anos de história conjunta.

Vamos ter uma recessão global severa. E o que faz a Europa? Diverge, discute e opta por estratégias individuais. O novo Sars Cov -2 é uma catástrofe social e económica que exige um plano europeu coordenado e com um propósito firme: relançar um projeto político que está na iminência do colapso e reinventar um espaço económico que perdeu influência no mundo global. A Covid 19 ameaça corroer as últimas fundações da União Europeia e rescrever um novo capítulo depois de 70 anos de história conjunta.

  1. Vivemos um cataclismo sem paralelo, apenas comparável à retração provocada por uma guerra mundial, mas sem a destruição de infraestruturas nem a perda de milhões de vidas. No resto, em tudo idêntico: sem atividade, temos milhares de empresas a soçobrar. Sem procura, estamos a congelar um setor do turismo que aporta quase 10 por cento do PIB e um quinto das exportações portuguesas. Sem procura nem produção, com parco investimento e queda no comércio internacional, o mundo vai tolher-se primeiro e congelar depois.
  2. A linha de apoio desenhada pelo governo expõe os constrangimentos da economia portuguesa quando comparamos com a dimensão da ajuda em Espanha, Alemanha ou Estados Unidos: um programa de resgate em percentagem do PIB muito inferior face aos parceiros e concorrentes. Mais importante: o governo português conta ultrapassar esta crise desafiando a máxima de Milton Friedman: a única responsabilidade social de uma empresa é gerar lucros! Para os empresários, o que o executivo lhes pede é que substituam o papel da segurança social até Junho, endividando-se para não despedir. Que mantenham os trabalhadores na esperança de recuperar a partir do terceiro trimestre. E que a banca seja solidária, depois de todos os sacrifícios que os portugueses fizeram pelo sistema financeiro.
  3. Aumentar a dívida num tecido empresarial já descapitalizado, formado por milhares de pequenas empresas que há anos vivem alavancadas no crédito é apelar a um grande sentido patriótico, não necessariamente racional. O dinheiro não é dado a fundo perdido. É pago, mesmo com prazos dilatados e juros baixos – que até deviam ser nulos, dado o BCE encaminhá-lo para a banca ao valor negativo de 0.75%. A angústia para cada empresário passa por acertar sobre quanto tempo vai a actividade estar parada. Um trimestre e recupera? Teremos uma segunda onda de contágio e um recuo para novo confinamento? No fundo, endividar-se ainda mais para salvar o negócio ou falir já e recomeçar quando a vida retomar o seu curso, seja daqui a três meses ou em 2021.
  4. Em as Vinhas da Ira, de Steinback – provavelmente, o melhor livro sobre a Grande Depressão – ressalta um episódio próximo do final: uma mãe que perde o filho recém-nascido presta-se a dar o peito a um idoso! E assim, mata-lhe a fome e salva-o da inanição. A imagem resume a solidariedade e o sentido humano mais profundo em tempos de extrema privação. Exatamente tudo ao contrário do que a Europa tem feito, neste que é o maior desafio coletivo da nossa geração e da nossa vivência. Se não houver uma mutualização da dívida, sejam Euro ou Corona Bonds, vamos aumentar a pressão dos juros sobre economias em fadiga que, em simultâneo, se preparam para lidar a maior queda do PIB dos últimos 70 anos. A crise de 2008, nesse aspecto, vai soar a uma mera brisa.
  5. É preciso um New Deal que salve as economias do abismo. E esta é uma oportunidade para o futuro da Europa. Provavelmente, a derradeira. A União Europeia falhou na questão dos refugiados, foi avarenta enquanto a Itália mergulhava no caos, sem nenhum gesto de solidariedade. Foi atabalhoada na reação à crise do contágio, incapaz de determinar uma política comum para a fronteira externa e para as suas fronteiras internas. E volta a divergir numa dívida partilhada: Holanda e Alemanha, sempre os mesmos, acham que não é necessário e encabeçam um rotundo não. Mas se a União Europeia não serve para enfrentar de forma solidária momentos de crise extrema, servirá para quê? Apenas comércio e liberdade na circulação de capitais?
  6. Este é momento histórico para um grande plano de revitalização europeu, virado para o ambiente, as novas tecnologias, os transportes e as novas indústrias, numa transição energética que coloque a Europa num patamar de competitividade que não tem: desde há décadas que não há uma inovação impactante para a vida de todos e que tenha a chancela europeia. Apenas americana ou chinesa, desde o comércio online às aplicações de telemóvel, ao 5 G e a tudo resto. Este é um momento crucial para liderar uma revolução na forma de trabalho e enquadrar um novo modelo de produção. O mundo pós-covid19 vai ser menos global, mais fragmentado e mais nacionalista. Só uma Europa unida e alinhada estrategicamente pode contrariar essa tendência. Que se apresse!
  • Jornalista. Subdiretor de Informação da TVI

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