Investimento direto estrangeiro, multinacionais e crescimento

O desafio que se coloca a Portugal é não só atrair e manter grandes multinacionais, mas também subir na sua cadeia de valor. Exemplos como a Bosch em Braga e Aveiro mostram que isso é possível.

O período prolongado de baixo crescimento e investimento, a baixa produtividade por trabalhador, os elevados níveis de endividamento e uma das mais baixas taxas de poupança tornam o Investimento Direto Estrangeiro (IDE) fundamental para a recuperação sustentável da economia portuguesa.

O crescimento nas últimas décadas do século XX assentou no crescimento dos sectores não transacionáveis. As políticas públicas e de atribuição de crédito favoreceram o crescimento dos sectores não transacionáveis em detrimento dos sectores transacionáveis. A estagnação da economia portuguesa nos anos 2000 deve-se a um bloqueio no seu processo de alteração estrutural, que impede o aumento mais rápido do peso dos sectores transacionáveis. Na década de 90, o mundo começou a mudar mais depressa e os sucessivos governos não compreenderam a natureza dessa mudança e continuaram a fazer política como era habitual.

A revolução das tecnologias da informação e da comunicação transformou profundamente a natureza da globalização – ver, por exemplo, “The Great Convergence”, o último livro de Richard Baldwin, que vai estar no dia 30 de setembro no Encontro anual da Fundação Francisco Manuel dos Santos. As novas tecnologias da informação e comunicação reduziram os custos de circulação de ideias e facilitaram a transferência de tecnologia entre os países. A rapidez e o baixo custo nas comunicações permitiu às grandes empresas multinacionais coordenarem processos logísticos muito complexos e sofisticados à escala global. Países que pareciam condenados a produzir bens de baixa densidade tecnológica passaram a poder ser competitivos na produção de bens com elevado conteúdo tecnológico.

Esta mudança na natureza da globalização gerou oportunidades para os países de rendimento intermédio (como Portugal), que passaram a poder aceder facilmente às tecnologias mais avançadas dos países desenvolvidos. No entanto, apenas alguns países conseguiram aproveitar com vantagem a Nova Globalização das grandes cadeias de valor globais dominadas pelas grandes multinacionais. Infelizmente, Portugal não foi um desses países. Pelo contrário. No século XXI, distanciou-se dos países mais desenvolvidos. Os países do sudoeste asiático foram os mais bem-sucedidos nesse processo de convergência – Coreia do Sul, Taiwan e China.

No início dos anos 90, a vinda da Autoeuropa para Portugal parecia um bom augúrio relativamente à sua integração nas grandes cadeias de valor global que se começavam então a formar. Em torno da Autoeuropa foi criada uma rede de fornecedores que garantiu uma elevada incorporação nacional na produção dos automóveis da fábrica da Volkswagen. A capacitação dessa rede de fornecedores permitiu o desenvolvimento de centenas de empresas que integram hoje grandes cadeias de valor globais.

No entanto, Portugal não voltaria a ter um investimento com um impacto na estrutura da economia igual ao da Autoeuropa. Os governos não compreenderam as oportunidades da revolução tecnológica e a nova globalização podiam criar. Ao contrário, a Nova Globalização era vista como a causa da nossa crise.

Em resultado dessa falta de estratégia, Portugal perdeu competitividade. Tornou-se cada vez mais difícil alcançar vitórias na feroz competição global – em particular com o Leste europeu e com o Sudoeste asiático – na captação de IDE. Assim, tal como sucedia com os recursos internos, também o IDE se direcionou para os sectores não transacionáveis. Em 2016, os sectores não transacionáveis representavam 70% do stock de capital detido por empresas estrangeiras, tendo atingido cerca de 80% em 2011.

Por outro lado, entre 1995 e 2016, a indústria transformadora viu o seu peso no stock de capital detido por empresas estrangeiras diminuir de 35% para 7%. Esta evolução é significativa. É na indústria transformadora que se encontra o maior potencial de transformação da estrutura produtiva e de melhoria das vantagens comparativas da economia. Este resultado reflete a menor atratividade da economia portuguesa decorrente da incerteza em relação às perspetivas macroeconómicas, da ineficiência dos serviços públicos, da elevada tributação ou das disfuncionalidades do mercado de trabalho.

No entanto, surgiram nos últimos anos alguns sinais de alteração na estrutura sectorial da economia portuguesa, destacando-se a dinâmica da indústria transformadora. Os sectores transacionáveis têm vindo a ganhar importância relativamente aos sectores não transacionáveis. Em consequência, o peso das exportações no PIB aumentou significativamente.

As multinacionais têm tido um papel relevante nesta mudança. A Inditex (que tem marcas como a Zara), sedeada na Galiza, tem uma importante rede de fornecedores no Norte de Portugal. Muitas empresas do sector têxtil e do vestuário revolucionaram os seus processos produtivos nos últimos anos, com a colaboração da Inditex. A Inditex muda as suas coleções ao sabor da procura diária nas suas lojas e precisa de fornecedores com rapidez e flexibilidade de resposta aos seus pedidos.

As empresas portuguesas com larga tradição no têxtil e no vestuário implementaram novas tecnologias para responderem em tempo útil, com qualidade e preços competitivos às solicitações da multinacional espanhola. Esta evolução nos processos produtivos estão a capacitar as empresas do têxtil e do vestuário para entrarem noutras cadeias de valor superior.

A Bosch Portugal é outro bom exemplo. As fábricas que detém em Braga e em Aveiro evoluíram de empresas ‘produzem tecnologia’ para empresas que ‘inventam tecnologia’. Esta mudança na natureza da implantação da Bosch em Portugal foi possível graças à estreita colaboração com a Universidade do Minho e a Universidade de Aveiro, no âmbito de investimentos de cerca de 100 milhões de euros em projetos de I&D, envolvendo atualmente 500 engenheiros altamente qualificados. A participação em cadeias de valor globais em atividades como a investigação e desenvolvimento são geradoras de maior valor acrescentado, alteram a natureza do IDE e transformam a economia de forma estrutural.

Assim, o desafio que se coloca a Portugal é não só atrair e manter grandes multinacionais, mas também subir na sua cadeia de valor. Exemplos como a Bosch em Braga e Aveiro mostram que isso é possível. Todavia, é essencial que as universidades estejam na fronteira da produção de conhecimento e na sua aplicação à indústria, ter recursos humanos qualificados e um enquadramento legal e de incentivos governamentais que promovam a deslocação de recursos para os sectores com maior capacidade de transformação da economia.

O IDE é essencial para a economia portuguesa. Os seus efeitos serão tanto mais positivos quanta maior for a capacidade de integração nas grandes cadeias de valor globais que as multinacionais hoje lideram. E isso depende da capacidade que tivermos de alterar as nossas vantagens comparativas de forma a aproveitarmos as oportunidades da Nova Globalização.

Assine o ECO Premium

No momento em que a informação é mais importante do que nunca, apoie o jornalismo independente e rigoroso.

De que forma? Assine o ECO Premium e tenha acesso a notícias exclusivas, à opinião que conta, às reportagens e especiais que mostram o outro lado da história.

Esta assinatura é uma forma de apoiar o ECO e os seus jornalistas. A nossa contrapartida é o jornalismo independente, rigoroso e credível.

Comentários ({{ total }})

Investimento direto estrangeiro, multinacionais e crescimento

Respostas a {{ screenParentAuthor }} ({{ totalReplies }})

{{ noCommentsLabel }}

Ainda ninguém comentou este artigo.

Promova a discussão dando a sua opinião