Investir na bolsa: Banca europeia em queda livre?

  • Luís Gomes
  • 17 Março 2020

Mercados já começaram a percepcionar o descalabro, com o custo do financiamento dos estados mais endividados a subir consideravelmente. Banca terá capacidade para resistir?

No romance Frankenstein, da autoria de Mary Shelley, Victor Frankenstein, um estudante de ciências naturais, constrói um monstro no seu laboratório. Ao longo do romance, o monstro é responsável por assassinar várias pessoas do círculo próximo de Victor Frankenstein.

Jurando vingança, o criador passa a perseguir a criatura, que o leva através de uma longa caçada em direcção ao norte, prosseguindo pelos mares congelados, onde eventualmente são avistados pelo capitão Walton e a sua tripulação. Em determinado momento, o navio onde navegavam os exploradores fica preso no gelo. Victor Frankenstein, já bastante doente, acaba por morrer.

O capitão Walton surpreende a criatura na cabine, no leito da morte de Frankenstein, carpindo o seu criador. Walton diz para a mulher de Victor Frankenstein de que não havia mais o que temer, pois os crimes do monstro tinham terminado com a morte de Victor Frankestein. No final, ela promete a Walton ir ao extremo Norte suicidar-se, trazendo paz aos humanos.

Ao longo de séculos, as características do dinheiro motivaram os banqueiros, na ânsia de lucro e de tornar o sector num cartel, a solicitar aos governos a legalização do sistema de reservas fraccionadas e, posteriormente, a constituição de um Banco Central. A sua criação, é o monstro da nossa história.

Inicialmente, o maestro das regras do sistema de reservas fraccionada e o prestamista de última instância, é agora o monstro plenipotenciário.

  • Pode vetar a nomeação de administradores propostos por uma instituição financeira privada;
  • Impedir, caso assim o entenda, a compra ou a venda de uma participação accionista numa instituição financeira;
  • Impor pesadas sanções, caso considere que determinados comportamentos infringem as infindáveis normas da legislação bancária;
  • Influenciar a legislação imposta à actividade bancária, obrigando-a a possuir um regimento de colaboradores externos e internos, dedicados a produzir uma panóplia infindável de relatórios, a vigiar o trabalho dos demais colaboradores e a responder a todo o tipo de questões, em particular no momento em que está sujeita a inspecções;
  • Determinar o preço do dinheiro, em particular as taxas de juro a que os bancos comerciais se podem financiar junto dele, em alternativa às poupanças dos particulares e empresas ou de outras instituições financeiras;
  • Comprar no mercado secundário activos financeiros, desde obrigações, créditos hipotecários a acções de empresas, por contrapartida da emissão de dinheiro. Com magniloquência, designa este processo de “Relaxação Monetária” ou de “Estímulo Monetário”, no fundo um “coelho da cartola” usado há muitos séculos, podendo singelamente ser apelidado de imprimir dinheiro, algo que qualquer mortal entende.

De crise em crise, geradas por taxas de juro artificialmente baixas e estímulos monetários sem fim, o monstro apresenta-se invariavelmente como o salvador do sistema, aquele prestidigitador que tem sempre poderes para solucionar tudo, desde alterações climáticas a vírus, esquecendo-se que apenas possui uma enorme máquina de imprimir dinheiro.

A crise de 2008 e a posterior crise da dívida soberana europeia vieram por a nu a catástrofe do projecto Euro. Taxas de juro artificialmente baixas tinham permitido uma orgia de crédito e despesa sem fim.

Em Portugal: auto-estradas e estádios; em Espanha: aeroportos e comboios de alta velocidade; na Grécia: Jogo Olímpicos, que iriam fazer regressar a glória do período Helénico!

Como o monstro é insaciável por mais e mais poder, decidiu apresentar-se como o prometido Redentor. Passaria a supervisionar todos os bancos da Zona Euro e a comprar, sem olhar a preço, todas as obrigações soberanas à vista! Um problema de dívida, seria resolvido com mais dívida!

Essa decisão foi anunciada por Mario Draghi, tornando-se famosa a sua afirmação: “tudo o que for preciso para salvar o euro”.

O que aconteceu? Os despesistas foram premiados. As compras do monstro permitiram reduzir expressivamente o custo de financiamento de vários estados europeus, em particular os mais endividados, como Grécia, Itália, Portugal e Espanha, tal como podemos observar na seguinte figura.

Em lugar da tão propalada austeridade, os governos continuaram a sua festa em honra de Baco. A dívida pública em Espanha subiu ao ritmo de 10% ao ano, enquanto o seu PIB a preços correntes apenas 1% ao ano!

Apesar de todo este incremento de dívida, que permitiu o financiamento do enorme aumento de despesa pública, os estados continuaram a massacrar o sector produtivo da economia, com mais e mais impostos; em 2018, atingiu-se em Portugal um novo máximo histórico para a carga fiscal, de 35,4% do PIB, quando em 2010 era apenas de 30,4%!

No final de 2018, a dívida pública em % do PIB era de 181% na Grécia, 135% na Itália, 122% em Portugal e 98% em Espanha.

O monstro incentivou os bancos comerciais a financiar toda esta loucura, em lugar de canalizar crédito para o sector produtivo da economia, caso este o necessitasse. As taxas de juro a 0%, ou mesmo negativas, permitiram aos bancos disfarçar potenciais perdas que estas obrigações no seu balanço podiam implicar, proporcionando-lhes, adicionalmente, ganhos especulativos.

Com a chegada do Coronavírus, o mercado encurtou a distância dos bancos para um período de dificuldades, atendendo que o sector produtivo vai começar a deixar de honrar os seus compromissos, atendendo à drástica desaceleração económica, apesar de todos os programas de estímulos que possam ser entretanto lançados, por maior que sejam.

Assim, a cotação do Banco Santander encontra-se num mínimo histórico, de mais de 20 anos. O seu capital em bolsa vale agora 33,4 mil milhões de Euros (cotação no dia 16-3-2020), representando apenas 2,2% dos seus activos, cerca de 1500 mil milhões de Euros no final de 2019!

A situação mais surpreendente é a do Deutsche Bank, que se encontra num mínimo histórico. A sua cotação no final da sessão de 16 de Março de 2020 era de apenas 4,906 euros por acção, o que significa uma capitalização bolsista de 10,13 mil milhões de Euros, representando apenas 0,7% dos seus activos, que era de 1500 mil milhões de Euros aproximadamente no final de 2019!

Os mercados já começaram a percepcionar este descalabro, com o custo do financiamento dos estados mais endividados a subir consideravelmente.

A título de exemplo, no final da sessão de 16 de Março de 2020, a rendibilidade implícita das obrigações com maturidade a 10 anos emitidas pelo estado português era de 1,026%, quando há dois meses era apenas de 0,14%; o mesmo acontece para Espanha, Itália e Grécia.

Chegados aqui, a questão que agora se coloca é simples e directa: o monstro terá capacidade para assistir ao funeral dos seus criadores, com uma eventual nacionalização, tal como no romance Frankenstein, ou terá capacidade de sacar outro “coelho da cartola”, preparando outro resgate da banca europeia, seja através de um jubileu, seja confiscando os depositantes e obrigacionistas. Qual será?

Nota: O autor escreve ao abrigo do antigo acordo ortográfico.

  • Luís Gomes
  • DIF Broker

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