Jogar à roleta russa com a cabeça dos outros

Nuno Amado juntou-se aos lesados do BES. O Banco de Portugal e o Novo Banco não falam com os credores nem com os bancos concorrentes. Caminham alegremente e levianamente contra uma parede.

A venda do Novo Banco está a ser feita pelo Banco de Portugal, que falhou na supervisão do BES, por um gestor competente que é Sérgio Monteiro, mas que está a trabalhar em part-time, e por um secretário de Estado que percebe tanto de banca como eu de física quântica.

O processo de venda do Novo Banco tem sido uma sucessão de erros, omissões, desleixos e estratégias erradas que podem descambar num cenário que nesta altura é impensável para qualquer pessoa: uma segunda resolução. Se o país ficou pasmado com a primeira, a do BES, ficará aparvalhado com a segunda, a do Novo Banco.

O maior dos erros na operação de venda do Novo Banco foi ter definido o preço depois de ter escolhido o comprador. Só após ter encetado negociações exclusivas com o Lone Star é que o Banco de Portugal decidiu dar aos norte-americanos um grande bónus: o mecanismo de capital contingente.

Este mecanismo permite à Lone Star vender ativos do Novo Banco durante oito anos abaixo do preço a que estão no balanço, e o impacto que essa diferença terá nos capitais do banco será coberto por uma garantia dada pelo Fundo de Resolução, até um máximo de 3,9 mil milhões de euros.

A pergunta que se impõe é a seguinte: se esta condição tivesse sido desvendada à cabeça, não iriam aparecer mais candidatos para comprar o Novo Banco? Por isso é que há dias, os grandes credores estrangeiros do Novo Banco diziam ao ECO que estavam dispostos a “stepping into Lone Star’s shoes on similar terms”.

Quem não estaria? O banco é vendido à Lone Star, mas a conta é dividida por quatro: a Lone Star entra com mil milhões, os obrigacionistas seniores com 500 milhões, os outros bancos do sistema com 3,9 mil milhões e os contribuintes dão uma contragarantia de 3,9 mil milhões. No final, a Lone Star fica com o banco e os outros com um sorriso amarelo.

Isto não é um negócio da China. É pior, é um negócio de Portugal. E quem paga a conta naturalmente refila.

Comecemos pelos contribuintes. Encolhem os ombros e olham com espanto para o que se está a passar.

Os credores seniores refilam mais porque sabem que têm a faca e o queijo na mão. Se a oferta de recompra de dívida a estes investidores que foi feita pelo Novo Banco não tiver sucesso, a venda à Lone Star cai por terra. É caricato que há meses haja um grupo de grandes credores, que detém mais de 30% da dívida, a pedir sem sucesso para ser recebido formalmente pelo Banco de Portugal e pelo Novo Banco. Como se o Banco de Portugal e Carlos Costa tivessem alguma coisa mais importante a fazer do que evitar novamente a resolução de um banco.

Os Pimco e as Blackrock desta vida — que são também grandes compradores de dívida pública portuguesa — nem sequer estão a pedir mundos e fundos. Apenas querem garantir que podem ter acesso aos depósitos ou a um instrumento equivalente que o banco está a oferecer ao retalho para aumentar a atratividade da troca e minimizar as perdas.

O que o Banco de Portugal está a fazer é jogar à roleta russa com a cabeça dos outros. E o resultado está à vista. Na primeira tentativa de recompra de obrigações que aconteceu esta semana, só 28% dos credores aceitaram, um número que coloca um grande ponto de interrogação sobre a venda do Novo Banco. Tendo em conta que os clientes do retalho, sobretudo os emigrantes lesados, têm 43% da dívida, e que terão aderido em massa, os 28% querem dizer que nem todo o retalho está convencido e que os institucionais nem sequer se deram ao trabalho de aparecer nas assembleias gerais. E quando apareceram foi para chumbar a cláusula de arrastamento.

Falando em lesados, esta semana Nuno Amado do BCP juntou-se à lista dos lesados do BES. É outro dos que vai pagar a conta da venda do Novo Banco e como tal também refila. Colocou em tribunal uma ação administrativa contra o Banco de Portugal, enquanto autoridade de resolução, e tem toda a razão no argumento que invoca: “o Fundo de Resolução apenas pode utilizar os recursos financeiros ao seu dispor aquando e para efeitos da aplicação de um instrumento de resolução”. O que o Banco de Portugal está a fazer é uma resolução encapotada do Novo Banco e se calhar o BCP tem razão quando põe o dedo na ferida: O que estão a tentar fazer é forçar a “sobrevivência de um banco que se não mostra comercialmente viável”.

O Banco de Portugal anda há quase três anos a tentar vender o Novo Banco e a cada dia que passa há maior erosão de valor. Chegámos a um ponto em que estamos a pagar à Lone Star, com o nosso dinheiro e com o dinheiro dos outros, para ficar com o banco. Há de haver um ponto crítico em que a venda, nas condições em que está a ser feita e a qualquer custo, deixa de ser uma opção racional.

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