Escândalos no Montepio e na Raríssimas e endogamias…

José Miguel Júdice denuncia no Jornal das 8 da TVI a pressão do governo e do Banco de Portugal para a entrada da SCML no Montepio. E revela as condições impostas por Santana Lopes quando era provedor.

Uma mão lava a outra, ouvi há anos esta plástica expressão, que há dias José Manuel Fernandes usou, mas agora o que me interessa é que um escândalo encobre outros. Vamos então ao encoberto.

O escândalo da Santa Casa do Montepio

Há um ano que ataco a hipótese da SCML enterrar dinheiro dos pobres em bancos para ricos, na semana passada alertei para o escândalo de se prever que no primeiro trimestre a SCML enterre 200 milhões de euros, e também disse que isto começou com Santana Lopes a querer ser banqueiro.

De uma forma muito correta e cordial, Santana Lopes telefonou-me e autorizou-me a relatar aqui do que ele me disse – afinal não queria ser banqueiro – e se o escândalo me parecia grave, agora acho que é mesmo gravíssimo. Em resumo, disse-me:

  • Há um ano, o Governo e o Banco de Portugal pressionaram para que a SCML entrasse no capital do Montepio e Santana Lopes achou que era muito difícil de resistir. Este é o primeiro escândalo que se intuía, mas agora se confirmou. O Governo e o BdP intrometem-se no que deveria ser a gestão autónoma da SCML. Vieira da Silva não fica bem na foto e a ele voltaremos.
  • Santana Lopes não queria concordar, mas não achava que pudesse recusar sem mais conversas. Por isso, definiu uma estratégia em quatro pontos:
  1. Colocou uma condição que achava impossível de concretizar (que o sistema de Misericórdias, que, ao contrário da SCML, não é do Estado, entrasse também no capital). E lembro-me do meu velho amigo Manuel Lemos (presidente da União das Misericórdias) a dar uma entrevista estranha, dizendo que não recusa entrar, mas…
  2. Para o caso de, apesar de tudo, a condição atrás referida se concretizar, estabeleceu um limite máximo de entrada em 60 milhões de euros, metade financiado e metade com capitais próprios – isso era cerca de 10% do ativo liquido da Santa Casa e, por isso, gerível… mas era muito menos do que quem afinal manda na SCML, o Governo, queria.
  3. Mas mesmo para esse caso exigiu que fosse feito um estudo independente e competente para determinar quanto vale o Montepio – e achava que 60 milhões provavelmente daria direito a muito mais de 10% do capital … o que também podia matar o assunto.
  4. Encarregou de tratar de tudo o vice-provedor, que é socialista dos quatro costados (e agora é o Provedor), com isso resguardava-se e poderia sempre no final dizer que não.
  • Há meses, disse aqui que esta loucura só podia ser travada por Santana Lopes – e até disse “ao que isto chegou para se confiar no bom senso de PSL”. Intuí a realidade e, mea culpa, afinal podia confiar-se.
  • Durante meses, ninguém lhe apareceu com nenhum estudo – e este é mais um escândalo, em que o Banco de Portugal fica mal na foto (mas isso já nem é novidade) e o novo Provedor, cujo nome não recordo, também.
  • Salta Santana Lopes para o PSD e deixa de haver o fusível – e agora num instante 200 milhões de euros (33% do ativo líquido da SCML) vão ser enterrados, parece que sem estudos e avaliando o Montepio como se fosse igual ao BPI!

Acredito que o Presidente da República é uma pessoa sensata, mas não sei se pode evitar [o negócio] porque não é o primeiro-ministro. Ao pé disto, que importância tem o escândalo da “Raríssimas”? Muito menos, concordo, mas ainda assim muito grande, e sobretudo por razões que não são as mais evidentes (já de si graves que chegue).

O caso Raríssimas

Não vou repetir o que tantos disseram ou escreveram – de um modo geral estou de acordo – mesmo quando dizem que gambas, viagens por esse mundo de Cristo e BMW topo de gama são ‘peccata minuta’ – serão pecadilhos, e sei que quem é dirigente no Estado não faz em regra diferente -, mas em todo o caso sempre à custa do erário público e retirando aos doentes o que é deles.

Mas para mim, nisso concordo, o essencial está noutro lado, e é o falhanço clamoroso do Estado Português, mais uma vez e sempre que há um problema real. Vejamos então: Sei de fonte segura que em janeiro ou fevereiro deste ano os serviços competentes do Estado foram alertados, sei que (ao contrário do que Vieira da Silva disse esta segunda-feira na Assembleia da Republica) a carta chegou à Segurança Social, mas por artes mágicas desapareceu. E nada foi feito.

Depois vários alertas, foram sendo dados ao Governo (segundo um deputado CDS, em março, a 27 de junho, a 7 e 27 de julho, a 9 de agosto, a 15 e 21 de setembro, (desta vez já por certo como vingança, despeito, raiva ou outras erradas motivações), Vieira da Silva sabia há 6 meses de problemas – todos os alertas caíram em saco roto – quando muito quem mandava ordenou que se fosse investigar … que é nas burocracias meio caminho andado para não se fazer nada.

Por exemplo, lembram-se da professora que em junho disse à sua explicanda o que ia sair no exame nacional? Em início de Julho foi identificada – em 8 de julho os media o revelavam – e só quase seis meses depois avança um processo disciplinar. Faz sentido, pois, assim, tudo fica em águas de bacalhau como convém nesta época de bacalhau com couves.

Seja como for, o que isto prova é que a administração pública falha onde não podia falhar. O caso das Raríssimas é semelhante ao que vimos nos bancos que rebentaram, nas casas e florestas que arderam, nas armas que se roubaram, em tanta coisa que, por vezes, vem à superfície, mas afinal é apenas um afloramento mínimo, um enorme icebergue de desleixo, incompetência, desinteresse e compadrio imoral.

E isto leva-nos à seguinte questão que acho muito importante. Não tenho nada contra o lobby (há mais de 30 anos que defendo que deve ser legalizado e regulado, mas a isso voltarei em breve), mas o que a hoje famosa senhora fazia não era lobby, mas ao menos tentar tráfico de influências. E o PS sai muito mal disto, a começar pelo ministro Vieira da Silva. Tendo sido dirigente da Raríssimas, não podia ter tratado isto com o desleixo, as viagens e a endogamia que deixou pelo menos a pairar.

Por menos do que isto, muito gente se demitiu: lembram-me da Sisa de centenas de euros de António Vitorino, da piada do ministro Borrego, da promessa de bofetadas de João Soares, ou das passeatas para o futebol de uma mão cheia de secretários de Estado? Aí em casa façam o favor de comparar… E com isto passamos ao cantinho das tontices desta semana.

O cantinho das tontices e a endogamia

A endogamia é “o método de acasalamento que consiste na união entre indivíduos aparentados, geneticamente semelhantes” – não é crime, nem é proibido (exceto na espécie humana para o que se criou o tabu, a início religioso, do incesto). Não é proibido, mas é perigoso, que o diga (no Céu para onde vão as espécies extintas) o Tigre da Tasmânia: sequenciado o genoma, provou-se que a falta de diversidade genética foi decisiva para a sua extinção.

Realmente, “a variabilidade genética ocasionada pela disseminação de genes distintos entre os indivíduos da espécie, em termos evolutivos, é bastante favorável, pois aumenta as chances de sobrevivência do grupo e sua perpetuação”. Vem isto a propósito da crescente endogamia no PS e no Governo – todos parecem estar casados uns com os outros, serem pai, tio, irmão ou amigos de décadas de todos. Todos se presumem muito competentes, claro – e a vida política é tão dura que se calhar se não fosse assim, nunca se viam.

É crime? Não. É ilegal? Não. É pior do que isso, é um grande disparate, um prenúncio de extinção da espécie socialista E nós não queremos que isso aconteça, pois não?

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