A democracia é inerentemente frágil, efémera e a maior lesão que nós, democratas, lhe podemos provocar é olhar para ela de forma dogmática, sermos incapazes de articular a sua defesa.

Há precisamente dois anos, lançava uma rubrica no meu podcast ‘A conversar é que a gente se entende’ intitulada ‘Jovens de Abril’, onde, com o objetivo de celebrar o 25 de abril, conversava individualmente com 6 jovens militantes dos seis maiores partidos com assento parlamentar, do PCP ao Chega. Falámos sobre as maiores vitórias de abril, personalidades e datas marcantes deste período e os objetivos que hoje podemos traçar para o futuro da nossa democracia.

No entanto, não foram os temas em si que desencadearam a cólera das redes sociais. Na altura, pela primeira vez, senti a verdadeira ira das redes, tudo porque convidei alguém do Chega. Naquele momento, quando senti o quão alguma esquerda se sente dona moral e política desta data que é de todos nós democratas, percebi na pele como a democracia não pode ser um dogma, tem de ser vivida no quotidiano. Compreendi como as ameaças à sua existência vêm de todos os lados, muitas vezes até dos próprios democratas.

É evidente que os maiores riscos vêm dos extremos. A Europa e a América têm provado o seu veneno e a estratégia é simples: ir corroendo um bocadinho de cada vez. Já não há revoluções, há tomadas eleitorais do poder, destruições paulatinas, instituição por instituição, os checks and balances vão sendo tomados. E ver Ventura recusar dizer que prefere o regime do 25 de abril ao Estado Novo, acredite ou não no que diz, é um terrível augúrio.

Contudo, quando hoje nos debruçamos sobre o perigo que as ameaças nacional-populistas representam para os nossos sistemas políticos, não podemos esquecer como a nossa ação também pode ser uma ameaça. A esquerda que tenta crescer ao colar a direita moderada à extremista está a usar o mesmo medo de que a direita radical abusa para ganhar votos. Não é equiparável, com certeza, mas não sejamos ingénuos ao acreditar que também não vai matando a democracia aos poucos.

Voltando ao meu caso pessoal inicial, o perigo para a democracia não está em convidar alguém do Chega, independentemente do facto de essa pessoa, em particular, ter mais ou menos adesão aos ideais que o cravo vermelho evoca, mas sim no facto de a crítica de muitos ter como pensamento subjacente uma qualquer censura ou não convite. Desenganem-se aqueles que acham que o problema das direitas radicais se resolve com ‘leis da rolha’, ignorando ou chutando para canto as suas preocupações e temas.

Não. Em democracia não há eleitores expurgados, temas tabu ou preocupações irrelevantes. Estes princípios são basilares para qualquer democracia à altura do nome e quando democratas caem no erro de estigmatizar votantes, limitar a discussão de alguns temas ou menosprezar inquietações ou receios das populações acabam a fazer assistências aos populistas. Tornam-se idiotas úteis para aqueles que, na base do ressentimento, de estereótipos, da indignação e do medo, querem derrubar o regime por dentro.

No fim de contas, o maior encanto da democracia é a sua maior fraqueza – o facto de permitir que quem a odeia possa servir-se dos seus meios para a corroer internamente. E o mais fascinante é como apesar disto, apesar de ser palco também para os seus inimigos, tem durado tantos anos, em tantos sítios do mundo.

A democracia é inerentemente frágil, efémera e a maior lesão que nós, democratas, lhe podemos provocar é olhar para ela de forma dogmática, achar que se vende a si mesma, sermos incapazes de articular a sua defesa. Podemos crer ou não, mas alguns, com mais ou menos razão, sentem que pouco ganharam ou estão dispostos a experimentar soluções bafientas porque pensam que esta nada mais tem para lhes dar. É este o maior desígnio dos próximos 50 anos: provar que estão enganados.

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Jovens de Abril

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