
Mais diplomas, mas economia que não acompanha: O paradoxo da produtividade em Portugal
A omissão de um diagnóstico e políticas nos programas políticos dos principais partidos é reveladora de uma visão ainda limitada sobre os fatores que verdadeiramente sustentam o desenvolvimento.
O crescimento económico depende da qualidade das instituições e da quantidade e qualidade dos fatores produtivos, com destaque para o capital e o trabalho. A crónica de hoje foca-se na qualidade do trabalho (o capital humano), quer dos empregadores quer dos empregados, e na especialização económica.
A necessidade de requalificação da população no ativo é transversal a empregadores e empregados, incidindo nas gerações mais antigas – pois as mais jovens já comparam relativamente bem no contexto europeu. Políticas que promovam a requalificação são essenciais para elevar a produtividade laboral do nosso país –, que é das mais baixas a nível europeu, refletindo-se num nível de vida também dos piores –conjugadas com medidas que promovam uma melhoria do perfil de especialização da economia, com destaque para o empreendedorismo qualificado e a reorientação transversal dos investimentos para projetos com maior valor acrescentado e pendor exportador, além da redução da carga fiscal e a sua simplificação para atrair mais investimento estrangeiro estruturante e sofisticado.
A inspiração para o artigo teve como base os dados divulgados pela Pordata a propósito do 1º de maio, apontando para a baixa qualificação dos empregadores nacionais no contexto europeu, que se refletirá numa pior qualidade de gestão e estará associada ao perfil de especialização da nossa economia em atividades de reduzido valor acrescentado, com pouca intensidade em conhecimento e tecnologia, que urge mudar.
O dado mais realçado nos media, mas que já era conhecido, é a incidência do ensino superior ser menor nos empregadores que nos empregados, o que traduzirá um progresso mais rápido das qualificações do que da especialização da economia, ainda muito centrada em atividades poucos sofisticadas, requerendo poucos estudos aos empregadores, mais a cultura de aversão ao risco e as dificuldades de se ser empresário – levando poucas pessoas com estudos superiores a tornarem-se empresárias, sujeitando-se a empregos pouco qualificados (subemprego) ou a emigrar para países com melhores empregos e salários, refletindo perfis de especialização mais avançados.
Infelizmente, não encontro nos programas eleitorais dos principais partidos, respostas decisivas aos problemas aqui identificados, como as que proponho.
1. A qualificação dos empregadores face à UE e à dos empregados enquadrada na nossa especialização
Começo pelos dados da Pordata. A Tabela 1 mostra que Portugal tem a maior proporção a nível europeu de empregadores com nível de qualificação até ao ensino básico (face ao total dos empregadores). A média da União Europeia (UE) é de 16%, enquanto em Portugal temos 42% de empregadores com o menor nível de ensino, um valor que é o mais alto entre os 22 países da UE com dados.
Na Tabela é ainda patente que Portugal tem a 4ª percentagem mais baixa da UE (19ª posição em 22 países com dados) de empregadores com o ensino superior (28%). Trata-se de um valor mais baixo do que o registado nos trabalhadores por conta de outrem (35%), o que foi bastante noticiado, aparentando ser uma novidade, mas trata-se de um facto que já era conhecido, em particular por quem acompanha a informação dos Quadros de Pessoal do Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social.
Fonte: Pordata (cálculos a partir de dados do Eurostat). Notas: são considerados empregadores os trabalhadores por conta própria com empregados; dados incidindo na população dos 15 aos 64 anos países ordenados pela percentagem de empregadores sem escolaridade ou com o ensino básico.
Como ninguém se deu ao trabalho de interpretar e enquadrar estes dados convenientemente, vou procurar fazê-lo aqui de forma pedagógica.
Em primeiro lugar, faço notar que a população portuguesa em geral tem um dos pesos mais elevados de qualificações de nível inferior na UE, o que depois se reflete na população ativa, que abrange tanto os empregadores como os empregados. Segundo informação do Eurostat, em 2023, 47,9% da população portuguesa de 25-74 anos tinha ainda baixos níveis de educação (ISCED 0-2, i.e., até ao nível secundário inferior), sendo, de longe, o maior peso na UE, onde a média foi de 22,9%.
Nessa faixa etária ampla, o peso da população com ensino superior, de 26,6%, é o 24º na UE (i.e., o 4º mais baixo), onde a média é 32,6%. Por outro lado, 41,5% da população jovem de Portugal de 25-34 anos tinha formação superior em 2023, um valor já perto da média da UE (43,1%), embora ainda abaixo da mediana (14ª posição), no 17º lugar. Daqui decorre também que não haverá uma incidência elevada de baixas qualificações nesta faixa etária como sucede na população em geral.
O ponto é demonstrar que o principal problema de baixas qualificações em Portugal não reside nas gerações mais novas, que já comparam bem no contexto europeu, mas nas gerações mais antigas, o que aponta para a necessidade de requalificação das gerações no ativo, tanto trabalhadores como empregadores (de notar que estes são apenas uma pequena proporção da população ativa).
Usei estes dados do Eurostat para o conjunto da população por já estarem calculados, mas uma análise mais precisa, usando informação da população ativa por níveis de qualificação e idade chegaria à mesma conclusão (assim acontecia da última vez que analisei esses dados e trata-se de informação estrutural).
Concluo, portanto, que o elevado peso de baixas qualificações dos empresários portugueses no contexto europeu tem origem nas gerações mais antigas, tal como nos trabalhadores.
Numa outra perspetiva, a elevada incidência de baixas qualificações, incluindo dos empregadores, tem ainda a ver pouca sofisticação da nossa economia (especialização), como mostro a seguir, neste caso focando no peso relativo das qualificações superiores.
A percentagem de empresários com formação superior abaixo da verificada nos trabalhadores patente nos dados da Pordata terá a ver, sobretudo, com o baixo perfil de especialização da economia, que não exigirá empregadores com grandes estudos em muitas atividades, ao mesmo tempo que a qualificação dos trabalhadores tem vindo a aumentar, pois emigram sobretudo os diplomados jovens e os outros tendem a permanecer.
Pensem que muitas atividades que caracterizam a nossa economia, como abrir um restaurante, um bar, uma loja de roupa ou uma atividade de esteticista – o professor Pedro Brinca tem chamado a atenção que Portugal é um dos países da UE com maior peso desta atividade, o que é sintomático –, não exigem estudos superiores, e são apenas alguns exemplos.
Ao mesmo tempo, a percentagem de trabalhadores com ensino superior tem vindo a subir – representando já 34% da população empregada em 2024, segundo o mesmo estudo da Pordata – e tal não tem tido correspondência no grau de sofisticação da economia, pois têm aumentado as situações de sobrequalificação (qualificações acima do exigido pelo posto de trabalho).
Segundo um estudo do Laboratório Colaborativo para o Trabalho, Emprego e Proteção Social (CoLabor) de 2024, “num contexto de aumento de qualificações no mercado de trabalho, a incidência da sobrequalificação, em particular entre os trabalhadores com ensino superior, tem crescido”, estando já perto de um quarto dos diplomados nesta situação, sobretudo mulheres.
“Quanto aos setores de atividade onde a sobrequalificação é mais incidente, as atividades administrativas e os serviços pessoais, de proteção e segurança destacam-se, ao concentrarem 40% dos empregados com ensino superior sobrequalificados. Também o comércio e o setor financeiros apresentam valores elevados para este indicador”, sublinha o CoLabor. Se no setor financeiro os empregadores são certamente qualificados, por exemplo no comércio muitos não serão, olhando para alguns dos casos acima referidos.
O resultado das tendências descritas será um peso global de empregadores com estudos superiores abaixo do observado nos empregados. Para tal contribui ainda a cultura de aversão ao risco e as dificuldades de se ser empresário neste país (desde logo, a elevada burocracia e carga fiscal), levando:
- muitas pessoas com estudos superiores a não serem empresários, sujeitando-se muitas vezes a empregos pouco qualificados (sobrequalificação), como referido;
- ou a emigrar para países com melhores empregos e salários (tal sucede, sobretudo, nos mais jovens, com projetos de vida ainda por definir).
Em vez de promovermos uma cultura de empreendedorismo e geração de riqueza, o que vemos mais frequentemente nos media são notícias e comentários depreciativos das empresas. Precisamos de promover um empreendedorismo qualificado, que passa não apenas pela requalificação dos gestores e empresários atuais menos habilitados, mas também por incentivar as novas gerações a seguirem pela via da criação de empresas e geração de riqueza. Está mais que demonstrado na literatura económica que o empreendedorismo é crucial para a inovação, a produtividade e a elevação do nível de vida.
2. A qualificação dos empregadores e a qualidade da gestão
A forte incidência de baixas qualificações dos empregadores em Portugal estará associada a uma menor qualidade de gestão, possivelmente numa relação de dois sentidos.
Segundo um estudo inserido no Boletim Económico do banco de Portugal de outubro de 2019 (Caixa 4), intitulado “As práticas de gestão em Portugal numa perspetiva internacional”, utilizando dados do World Management Survey, as empresas portuguesas apresentam níveis de qualidade de gestão inferiores à média europeia nas várias áreas (operações, pessoas, objetivos e monitorização), especialmente na gestão de recursos humanos.
Os ganhos potenciais em termos de melhoria na qualidade de gestão centram-se nas empresas de menor dimensão (as diferenças face aos demais países analisados são pequenas nas grandes empresas, com gestão mais profissionalizada), segundo o estudo.
De salientar que não foram inquiridas micro e pequenas empresas, que representam a maioria do tecido empresarial português e assumem um peso maior do que na média europeia, pelo que a margem para melhorias de gestão em Portugal será provavelmente ainda maior.
Nas conclusões do estudo, além do que já foi referido, destaca-se que “é patente uma associação entre a dimensão das empresas e a qualidade de gestão, existindo provavelmente causalidade em ambos os sentidos, ou seja, as empresas melhor geridas tenderão a crescer mais do que as restantes e as empresas maiores disporão de meios que proporcionam a adoção de melhores práticas. (…) A criação de condições para a continuação das tendências de aumento da escolaridade dos gestores e de progressiva separação entre a propriedade e gestão das empresas, em paralelo com o aumento da sua dimensão média, tenderá a favorecer a qualidade da gestão e, consequentemente, a produtividade da economia portuguesa”.
A importância da requalificação dos empregadores e a profissionalização da gestão são, assim, mensagens importantes deste estudo, que já tem alguns anos, mas certamente será ainda atual, tratando-se de matérias com um cariz estruturante. Contudo, seria interessante uma atualização deste estudo.
3. Sumário e Conclusões
A análise aqui apresentada mostra evidencia dois fenómenos estruturais associados e que penalizam o nosso desenvolvimento económico:
- um elevado peso de empregadores e de empregados com baixas qualificações, com origem nas gerações no ativo;
- e uma economia centrada em atividades de baixo valor acrescentado.
Apesar da melhoria das qualificações dos trabalhadores, sobretudo das gerações mais jovens, ela não tem sido acompanhada pelo perfil de especialização da economia (ainda pouco sofisticado), resultando em fenómenos persistentes de sobrequalificação e emigração qualificada.
Estes fenómenos explicarão a menor incidência de diplomados nos empregadores do que nos empregados.
O défice de qualificações entre os empregadores está associado a práticas de gestão menos eficazes, sobretudo nas pequenas e médias empresas, e contribui para níveis de produtividade e de vida abaixo da média europeia. Os desafios identificados exigem respostas estruturadas e articuladas, mas continuam ausentes, na sua maioria, nos programas eleitorais dos principais partidos.
A análise aqui apresentada permite compreender por que motivo a elevação do nível de qualificações, em particular entre os trabalhadores mais jovens, não tem conduzido a um aumento proporcional da produtividade da economia, devido ao desajustamento persistente entre a qualificação da força de trabalho e o perfil de especialização produtiva do país.
Entre as prioridades de política pública identificadas neste artigo, tendo em vista a elevação da produtividade e do nível de vida, destacam-se:
- A requalificação da população ativa, quer empregadores quer empregados;
- A promoção do empreendedorismo qualificado;
- A reorientação (transversal) do investimento para projetos de alto valor acrescentado e exportadores;
- A simplificação e redução da carga fiscal sobre as empresas.
Sem um esforço deliberado para qualificar o tecido empresarial e reorientar a especialização da economia, Portugal continuará preso a uma trajetória de baixo crescimento.
Elevar a produtividade e o nível de vida exige uma estratégia que vá além da formação inicial dos trabalhadores:
- é preciso apostar na aprendizagem ao longo da vida;
- na qualidade da gestão;
- e na valorização do conhecimento como motor da atividade económica.
A omissão de um diagnóstico e políticas apropriadas nos programas políticos dos principais partidos nas eleições legislativas que se aproximam é, em si mesma, reveladora de uma visão ainda limitada sobre os fatores que verdadeiramente sustentam o desenvolvimento.
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