Marcelo, é difícil vencer a natureza profunda
José Miguel Júdice critica, no seu comentário no Jornal das 8 da TVI, a forma "descarada" como Marcelo está a fazer oposição para impedir a maioria absoluta do PS. E elogia Assunção Cristas.
Parecia, pelos últimos tempos, que o Presidente da República mudara. Estava mais contido, menos amiguinho do Governo, menos comentador político, mais seguro de si, mais sereno, ainda que sempre Presidente-Rei e populista-centrista. Eu achava que essa mudança era verdadeira e que tinha três causas:
- Tinha reconhecido que, embora o excesso de exposição lhe tivesse servido, pois permitiu que o seu populismo doce o tornasse muito forte, já estava a exagerar demais, o que seria contraproducente.
- Perdera genuinamente a cabeça com António Costa no fim do verão e quebrara-se a relação de irmãos siameses, talvez para sempre.
- Mas, apesar disso, achava que a sua visão legalista e constitucionalista quanto ao seu poder moderador não lhe permitiria imiscuir-se de forma negativa, como Mário Soares fizera a Cavaco Silva, passando a força de bloqueio ou oposição ao governo.
Gostei de ver essa evolução, que me parecia uma boa atitude, o que lhe permitiria gradualmente passar de Rei a Presidente da República, que é o que Portugal precisa que aconteça. Mas, como sempre com Marcelo, isso era e não era verdade… ao mesmo tempo (quem não se lembra do seu histórico programa, aqui na TVI, sobre a despenalização do aborto?).
As mais recentes informações que o Presidente da República quis fazer circular (e ele afirmou que seria o único porta-voz de Belém…), sobretudo como é habitual em notícias de Ângela Silva do Expresso, mostram a outra face da moeda.
Basicamente, o Presidente continua (e agora de forma descarada, o que me parece institucionalmente grave) a ter como principal objetivo impedir a maioria absoluta do PS, e só tem estado mais calado para dar espaço a que Rui Rio se afirme como líder forte da oposição.
Se Rui Rio não conseguir afirmar-se até ao Verão, o PR vem para a rua, vai fazer presidências abertas, vai tentar desgastar o Governo e ocupar o espaço de líder real da oposição ao Governo.
Erros, pecado e disparate
Esta estratégia comportamental é, em primeiro lugar, um erro grave do Presidente da República: Não lhe compete querer ou não querer que surja uma maioria absoluta de um partido. Compete-lhe preparar-se para cumprir o seu papel institucional. E as suas qualidades chegam e sobram para isso, em qualquer cenário que venha a ocorrer.
Depois, é um erro estúpido para um político: se quer que Rui Rio se afirme como líder da oposição, a pior coisa a fazer é anunciar ‘urbi et orbi’ que ele pode não conseguir. Com amigos destes…
E é também um pecado de orgulho: assustado com o que teme, tenta intervir na História para lhe mudar a direção, como se fosse um Deus ‘ex machina’. A sua cultura e inteligência deviam levá-lo a não deixar crescer a puerilidade típica de um imperador (não aprendendo sequer com o fracasso de Soares na luta para minar Cavaco) que considera que os pobres mortais podem ser manipulados com facilidade.
Finalmente, é um rematado disparate. Para quem queira reduzir a influência da extrema-esquerda sobre o Governo, só há duas soluções: A mais complicada é a maioria absoluta PSD/CDS, a mais evidente é a maioria absoluta do PS e, com isso, não gerar a necessidade de renovação da geringonça. Com esta sua luta, Marcelo vai apenas ajudar a geringonça!
Porquê?
A primeira razão é o seu interesse pessoal. Marcelo não quer correr riscos de falhar uma reeleição triunfal. Por isso, não quer uma vitória do PSD/CDS e não quer uma aliança governamental PS/PSD. Para evitar isso, precisa de minar a força alternativa da oposição ao PS, e de fazer Rio ter de desistir do sonho da coligação à esquerda para se concentrar na oposição ao PS. Não para ganhar, mas para ajudar a tirar a maioria absoluta ao PS.
A segunda razão é o seu interesse pessoal, também. É verdade que se o PS tiver maioria absoluta a sua reeleição está assegurada. Mas o seu segundo mandato será uma maçada e o seu semi-presidencialismo ativo-populista ficará frustrado. Tem medo que, se isso ocorrer, não consiga passar à história como o melhor presidente de Portugal.
A terceira razão é o seu interesse pessoal, ainda. A rutura com António Costa (e desde finais de Setembro que parecem um casal divorciado) é total. Por isso, ver Costa ganhar de modo reforçado será insuportável para ele, pois será interpretado como uma derrota presidencial.
O normal nos políticos é pensarem apenas neles. Infelizmente, Marcelo Rebelo de Sousa, podendo ser diferente, prefere agir como os outros. É pena, mas é a vida.
E nós, os portugueses?
Uma parte do País acha isto tudo normal. Dirão que é o Marcelo de sempre, comentador, “comploteur”, centrado em si próprio. Lembrarão que foi assim que ganhou a presidência há dois anos e que, afinal, não há nisto nada de novo.
Outra parte do País vai achar bem. A relação com ele é totalmente empática, de amor, para não dizer de paixão, e “quem feio ama, bonito lhe parece”. Tudo o que ele faça será apoiado. E como, afinal, gostariam que fosse ele a governar, concordam com tudo o que lhe possa manter poder de intervenção.
Se, apesar de tudo isso, me é permitida uma opinião pessoal, acho que Marcelo é muito melhor do que pensam os primeiros, mas não é o semideus com que sonham os outros.
Admito a minha ingenuidade (se calhar também a amizade me tolda um pouco…). Tendo ele agora atingido o que sempre quis, eu acreditava e desejava que ele tivesse acalmado, como o conquistador inveterado que encontra a mulher com quem se casa e muda de natureza, porque, afinal, era no fundo o que mais desejava.
Infelizmente, estou a convencer-me que a história do escorpião (que no meio do rio pica o boi e acaba a morrer afogado com ele) não é de recusar como hipótese explicativa. É pena que assim seja, dirão os seus verdadeiros amigos? É verdade. A um homem que se aproxima dos 70 anos “nada se recusa”, como disse Mário Sá Carneiro a outro propósito? Claro que sim.
Mas o que mais lamento é que isto me faz lembrar demasiado o famoso “Super-homem” da minha infância: tinha tudo para salvar o mundo e dedicou-se a ajudar velhinhas a atravessar as ruas. Hoje, dir-se-ia que seria recordado pelos milhares de “selfies” com que encheria o Instagram dos portugueses e não por aquilo que realmente a longo prazo é essencial.
E o CDS, no meio disto tudo?
Para começar, o Congresso foi um êxito. Como escreveu João Taborda da Gama, foi a primeira vez que prestou atenção a um congresso do CDS. E os media estão a chegar à mesma conclusão, ampliando tal sucesso.
Depois, o CDS conseguiu dar ao país e este perceber que, por ali, existe ambição, modernidade e juventude. E isto é o futuro, sobretudo se comparado com o poeirento PSD. Como disse alguém, “tenho a certeza que serei primeiro-ministro, só não sei é quando”. E foi.
Finalmente, o CDS é o grande beneficiado da estratégia de Marcelo Rebelo de Sousa e da vontade da burguesia ilustrada em que Costa alcance a maioria absoluta. Isso é de tal modo óbvio que nem vale a pena explicar.
O CDS pode ultrapassar o PSD? Não digo que vá ser fácil, nem que seja provável, mas o tema estar a entrar no debate político já é em si mesmo uma vitória. Em resumo:
- Se Rui Rio não conseguir evitar que Marcelo volte ao protagonismo.
- Se as eleições europeias correrem bem ao CDS.
- Se o eleitorado de direita não exigir as coligações.
- Se o PS tiver maioria absoluta, e sobretudo…
- Se o efeito Lisboa for reproduzível nos meios urbanos onde estão os votos, não é impossível que aconteça.
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