Mas ninguém faz perguntas a Marcelo?
O Presidente terá 80% de popularidade. Mas será ele inatingível? Será que as dúvidas ou críticas que fazemos a Costa, a Rio, a Catarina Martins, não se podem fazer ao Presidente?
Vamos lá a rever os factos:
- O ministro da Defesa demitiu-se, mas só nove dias depois de ter sido acusado (em tribunal) de ser cúmplice de uma operação de encobrimento de um roubo militar. Durante estes nove dias, Marcelo não comentou. Depois da demissão, também não. O que é que Azeredo tinha que Constança Urbano de Sousa não teve? (sabendo nós que o Presidente exigiu a demissão dela).
- O chefe de Estado Maior do Exército demitiu-se, cinco dias depois de Azeredo sair, com uma carta ao Presidente invocando razões pessoais e com outra aos militares invocando… interferências políticas. E o Presidente – que desde o furto de Tancos nada fez para o tirar do lugar – nada disse. E eu pergunto-me: Será mesmo possível que o chefe do Exército se tenha demitido depois de uma reunião com o novo ministro, 16 meses depois do furto de Tancos, sem ter falado antes com o primeiro-ministro e com o Presidente?
- Uma jornalista, diretora da agência Lusa, lembrou (à minha frente, na RTP) que o chefe da Casa Militar do Presidente pediu para sair de Belém precisamente ao mesmo tempo que o chefe de gabinete de Azeredo Lopes pedia para sair do Ministério – sim, o homem acusado de ter sido informado da operação de encobrimento, que foi logo a seguir para adjunto do Chefe de Estado Maior General das Forças Armadas (onde continua em funções). E o Presidente nada diz, ninguém lhe pergunta nada.
- Poucos dias antes de tudo isto, António Costa disparou na Assembleia uma farpa que parecia uma ameaça: “Ainda havemos de saber o que cada um sabia sobre esta história de Tancos”. Há apenas duas semanas, escrevi aqui no ECO que a mera acusação de que Azeredo Lopes foi informado sobre o encobrimento militar da devolução das armas nos obrigava a perguntar várias coisas: se Azeredo, sabendo, comunicou ao primeiro-ministro; se o primeiro-ministro, sabendo, comunicou ao Presidente. Hoje, depois de lembrado pela diretora da agência pública de notícias, gostava de juntar uma pergunta: e o chefe da Casa Militar do Presidente, sabia?
- As demissões das últimas duas semanas eram, como aqui escrevi, inevitáveis. Tendo dúvidas que o novo ministro pudesse, sozinho, mandar o chefe do Exército embora, tenho a certeza de que as demissões não podem fazer esquecer as outras perguntas: e Costa, sabia? E Marcelo? E o Chefe de Estado Maior General das Forças Armadas? Será que o dito memorando, entregue pelos criminosos da PJM ao Ministério, ficou só nas mãos do antigo chefe de gabinete do ministro da Defesa, que não o entregou ao ministro, não o entregou ao Chefe de Estado Maior General das Forças Armadas (CEMGFA) com quem está a trabalhar, não o entregou ao Ministério Público – e só agora decidiu fazer a sua obrigação?
- Cuidado. Tudo isto é tão perigoso que pode pôr em causa o regime (avisei eu aqui, assim que a acusação foi feita, em tribunal). E pode. Mas não sendo assim, também pode ser o contrário. Nas últimas semanas, o Pedro Adão e Silva tem alertado para uma outra hipótese: e se tudo isto tiver sido uma manobra de parte das Forças Armadas para desestabilizar o Governo de esquerda? Vasco Lourenço, o nosso conhecido militar de Abril, já tinha dito o mesmo: e se tudo isto foi um golpe, vindo de dentro das Forças Armadas, para fragilizar a “geringonça”? E se, de repente, as Forças Armadas tiverem regressado a 1975 (“partidarização”, disse Costa na Assembleia há duas semanas), entrando sub-repticiamente na vida política? E agora pergunto eu: se for esse o caso, não estamos também perante um gravíssimo problema de regime?
- Marcelo não é, há mais de três anos, comentador da TVI. É chefe de Estado, para além de comandante supremo das Forças Armadas. E no caso de Tancos pareceu sempre estar mais preocupado em proteger o Governo e as Forças Armadas do que em transmitir ao país um sentimento de que ele estará no lugar para nos garantir uma certa estabilidade.
- Hoje, mais de duas semanas depois de a tal acusação ter sido dirigida ao ministro, acrescentam-se dúvidas às dúvidas que eu já tinha: o Presidente Marcelo sentiu-se confortável com a acusação feita a Azeredo? Achava que ele podia ficar no lugar? Pediu informações para saber se alguém, no Governo, nas Forças Armadas ou mesmo na sua Presidência, teve conhecimento de uma tão grave operação de encobrimento? Ele, que dizia saber que uma acusação estaria por dias, não sabia de nada? E acha razoável que quem não disse o que devia a quem devia (entre políticos e militares) não deve assumir as responsabilidades por isso?
- Falando só na última semana, tenho visto o Presidente da República dizer coisas que seriam inimagináveis em presidentes anteriores.
- No caso da PGR, assumiu para si (e só na última hora) uma tese que nunca lhe tínhamos ouvido, de que um PGR só tem direito a um mandato – dando assim inequívoco apoio à intenção anunciada pelo Governo de substituir Marques Vidal muitos meses antes;
- Nos incêndios, depois do tudo ou nada, veio agora concluir que “se fez tudo, a todos os níveis”, para que não se repetissem as tragédias do ano passado;
- Sobre o Orçamento de Estado (que há 10 meses avisava não poder ser “eleitoralista”), disse agora que se trata de um documento que tem uma “justiça social acrescida”, mas também contém medidas eleitoralistas – “como é inevitável”;
- Sobre a remodelação governamental, elogiou Costa: são sempre “mais eficazes” quando feitas de surpresa e, “quem chega, chega com nova dinâmica e criatividade para dar o seu contributo”;
E face a tudo isto, eu só me pergunto: se fosse Cavaco, o que diriam dele?
Teimoso, ainda me interrogo: só por ter 80% de popularidade, será Marcelo inatingível? Será que as dúvidas ou críticas que fazemos a António Costa, a Rui Rio, a Catarina Martins, não se podem fazer ao Presidente?
Notas soltas da semana
- A paz era podre, no Governo. A remodelação foi bem feita, mas mostrou-nos como Costa deixa os ministros demissionários pendurados durante meses, até encontrar o momento certo para prescindir deles. E fica aquela pergunta: com que força política é que Azeredo, Adalberto, Caldeira Cabral ou Castro Mendes negociaram com Centeno e Costa o último orçamento da legislatura?
- Siza salvo? Será que, mudando de funções, o ministro Siza Vieira tem que apresentar nova declaração de rendimentos? Será que isso o salva da análise do TC sobre os erros na anterior – que o podiam levar à demissão por incompatibilidade?
- O mistério da Energia. Costa diz que muda a Energia para o Ministério do Ambiente para promover uma ação concertada contra as alterações climáticas. Mas no Orçamento põe uma taxa nas energias renováveis. Coitado do João Galamba. Com a verdade nos enganas.
- Coitado do Galamba. A sua entrada no Governo pôs a direita de cabelos em pé. Caso para Galamba perguntar: “O diabo sou eu”?
- A vergonha alheia. A carta de Costa a Fernando Negrão, insinuando coisas que a Justiça não provou sobre um caso que tem 15 anos, é um desrespeito pelo Estado de Direito (para não dizer pessoal).
- Eleitoralismo de rigor? O problema do Orçamento não é tanto o que lá está, são as nuvens à nossa frente.
- Os amigos são para as ocasiões: Medina viu o chumbar a sua taxa para financiar a Proteção Civil. E Costa resolveu-lhe o problema pondo no orçamento uma norma que põe todas as câmaras a implementá-la. Portugal é Lisboa…
- O Interior ganhou uma secretaria de Estado. Ficará em Lisboa, a recolher contributos para o programa eleitoral do PS.
- O Ice Tea vai pagar menos imposto, a Cola Cola não. Mas todos vão pagar menos IVA nos restaurantes. Sweet dreams are made of this.
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