Montenegro Fight Club

Por mais fortes e coesos que sejam os generais de Montenegro, a arena de combate vai ser o Parlamento. E aí as tropas da AD vão estar entre a espada e a parede, tal como vimos na semana passada.

Governo de combate. Foi assim que Hugo Soares, do PSD, e Paulo Núncio, do CDS, se apressaram a classificar no Parlamento a tropa governativa da AD que Luís Montenegro acabara de apresentar em Belém. A necessidade dessa auto-descrição, e com a qual a maioria dos comentadores alinhou, era urgente para um novo Executivo ultra-minoritário (como Alberto João Jardim explicou de forma realista) e que entra na arena de luta imediatamente acossado por diversos adversários e em diversas frentes complexas.

No campo de batalha é sempre crucial o líder ter à sua volta os mais próximos e fiéis. Montenegro rodeou-se desses ao incluir quatro dos seis vice-presidentes do partido na lista.

A experiência também é uma arma essencial no arsenal e o primeiro-ministro indigitado pode contar com ministros com passado governamental para áreas cruciais (como António Leitão Amaro nos Assuntos Parlamentares, Miguel Pinto Luz nas Infraestruturas e Habitação e Pedro Duarte no Conselho de Ministros). Além disso, tem em Joaquim Miranda Sarmento um ministro das Finanças que está há muito a trabalhar os programas económicos do partido.

Há também um toque de Europa no exército de governação, com os convites a três eurodeputados – Paulo Rangel (ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros), Maria da Graça Carvalho (ministra do Ambiente e Energia) e José Manuel Fernandes (Agricultura e Pescas) – para voltarem de Estrasburgo. Numa altura de máxima importância dos fundos europeus para a economia, pode ser uma mais-valia (especialmente acompanhada da experiência de Manuel Castro Almeida na Coesão), embora deixe questões sobre os nomes do PSD para as eleições europeias de junho.

Em muitos combates, a inclusão de forças externas pode fazer a diferença. Não propriamente mercenários, mas aliados no pensamento e nos objetivos, com skills específicos e que podem trazer armas de conhecimento que podem ajudar nos avanços contra os adversários. Aqui destaca-se principalmente Fernando Alexandre na Educação, mas também os casos de Maria do Rosário Palma Ramalho no Trabalho, Rita Júdice na Justiça e Margarida Blasco no MAI. São quatro pastas que vão ser, no mínimo, ‘quentes’, portanto Luís Montenegro corre alguns riscos e vamos ter de esperar para ver os resultados que estes independentes conseguem entregar.

Esta tentativa de equilíbrio está à vista também na orgânica, com uma formação não muito diferente da do anterior Governo, provavelmente nascida da necessidade (dizer opção seria ir longe demais) de implementar o Orçamento do Estado aprovado pelos socialistas.

Montenegro teve claramente de conjugar esta arte da guerra com a arte do possível, num contexto em que provavelmente também recebeu algumas ‘negas’ a convites. No primeiro embate teve algum sucesso, pois a maioria das críticas feitas pelos outros partidos à composição do Governo não acertaram no alvo, pelo menos em pleno.

No meio de alguns elogios tímidos, a Iniciativa Liberal disse que o elenco é grande demais, mas é difícil ver a lógica de apresentar um Governo com menos ministérios, mais apertados e pressionados a apresentar resultados sem sofrer danos. O Chega enveredou pela mesma crítica, previsivelmente usando o chavão das “gorduras do Estado”.

Se uns acharam o Governo demasiado numeroso, outros queriam o contrário. O Bloco disse que “cheira a passado”, mas também criticou a orgânica, com a remoção da autonomização da Ciência, algo que teve eco na reação do Livre, que mostrou ainda desagrado com a junção das pastas das Infraestruturas com a da Habitação e a da Juventude com a da Modernização.

O PS, na voz do deputado Pedro Delgado Alves, foi inicialmente quase críptico, dizendo que o Governo “não dá respostas claras” no que respeita à “estabilidade governativa”, uma ideia solta que não diz muito. Criticou ainda, de forma estranha, os executores escolhidos para um programa que parece errado para os socialistas, como se as melhores escolhas teriam sido as que serviriam para implementar um programa desenhado no Largo do Rato.

No entanto, Delgado Alves deixou o alerta mais acutilante, avisando a AD que não conseguirá governar por decreto, pois não poderá fugir ao Parlamento, por onde passará a maioria das decisões.

E aqui chegamos ao cerne da questão. A lógica das escolhas de Luís Montenegro pode até ter surpreendido pela positiva, mas criar um Executivo equilibrado e coeso é apenas um ponto de partida. Ninguém dúvida que desenhar políticas que sejam à prova de bala e até coloquem os adversários na defensiva é importante no panorama que nasceu das eleições de 10 de março. A grande interrogação é como é que esse Governo, e a sua bancada, conseguirão combater na arena principal desta legislatura, a Assembleia da República.

Mesmo se a formação de Montenegro fizer tudo bem feito, algo que será muito difícil dados os problemas do país e do mundo, irá enfrentar no Parlamento um antigo inimigo ferido (o PS) e um mais recente, o Chega, fortalecido e arruaceiro, e que tem como principal objetivo fazer recuar o Executivo até este desistir ou for derrubado.

As cenas lamentáveis que vimos com a eleição do presidente (e vices) da Assembleia da República provam sem sombra de dúvida que é no hemiciclo que vamos assistir ao principal combate. E aí, por mais forte que sejam os generais de Montenegro, as tropas estão entre a espada e a parede, como ficou evidente na semana passada.

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