“Mulher”: Será um rótulo nas empresas em Portugal?

Ousemos desafiar-nos para que não sejamos vítimas dos nossos preconceitos e ousemos desafiar as nossas organizações e o nosso ecossistema, para que, num futuro próximo, “Mulher” não seja um rótulo.

Sempre achei as mulheres extraordinárias. Cresci, enquanto profissional, rodeada de mulheres e homens que admiro, e que nunca me fizeram sentir que ser mulher me colocava, de alguma forma, um rótulo. De facto, nunca “aprendi” que ser mulher era uma desvantagem.

Durante o começo da minha carreira, conheci e fui inspirada por ‘role models’ femininos: mulheres determinadas, CEO de empresas (como a minha mentora) e CEO de famílias (como a minha mãe); mulheres inteligentes que dão cartas na ciência (e que se tornam consultoras do Presidente da República de Portugal); mulheres promissoras (que começam empresas do zero e entram na lista dos sub-40 do Fórum Económico Mundial); mulheres empáticas (Diretoras de Recursos Humanos de Consultoras ou empresas PSI 20 em Portugal e Gestoras de marcas internacionais); mulheres dinâmicas (engenheiras que escrevem livros e professoras que fazem os seus alunos acreditar que tudo é possível) e mulheres corajosas (que deixam o seu país para revolucionar a investigação do DNA no Canadá).

Fui ainda inspirada por ‘role models’ masculinos: que no que toca a este tema, me demonstraram que ser mulher acrescenta valor, que equipas diversas são mais efetivas e que independentemente do género (e no meu caso, idade), as minhas ideias são válidas e por isso, devo sentir-me confiante para as partilhar e desafiar os modelos atuais. De facto, tive (e tenho) sorte. Contudo, esta está longe de ser a realidade corporativa em Portugal, e no mundo. E é exatamente por esse motivo que hoje, escrevo sobre o que aprendi (e continuo a aprender), para crescer enquanto mulher e profissional sem medo de rótulos.

Escrevo sobre como acredito poder contribuir para organizações mais conscientes sobre os “systemic bias” e como reduzir os mesmos. Deixo-vos por isso, uma reflexão honesta, inspirada no tema da campanha de 2021 do dia da Mulher (#choosetochallenge) e na minha perceção enquanto jovem mulher em início de carreira, para que nunca nos esqueçamos que do desafio nasce a mudança:

1. É urgente educar e aprender.

Li há pouco tempo (a propósito de um estudo realizado no Reino Unido), que cerca de dois terços dos homens acredita que as mulheres têm hoje, iguais oportunidades. Deixem-me trazer-vos alguns dados: se continuarmos a este ritmo, apenas daqui a 99.5 anos viveremos numa sociedade com igualdade de género – o que significa que, se nada for feito, nós nunca chegaremos a viver um mundo em que mulheres e homens têm acesso às mesmas oportunidades, responsabilidades e direitos. Apenas um em cada quatro gestores (considerando todos os setores) são mulheres (relembro que as mulheres representam mais de metade da população mundial).

Compreendo que o mundo atual, completamente polarizado, possa ter acrescentado fadiga ao tema do feminismo mas, ainda que estejamos perante um progresso notável, há muito a fazer. Caroline Criado Peréz escreveu no seu livro “Invisible Women”, como em pleno século XXI, deixamos mais de metade da nossa população “invisível”.

A autora argumenta que continuamos a viver num mundo desenhado para homens: a probabilidade de as mulheres terem diagnósticos médicos errados é superior uma vez que, em estudos médicos, são incluídos maioritariamente pacientes do sexo masculino (por exemplo, no Reino Unido, é 50% mais provável que o diagnóstico de ataque cardíaco esteja incorreto se o paciente for do sexo feminino); os smartphones mais comuns (de 5.5 polegadas) são geralmente muito grandes para a mão de uma mulher; apenas 25% da população empresarial de Silicon Valley são mulheres e apenas 7% dos partners de empresas de capital de risco são mulheres (curiosamente, apenas 3% do investimento em startups é atribuído a mulheres).

Os exemplos continuam e a falta de dados sobre (volto a referir), mais de metade da nossa população, não nos permite identificar claramente o que é causa e consequência. De qualquer forma, torna-se claro que precisamos de reverter esta situação. As nossas ideias preconcebidas estão de tal forma enraizadas na nossa sociedade e educação (“systemic bias”), que até nós, mulheres, estamos vinculadas a determinados padrões. Na verdade, 43% das mulheres acredita que os homens são melhores líderes e decisores políticos. Procuremos aprender mais sobre o tema.

Conhecer e compreender são dois conceitos diferentes que tendemos a confundir. Procuremos compreender e educar. Acredito que a educação é “a arma mais poderosa para mudar o mundo”: começa em casa (desmistificando aqueles que assumimos serem sonhos e escolhas de “menino e menina”), passa pelas escolas (com igualdade de oportunidade sem “rótulo”) e continua nas organizações (do recrutamento à formação).

Estes estereótipos enraizados durante séculos, não desaparecem em alguns meses, aliás, estudos da Harvard Business Review demonstram que os atuais programas de diversidade e trainings são o primeiro passo na formação mas não originam mudança organizacional. Precisamos que as empresas garantam que o recrutamento é feito com base numa pool diversa de candidatos e que recrutamos por qualificação e não por género (seja feminino ou masculino). Precisamos de mais programas de mentoria que nos levem a gerar mudanças sistémicas. Precisamos de distinguir diversidade de inclusão (“diversidade é ser convidado para a festa, inclusão é ser convidado a dançar” – precisamos de mais mulheres nesta dança). É urgente educar e aprender.

2. Não tentem reduzir as diferenças mas potenciá-las.

Há dois anos, tive oportunidade de moderar um painel, no Lisbon Investment Summit, com três mulheres que admiro muito (fundadoras de startups e internacionalmente reconhecidas).

As três, completamente diferentes, e esse era o segredo do seu sucesso. Estavam confortáveis na sua pele. Assumiam as suas vulnerabilidades e eram resilientes. Sabiam errar e voltar a tentar (mais rápido e melhor). E acima de tudo, não tentavam reduzir as suas diferenças mas potenciá-las.

Assumimos que, para sermos bem sucedidas na liderança, temos de ser mais “agressivas”, vestir de forma menos feminina, ser menos empáticas. Se os homens estão na maioria dos cargos de topo devem estar a fazer algo bem, porque não fazem as mulheres algo semelhante?

Na minha ótica esta não é a abordagem correta. Todos (homens e mulheres), temos de aprender a ser empáticos enquanto damos feedback sem deixarmos de ser claros e assertivos, podemos liderar sem “agressividade” e atingir os nossos objetivos cumprindo todas as métricas e, ainda que muitas empresas tenham dress code, não precisamos de vestir preto numa reunião para marcarmos a nossa posição.

Gostava ainda de deixar uma nota em relação a este tópico, esta perceção não existe apenas de homens para mulheres. Nós, mulheres, temos muitas vezes os mesmos preconceitos. Nesse mesmo evento em que estive, fiz parte de um workshop (disponível em Portugal para todos aqueles que se quiserem inscrever) – o #IAmRemarkable. Estudos comprovam que mulheres e homens sofrem destas amarras que não nos permitem avançar em direção a um mundo empresarial realmente inclusivo. Este workshop procura (com base em dados concretos), promover e alertar as mulheres para que possamos falar abertamente sobre as conquistas no ambiente de trabalho ou académico. Apesar de fazer parte de uma geração mais consciente, sinto que precisamos de mais role models femininos que nos inspirem (tal como estas três mulheres no painel que moderei). Precisamos de mais mulheres a ser as primeiras, sem que sejam as últimas. O que me leva ao meu próximo ponto.

3. As primeiras não podem ser as últimas.

Num dos seus discursos, Kamala Harris, vice-presidente dos Estados Unidos da América (depois de fazer história como a primeira mulher negra a entrar na Casa Branca para ocupar um dos cargos mais elevados na política do país), disse: “Posso ser a primeira, mas não serei a última”. Precisamos de mais mulheres (em todas as áreas) a serem as primeiras, segundas, terceiras – mas nunca as últimas. Basta estarmos atentos às notícias mais recentes para percebermos que muitas mulheres estão a marcar a história. Mulheres que se tornaram as mais jovens bilionárias (por esforço próprio) como a fundadora da Bumble; cientistas na frente do desenvolvimento da primeira vacina contra a Covid-19; Elvira Fortunato que acaba de receber o prémio Pessoa e que inventou a eletrónica transparente e a eletrónica do papel; Cristina Fonseca que é a primeira mulher portuguesa a entrar para a lista de líderes abaixo dos 40 anos do Fórum Económico Mundial ou Alyssa Carson, que aos 17 anos ambiciona ser a primeira pessoa a pisar Marte.

Estas mulheres provam que devemos manter a nossa ambição e acreditar que meninas e meninos podem ser o que quiserem. A representatividade é essencial e especialmente necessária no mundo empresarial. Aprendi que estarmos rodeados por pessoas que nos inspiram a sermos melhores, é absolutamente decisivo para atingirmos os nossos objetivos e para chegarmos mais longe. E é exatamente com este ponto que concluo.

4. Se as pessoas que nos rodeiam são decisivas para o nosso sucesso, a todos os jovens nas empresas em Portugal: procurem rodear-se por mulheres e homens que vos inspirem e que promovam equipas diversas.

Durante a primeira experiência profissional da minha carreira, aprendi que estarmos rodeados pelas pessoas certas, é o segredo para o sucesso (pessoal e profissional). Colocado de forma mais romântica: construir uma rede de networking sólida é a chave.

A meu ver, isto significa estabelecer uma rede de contactos com propósitos e objetivos que estão, de alguma forma, alinhados com os nossos objetivos de carreira e desenvolvimento pessoal. Na verdade, o networking gerou, gera e continuará a gerar oportunidades de negócio entre estes contactos (do debate de ideias à criação de startups, de investimentos em projetos à concretização dos mesmos, da partilha de informação à descoberta de oportunidades de emprego).

O mais extraordinário? O networking pode gerar oportunidades no sentido lato da palavra: não só cria um match entre quem procura e quem oferece (uma dinâmica conhecida no mercado de trabalho), como também produz oportunidades na sua génese (uma oportunidade que não existia, mas que passa a fazer sentido como resultado desta partilha de conhecimentos e competências).

Este conceito não tem apenas aplicabilidade no mundo empresarial. Jim Rohn defendia que nos tornamos “a média das cinco pessoas com quem passamos a maioria do nosso tempo”. Apesar de considerar a média uma medida representativa mas redutora, os dados provam que a influência transcende o impacto no nosso desenvolvimento pessoal, atitudes e aprendizagens. Provam que estas pessoas nos moldam, determinam as nossas conversas e as nossas ações. A descoberta mais recente nesta área multiplica este efeito, ao evidenciar que não somos apenas influenciados pelas 5 pessoas com quem passamos a maioria do nosso tempo mas sim pelas pessoas que, diariamente, nos rodeiam.

Se aplicarmos estas conclusões à nossa vida, percebemos que somos moldados pelas nossas relações pessoais, mas também pelas organizações em que trabalhamos. Passamos mais de oito horas do nosso dia com as pessoas que fazem parte das nossas equipas. É crucial, promover iniciativas para que possamos fazer parte de equipas diversas, mais inclusivas e construídas na base da igualdade de oportunidades. Sem rótulos.

Comecei por constatar que tive (e tenho) sorte. Porque a minha rede de contactos é constituída por ‘role models’ (femininos e masculinos) que me fizeram perceber que ser mulher é extraordinário, que jamais o facto de ser mulher deveria ser um fator de exclusão e que as ideias que trago para cima da mesa têm valor (independentemente do meu género).

Termino, a constatar que Portugal tem sorte. As empresas portuguesas têm muitos profissionais excecionais (mulheres e homens), que trabalham todos os dias para promover a igualdade de oportunidades, educar e potenciar as diferenças. Muito foi feito até hoje, mas há muito por fazer. Ousemos desafiar-nos para que não sejamos vítimas dos nossos preconceitos e ousemos desafiar as nossas organizações e o nosso ecossistema, para que, num futuro próximo, “Mulher” não seja um rótulo.

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