Não precisamos dizer “não somos Itália”?

Para Bruxelas, Itália é um caso isolado de mau comportamento na Zona Euro. Por isso, acredita que não há o "efeito de contágio" do passado. Será mesmo assim?

Há bem poucos anos, naquilo que se iria tornar uma verdadeira tragédia grega, foram muitos os países que se apressaram a vir dizer “não somos a Grécia”. Depois veio o “não somos a Irlanda” e, claro, a versão que todos nós conhecemos melhor: “não somos Portugal!”.

A estratégia dos vários países era a de simplesmente isolar o problema. Estávamos todos no mesmo barco, todos com a mesma moeda, simplesmente a crise veio demonstrar que o sonho europeu tinha uma falha grave: a turma tinha alguns bons alunos, mas a maioria passou as aulas a brincar. E no momento do teste, muitos falharam.

Economias com taxas de crescimento marginais, graves problemas de competitividade, mas principalmente muitos anos de despesismo que levaram a défices sucessivos, ditando um crescente nível da dívida. Foram anos de “euforias despesista”, como os classificou recentemente Mário Centeno, o ministro das Finanças de um país que foi mau aluno, mas que saiu do resgate como delegado de turma. Centeno, agora líder do Eurogrupo, dá aulas na Zona Euro.

É algo desconcertante ver Centeno neste papel numa altura em que o mau aluno é um dos países que está na génese da Europa que conhecemos. São duras as palavras do economista feito ministro estrela por António Costa. Especialmente quando o chumbo de Bruxelas é dado a um orçamento italiano que em vez de austeridade quer aumentar rendimentos para fomentar o crescimento. A lógica de Costa.

Itália não verga. Itália sabe que é Itália. E isso tem o seu peso. Não se ouviu ninguém vir dizer “não somos a Itália”, apesar de haver muitos com alguma vontade de o fazer. Não o dizem porque… não fica bem. É a Itália. Mas também porque em Bruxelas, apesar de se reprovar o mau aluno, agora liderado por populistas, passa uma imagem de que está tudo bem. Mas não está.

Para Bruxelas, Itália é um caso isolado de mau comportamento numa Zona Euro em que pela primeira vez se cumpre em pleno a regra de não superar o défice de 3%. Como caso isolado, só ela será penalizada. Pelas sanções que lhe serão aplicadas, mas também pelos investidores, nos mercados.

A verdade é que até ao momento, pouco ou nada se viu nos restantes países daquela que é uma crise italiana. Não há o “efeito de contágio”. Um pequeno ressalto aqui e ali nos juros da dívida de outros soberanos, mas pouco mais se vê. E é nessa base que Pierre Moscovici, comissário europeu para os Assuntos Económicos e Financeiros, confia que a história não se repetirá.

Mas parece que a Zona Euro está a tentar fazer uma direta para o exame do dia a seguir. Está a mostrar-se forte, capaz de enfrentar tudo, mas basta que no exame dos investidores saia aquele tema que não se estudou. E que pode deitar tudo a perder. O tema é o mau humor dos investidores, que por estes dias começam a dar sinal de que estão cada vez menos tolerantes. Uma má notícia e vai tudo por aí abaixo.

Essa é uma possibilidade que rapidamente porá em causa toda a teoria do “não há contágio”. Basta os juros italianos subirem mais um pouco. Basta o diferencial de taxas de juro face a outras economias agravar-se um pouco mais, mas também que os investidores comecem a fazer contas aos custos que Itália tem de suportar por causa da sua gigante dívida e a riqueza que gera, para a tensão aumentar.

Basta isso para mudar o sentimento nos mercados, levando os investidores a olhar de lado para outros países com problemas semelhantes. E aí há contágio. É certo que o contexto é diferente do da crise financeira. Afinal, agora as economias estão a crescer e há o BCE. Mas também é verdade que o crescimento está a abrandar. E Mário Draghi vai desligar a torneira. Ou será que o italiano vai ceder aos problemas do seu país natal?

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