Nobel da economia David Card responde ao PSD sobre o salário mínimo
É uma discussão que divide a sociedade portuguesa e separa a esquerda da direita. O aumento do salário mínimo gera ou não mais desemprego? O novo prémio Nobel da economia acredita que não.
Há anos que discutimos em Portugal se o aumento do salário mínimo nacional provoca ou não um aumento do desemprego. É uma discussão que tem apaixonado economistas e políticos.
Em 2015, quando o Governo decidiu aumentar o salário mínimo de 505 para 530 euros, Pedro Passos Coelho, que tinha acabado de ir para a oposição, vaticinou um aumento do desemprego: “Teremos muitas empresas que terão dificuldades em suportar esses custos e que deixarão de contratar “.
Mais recentemente, em 2020, o atual líder do PSD, Rui Rio, defendeu uma tese semelhante: “Viver com 635 euros é pouco, mas estar no desemprego é pior”.
O então e o atual líderes do PSD não estavam a dizer nenhum disparate. Esta foi a corrente económica dominante durante décadas e era a teoria que se ensinava nas faculdades quando ambos estudaram economia: mais salários pesava na folha salarial das empresas e estas, em teoria, seriam obrigadas a despedir para manterem os mesmos custos.
Esta regra da economia, mais ou menos sacrossanta, caiu como um castelo de cartas quando dois economistas — David Card e Alan B. Krueger – fizeram um ‘paper’ a que deram o nome de ‘Minimum Wages and Employment: A Case Study of the Fast-Food Industry in New Jersey and Pennsylvania.’
Um desses autores, David Card, acaba de ganhar, esta segunda-feira, o Nobel da Economia. Nesse estudo feito na década de 90, os dois autores tentaram provar empiricamente a tese que o aumento do salário mínimo gerava mais desemprego.
Para tal analisaram dois estados norte-americanos vizinhos, Nova Jersey e Pensilvânia. No estado de Nova Jersey, houve um aumento do salário mínimo para 5,05 dólares/hora e na Pensilvânia o valor manteve-se nos 4,25 dólares. David Card e Alan B. Krueger foram então verificar se nas cadeias de fast food, como a McDonald’s em Nova Jersey, teria havido um aumento do desemprego, tal como professava a teoria dominante.
Surpresa: chegaram à conclusão empírica que, em Nova Jersey, o desemprego não só não aumentou, como até baixou, ao contrário do que aconteceu na vizinha Pensilvânia. E no Estado não foram encerradas nenhumas lojas McDonald’s.
Não tendo encontrado nenhuma relação causa-efeito entre o aumento do salário mínimo e o desemprego, então como é que as empresas absorveram o custo extra? Neste estudo, que revolucionou os alicerces da teoria económica, os autores chegaram igualmente à conclusão que em Nova Jersey registou-se um aumento de preços nas cadeias de fast food acima daquele que se registou na Pensilvânia. Ou seja, aparentemente os restaurantes optaram por passar o fardo extra do aumento do salário mínimo para os consumidores.
Conclusão: como explicava, esta manhã, uma responsável do banco central sueco que deu o prémio Nobel a David Card, a existência de uma correlação não significa necessariamente uma relação causa-efeito. Podem existir fenómenos exteriores que expliquem o que nós pensamos ser a causa e o que nós pensamos ser o efeito.
Dito isto, esta tese não deverá servir de carta-branca para aumentar o salário mínimo sem olhar a consequências. Ainda este fim de semana, Joaquim Miranda Sarmento, o porta-voz do PSD para os temas económicos, veio defender que o aumento do salário mínimo em 2022 deveria ser “substancialmente inferior” face aos 40 euros que estão previstos.
Mas Sarmento, talvez por ainda estar ativo na academia, não usa o argumento do desemprego com Passos e Rio. Em entrevista à Antena 1 e ao Jornal de Negócios, lembra que “Portugal é dos países da OCDE onde o salário mínimo mais se aproxima da mediana que, neste momento, ronda os 850 euros”.
Ou seja, o problema não está tanto no aumento do salário mínimo, que está a meio da tabela na comparação europeia, mas no salário mediano da economia que estagnou nas últimas décadas. António Guterres tentou mudar isto através do “Acordo de Concertação Estratégica 1996/1999”, que previa um referencial para o aumento do salário médio de 3,5%, tendo em conta a taxa de inflação e a produtividade.
Mais recentemente, António Costa também tentou um Pacto Salarial entre padrões e sindicatos para puxar pelos salários médios, mas a pandemia frustrou essa intenção. Com a pandemia a amainar, chegou a altura de voltar a colocar o Pacto em cima da mesa. Os trabalhadores agradecem e o Nobel da economia não leva a mal.
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