
Nós, os tansos fiscais, e eles, os partidos
É grave que os partidos não percebam que a exigência imposta ao povo tem que ser acompanhada por idêntica exigência imposta a si mesmos.
Sei que me vou repetir em relação a artigos recentes – como este ou este – mas em minha defesa tenho a dizer que a realidade é que teima em ser tristemente repetitivo. Há pouco mais de dois meses ficámos a saber que o Tribunal Constitucional deixou prescrever multas de 400 mil euros que 12 partidos e 24 dirigentes partidários tinham que pagar ao Estado por irregularidades no financiamento da campanha eleitoral de 2009. Nada aconteceu, porque quando se trata do cartel partidário nada acontece.
Este sábado, o Público contou-nos que multas semelhantes por irregularidades nas contas dos partidos e das campanhas eleitorais, não quantificadas, correm o sério risco de prescrever para o período de 2010 a 2015. Os partidos decidem para si próprios uma permanente amnistia no cumprimento das regras financeiras.
Como fazem?
Primeiro, contam com a cumplicidade do Tribunal Constitucional, cujos juízes são por si nomeados. Depois, colocam a Entidade das Contas e Financiamentos Políticos numa conveniente falta de meios para que esta não consiga actuar dentro dos prazos. Por fim, fazem frequentes alterações à lei que decidem aplicar a si próprios, obrigando os processos a regressar ao início, para garantir que os prazos são mesmo ultrapassados e que as multas ficam por pagar.
Compare-se este regime que os partidos políticos escolhem para si com o que impõem aos cidadãos, sobretudo através da Autoridade Tributária. Basta recordar a recente tentativa de imposição de multas aos contribuintes que não tinham aderido ao Via CTT ou a passagem para a AT da cobrança de dívidas a algumas ordens profissionais.
Já para não falar do que acontece diariamente com milhares de contribuintes individuais ou empresariais que se atrasam um dia no cumprimento das suas obrigações fiscais. É certinho que a multa vai chegar, que não é pequena e, sobretudo, que nunca beneficia de qualquer prescrição na secretaria.
Se o Estado conseguiu resolver o problema da fuga ao fisco, criando para isso uma máquina legislativa e informática implacável, só por premeditação mantém cirúrgicas zonas onde reina a impunidade, a lentidão de processos e a eterna falta de meios para fazer cumprir a lei. Sem surpresa, os partidos políticos e seus dirigentes que tomam estas decisões são os principais beneficiários deste vergonhoso regabofe.
Há poucas décadas a fuga ao fisco era um desporto nacional de que alguns até se gabavam nas páginas dos jornais. A impunidade era então relativamente generalizada e o sentimento de injustiça por tratamento diferenciado era muito mais atenuado.
Foi nessa altura que Leonardo Ferraz de Carvalho, nas páginas do Independente, cunhou a expressão “tansos fiscais”, precisamente para sublinhar a diferença de estatuto entre os que tinham que pagar e os que podiam fugir impunemente.
Mas hoje somos todos “tansos fiscais”, sempre à disposição para pagar bancarrotas, suportar as cargas fiscais mais elevadas de sempre, estar sujeito a multas e taxas por tudo e mais alguma coisa e, claro, para pagar do nosso bolso aquilo que outros, como os partidos, recusam pagar.
É grave e representa um enorme tiro no pé que os dirigentes políticos não percebam que os tempos mudaram e que, a prazo, isto lhes cairá violentamente em cima.
É grave que não percebam que a exigência imposta ao povo tem que ser acompanhada por idêntica exigência imposta a si mesmos.
É grave que não entendam que a sua legitimidade política é minada pela imoralidade que escolhem para si, perpetuando comportamentos abjectos como este.
Fácil é darem-se ao papel de virgens ofendidas, querendo passar por vítimas dos seus próprios comportamentos.
Nota: Por opção própria, o autor não escreve segundo o novo acordo ortográfico
O jornalismo continua por aqui. Contribua
Sem informação não há economia. É o acesso às notícias que permite a decisão informada dos agentes económicos, das empresas, das famílias, dos particulares. E isso só pode ser garantido com uma comunicação social independente e que escrutina as decisões dos poderes. De todos os poderes, o político, o económico, o social, o Governo, a administração pública, os reguladores, as empresas, e os poderes que se escondem e têm também muita influência no que se decide.
O país vai entrar outra vez num confinamento geral que pode significar menos informação, mais opacidade, menos transparência, tudo debaixo do argumento do estado de emergência e da pandemia. Mas ao mesmo tempo é o momento em que os decisores precisam de fazer escolhas num quadro de incerteza.
Aqui, no ECO, vamos continuar 'desconfinados'. Com todos os cuidados, claro, mas a cumprir a nossa função, e missão. A informar os empresários e gestores, os micro-empresários, os gerentes e trabalhadores independentes, os trabalhadores do setor privado e os funcionários públicos, os estudantes e empreendedores. A informar todos os que são nossos leitores e os que ainda não são. Mas vão ser.
Em breve, o ECO vai avançar com uma campanha de subscrições Premium, para aceder a todas as notícias, opinião, entrevistas, reportagens, especiais e as newsletters disponíveis apenas para assinantes. Queremos contar consigo como assinante, é também um apoio ao jornalismo económico independente.
Queremos viver do investimento dos nossos leitores, não de subsídios do Estado. Enquanto não tem a possibilidade de assinar o ECO, faça a sua contribuição.
De que forma pode contribuir? Na homepage do ECO, em desktop, tem um botão de acesso à página de contribuições no canto superior direito. Se aceder ao site em mobile, abra a 'bolacha' e tem acesso imediato ao botão 'Contribua'. Ou no fim de cada notícia tem uma caixa com os passos a seguir. Contribuições de 5€, 10€, 20€ ou 50€ ou um valor à sua escolha a partir de 100 euros. É seguro, é simples e é rápido. A sua contribuição é bem-vinda.
Obrigado,
António Costa
Publisher do ECO
Comentários ({{ total }})
Nós, os tansos fiscais, e eles, os partidos
{{ noCommentsLabel }}