Novas Esquerdas Novas

A economia de mercado social não funciona tão bem num mundo globalizado. Mais rendimento vai para o capital e a redistribuição pelos impostos tem limites, abrindo espaço para novas esquerdas novas.

Sam Altman, CEO da OpenAI, deu uma entrevista esta semana. Uma das coisas que discutiu foi o que fazer para mitigar o impacto da Inteligência Artificial nos trabalhadores.

A proposta preferida de Sam Altman costumava ser o Rendimento Básico Incondicional (RBI). A ideia é que dar dinheiro diretamente a toda a gente, sem condições, é uma política melhor (na maior parte dos casos) do que baixar um imposto aqui, dar um subsídio ali.

Nesta entrevista, em vez do RBI, Sam Altman propõe “dar uma parte do GPT-7” a todas as pessoas, um “Compute Básico Incondicional”. Ou seja, tratar o algoritmo, ou os dados de treino (ou as duas coisas), como um ativo, e repartir com toda a gente de forma igual. Ninguém sabe exatamente como isso funcionaria, provavelmente nem Sam Altman. Mas a ideia lembra um pouco a teoria de “shareholder socialism” (socialismo de mercado de capitais?), descrita no livro “Is Capitalism Obsolete?” de Giacomo Corneo, professor de Economia na Universidade Livre de Berlim.

Segundo o “shareholder socialism”, os mercados, com o preço determinado com base na oferta e na procura, são quase sempre a forma mais eficiente de direcionar os recursos numa economia. A iniciativa privada, devidamente recompensada, é essencial para a inovação e para a eficiência. O problema está na distribuição dos recursos.

Durante muitos anos foi possível criar mecanismos de regulação e de redistribuição, uma economia de mercado social, que permitiram conjugar crescimento e uma distribuição de recursos mais ou menos aceitável. A “esquerda nova” concentrou-se menos nos assuntos laborais.

No entanto, uma economia de mercado social não funciona tão bem num mundo globalizado e com o aparecimento de novas tecnologias de automação. Mais rendimento vai para o capital e a redistribuição através dos impostos tem limites, abrindo espaço para novas esquerdas novas.

A principal ideia de shareholder socialism é então que a redistribuição aconteça na fonte do rendimento, em vez de ser através de impostos e subsídios. Isto sem distorcer o funcionamento dos mercados de capitais.

Há várias formas de implementar isto. Uma opção é ter uma parte significativa de todas as empresas, por exemplo 51%, na posse do Estado. Crucialmente, o Estado não teria qualquer papel na gestão das empresas. A única coisa que faria seria distribuir os dividendos da empresa de forma equitativa. O mercado de capitais continuaria a funcionar normalmente para os outros 49%, e a dar os incentivos corretos aos gestores das empresas para serem eficientes. As empresas mais pequenas seriam inicialmente 100% privadas. Acima de uma determinada valorização, seriam compradas pelo Estado ao preço determinado no mercado de capitais.

O objectivo deste modelo é usar o melhor do capitalismo, os mercados e os incentivos, mas com uma distribuição do capital mais equitativa, face aos novos desafios económicos.

Um aspecto relacionado é como a tecnologia afeta os trabalhadores. Num livro recente, “Power and Progress”, Daron Acemoglu e Simon Johnson, professores no MIT, quase passam por marxistas ao argumentarem que não é óbvio que a inovação beneficie a maior parte das pessoas. A forma como a tecnologia é implementada é determinada por lutas de poder (não são necessariamente de classe). Olhando para a inteligência artificial, estes autores, e outros, têm argumentado que é preciso dar poder aos trabalhadores, por exemplo, através de modelos de co-determinação laboral (representantes dos trabalhadores no conselho executivo), de forma a implementar tecnologia que aumente a produtividade das pessoas, em vez de apenas substituir parte do seu trabalho.

Duvido que Sam Altman, Daron Acemoglu ou Simon Johnson sejam socialistas. E claro, estas ideias são algo radicais e há ainda incerteza sobre elas. No entanto, nos últimos anos temos assistido a uma evolução intelectual de algumas ideias mais ou menos de esquerda, que poderão em breve ser aceites de forma geral, tal como aconteceu no passado com a Segurança Social.

Estas ideias até já existem para parte da população. Por exemplo, nos Estados Unidos é comum, quem pode, poupar em fundos de investimento diversificados que são equivalentes a poupar no mercado como um todo. O crescimento das ordens profissionais ou de certificação acaba por funcionar como uma espécie de poder laboral para os mais ricos. Setores mais afetados pela concorrência internacional conseguem influenciar políticas que os protejam. Se funciona bem para alguns, é possível que funcione bem para todos.

  • Professor de Economia Internacional na ESCP Business School

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