Nunca foi um vestido

  • Rui Alves
  • 3 Abril 2019

As mulheres e as líderes femininas vivem num país onde o seu género ainda é discriminado.

Com incontáveis temas possíveis, nada de mais relevante me ocorre que não seja escrever sobre o que, em Portugal, se vive quanto à violência doméstica sobre mulheres, no rescaldo dos recém-celebrados Dia Internacional da Mulher e de luto nacional pelas vítimas da violência doméstica.

Vejo estas datas como eventos que continuamos a precisar de manter no calendário para que recordemos que a violência sobre mulheres é algo que uma sociedade instruída não pode aceitar. Na verdade, é um drama permanente, muitas vezes escondido, numa sociedade que aceita ainda tudo isto, e muito mais, em particular a desmedida violência para com os mais fracos e desfavorecidos. Questiono quão instruída e civilizada é esta sociedade…

É nesta sociedade que as organizações existem e é nestas que as mulheres sobrevivem, quando têm de provar todos os dias o seu valor, não apenas como profissionais mas também como mães, companheiras, filhas e perante elas próprias. O tempo que as mulheres deixam de ter para elas mesmas perde-se, sem ser compensado, muito menos por salários genericamente mais baixos que os dos homens. O trabalho que a mulher realiza em casa, depois do seu emprego remunerado, ocupa-a muitas mais horas do dia, ainda que partilhado.

Num país em que a quantidade de mulheres profissionalmente ativas ultrapassa os 70%, em que as mulheres têm um nível de estudos superior ao dos homem na maioria dos casais – apesar de ganharem menos, em mais de 45% dos casos -, deixamos este estigma social dependente de um modelo educacional de décadas que continua a influenciar gerações de homens que, vendo perder poder e domínio em casa, nas organizações e na sociedade em geral, continuam a utilizar a sua força (física ou de poder), quando pouco mais lhes resta. As mulheres e as líderes femininas vivem num país onde o seu género ainda é discriminado. Continuamos a comportar-nos nas organizações destes dias como nas tribos da idade do fogo.

Este é um problema social verdadeiramente trágico que tomará ainda gerações a mudar sem um investimento efetivo em políticas de igualdade que transformem a mentalidade de uma sociedade em que todos podemos e devemos ter palavra – cidadãos, professores, gestores, líderes.

Acredito que as mulheres são iguais ou melhores gestoras do que os homens – o futuro na gestão é das mulheres. Na sombra, o vestido parece o que é. No entanto, muitos teimam em não o querer ver, pois nunca se tratou de um vestido, mas sim de uma capa de Super Mulher.

*Rui Alves é diretor de recursos humanos da Johnson & Johnson Consumer Souther Europe

  • Rui Alves

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