O atraso estrutural de Portugal

Uma parte substancial dos efeitos positivos da abertura à Europa já se esgotaram. Para que Portugal recupere do atraso estrutural, chegou a altura de voltar a virar o país para o além-mar.

De tempos a tempos surgem uns dados económicos que permitem “tapar o sol com a peneira”. Na semana passada foi o crescimento económico no primeiro trimestre de 2023. A evolução do crescimento e do desenvolvimento são questões estruturais que não podem ser consideradas com base em três meses, mas devem ser vistas num período de várias décadas.

A tabela e o gráfico mostram a evolução da economia portuguesa desde o século XVI em comparação com alguns dos países parceiros do nosso país e com quem a nossa História esteve mais directamente interligada, e mostram que o atraso estrutural de Portugal se inicia durante o regime liberal e está associado à tardia e insuficiente industrialização do país, tendo continuado a agravar-se até aos dias de hoje.

Os números confirmam que até à “revolução industrial” o nível de vida em Portugal era superior ao de França e pouco inferior ao italiano e ao britânico, os dois países mais ricos. Durante o século XVIII, e depois da afastada a ameaça castelhana, a sociedade portuguesa beneficiou da abertura ao exterior que realizou com a epopeia dos Descobrimentos e com o comércio e as riquezas que trazia dos territórios coloniais.

Nesta altura, as mudanças políticas que tornaram o Reino Unido na primeira democracia dos tempos modernos, em que a legitimidade do poder passou a assentar no parlamento eleito e, posteriormente, as mudanças económicas proporcionadas pelo sistema capitalista de mercado livre, tornaram os britânicos o povo mais próspero, ultrapassando o nível de vida dos italianos (que foi superior até ao final do século XVII e o início da “revolução industrial”).

Durante o século XIX, países como França, Alemanha, Estados Unidos ou mesmo Espanha seguiram o exemplo das mudanças económicas verificadas no Reino Unido e afastaram-se de Portugal em termos de desenvolvimento económico. Mesmo sem liberdade política (excepto no caso dos EUA), estes países beneficiaram de alguma liberdade económica proporcionada pela industrialização e pela implementação progressiva do sistema capitalista de mercado.

Em Portugal, afastado o perigo das invasões francesas, o país não soube seguir o exemplo britânico e desenvolver-se mais rapidamente ao longo do século XIX. Jaime Reis explica-o por diversas razões como a falta de capital para investir, a pequena dimensão das unidades produtivas, a falta de recursos naturais, a resistência à mudança tecnológica e à aposta na qualidade nos sectores com potencial para exportar ou o nível educacional e de saber técnico limitado, com uma taxa de analfabetismo muito superior a outros países europeus (70%).

As tentativas de recuperação da economia portuguesa após o início do atraso estrutural foram insuficientes. A balbúrdia da primeira república, em que o sistema capitalista de mercado foi menosprezado, agravou o atraso pois não houve um esforço de industrialização, mas apenas uma ténue aposta, já tardia, na exploração das colónias. Os primeiros anos do Estado Novo permitiram alguma recuperação da economia portuguesa, mas muito pela crise que países como os EUA ou Espanha atravessaram nos anos 1930.

Apesar da tentativa de alfabetização da população no Estado Novo que obteve resultados muito significativos ao nível básico da educação como Jaime Reis e Nuno Palma demonstraram, só na década de 1960, com a nova abertura da economia portuguesa por via da maior ligação aos mercados europeus através da EFTA, é que Portugal conseguiu novamente recuperar parcialmente face aos países mais desenvolvidos.

Mas quando se deu o primeiro choque petrolífero e o 25 de Abril, Portugal continuava um país estruturalmente atrasado face aos restantes, com excepção de Espanha, e era um dos poucos onde a indústria nunca foi o sector económico mais relevante (os serviços substituíram directamente a agricultura como a actividade económica principal).

O fim do sistema corporativo e a instalação forçada do socialismo, com a estatização da sociedade, a criação de monopólios públicos, a destruição de empresas e de grupos económicos, o afastamento de empresários experientes, a destruição de explorações agrícolas, os preços administrativos e os aumentos salariais desfasados da realidade económica marcaram o agravamento do atraso estrutural.

Esta tendência negativa verificou-se também relativamente a Espanha, que não destruiu parte do seu tecido produtivo na transicção pacifica para a democracia que realizou sob o comando do Rei D. Juan Carlos I.

Após a adesão às Comunidades Europeias em 1986 e o consequente reforço da abertura da economia portuguesa ao espaço europeu, houve uma terceira fase de recuperação do atraso verificado no nível de vida dos portugueses que durou até ao final do século XX.

Infelizmente, esta recuperação foi interrompida com o esmorecimento do ímpeto reformista e da ambição de alcançar um maior desenvolvimento. O início do Euro e a implementação de políticas económicas erradas assentes no crescente endividamento do país que a moeda única facilitou agravaram novamente o atraso estrutural da economia portuguesa.

Nos últimos 20 anos Portugal continuou a atrasar-se encontrando-se o nível de vida dos portugueses cada vez mais longe de norte-americanos, alemães, britânicos ou franceses. Apenas o declínio italiano e a recente “guinada” espanhola para o socialismo permitiu alguma redução da distância como o gráfico mostra.

As razões para o agravamento do atraso estrutural da economia portuguesa são, parcialmente, ainda as mesmas que Jaime Reis aponta para o seu início no século XIX: um baixo rácio capital/trabalho que indica falta de acumulação de capital e de investimento, falta de empresas de grande dimensão a nível internacional, atraso tecnológico e deficiente capacidade de inovação, e menores qualificações na população mais idosa.

Houve também mudanças para melhor, como a recuperação do nível educacional dos mais jovens, que actualmente está ao nível dos restantes países europeus. Mas isto não é suficiente porque surgiram também novas razões para o atraso:

  • A crescente emigração dos jovens mais qualificados pela falta de adequação das suas qualificações às necessidades do mercado e pelos baixos salários;
  • O aumento exponencial da burocracia, a enorme dimensão de um Estado cada vez mais paternalista, com a fraca produtividade dos recursos que aplica e a corrupção que gera;
  • A promoção excessiva de Investigação & Desenvolvimento focada em “ciências de gabinete” que não responde às preferências das famílias e é inadequada para a recuperação do atraso tecnológico do país;
  • A crescente aversão ao risco e a dificuldade em lidar com a incerteza;
  • O desincentivo ao espírito empresarial provocado pela aposta nos subsídios e na dependência das empresas face ao estado.

Por último, o que todo o período desde o século XVI mostra é que Portugal apresenta uma melhoria do seu nível de vida sempre que se vira para o exterior: os “Descobrimentos” ou a maior ligação aos países europeus pela participação na EFTA e nas Comunidades Europeias apresentam este traço comum.

O problema é que uma parte substancial dos efeitos positivos da abertura à Europa já se esgotaram, havendo cada vez mais a tendência para Portugal se fechar na União Europeia em vez de se abrir a outras zonas do Mundo de modo a alcançar um ritmo de crescimento substancialmente maior do que o verificado nas últimas duas décadas. Por essa razão, e para que Portugal recupere do atraso estrutural que tem, chegou a altura de voltar a virar o país para o além-mar.

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