O “Consenso orçamental” – Parte II
Qual é o modelo de Estado queremos? é preciso fazer uma escolha: de um lado, quem defende mais despesa (e consequentemente mais impostos) e do outro lado, quem defende menos despesa.
Nas últimas semanas tenho aproveitado este espaço no ECO para procurar refletir acerca do atual paradigma das Finanças Públicas Portuguesas. Primeiro, num artigo a 7 de agosto, sobre a divida pública, defendi que é urgente reduzir de 130% do PIB para um valor abaixo dos 100% e preferencialmente na ordem dos 90%. Isto porque o mercado e as instituições passaram a ver os 90% do PIB de dívida pública como o novo paradigma dos países Europeus. Adicionalmente, já tinha defendido num ensaio aqui no ECO que não é possível pensar que existe uma “solução milagrosa” para a dívida pública, e que, tal como o relatório da PCS que coordenei demonstra, qualquer medida de reestruturação é catastrófica. O próprio relatório sobre a sustentabilidade da dívida pública produzido pela esquerda e extrema-esquerda acabou por não suportar uma solução dessa natureza (ver aqui e aqui).
Depois, noutro artigo, a 14 de agosto, no seguimento desse argumento, demonstrei os efeitos de uma nova recessão com o atual cenário orçamental (défice estrutural em torno dos 2.5% e dívida pública de 130%), que nos conduziria a défices acima dos 5% e à subida rápida da dívida para o patamar dos 150%. Tal, não só acionaria novamente o Procedimento dos Défices Excessivos, como, do lado da dívida pública, tornar-se-ia insustentável, levando o país novamente para uma situação de grande dificuldade de acesso aos mercados. Mesmo com uma “almofada financeira” de depósitos elevada, conduziria muito provavelmente a um novo resgate.
Em contrapartida, analisei o impacto da recessão se tivéssemos uma situação orçamental equilibrada (défice estrutural nulo e dívida pública de 90%). Nesse caso, uma recessão como a de 2008 seria provavelmente acomodada, sem que o PDE fosse acionado e sem que a barreira da dívida pública ultrapassa-se de forma significativa os 100%. Ou seja, nestes dois artigos procurei demonstrar que é do nosso interesse vital equilibrar as contas públicas muito rapidamente. Só dessa forma conseguiremos resistir ao embate da próxima recessão, venha ela quando vier. Acreditar que devemos gastar este “dividendo orçamental” da atual conjuntura favorável, ou acreditar em “multiplicadores” da despesa só conduzirá aos erros do passado, e necessariamente, ao mesmo resultado desastroso.
Já antes, em janeiro, num ensaio em coautoria com o João Moreira Rato, tínhamos defendido, contra uma certa corrente que se instalou, que é necessário ter presente que a tarefa de consolidação orçamental está longe de estar terminada, embora, neste momento, não tenha o nível de exigência/emergência que se impôs em 2010/2011.
A consolidação das finanças públicas é crucial para garantir que Portugal está preparado para fazer face a quatro desafios cruciais nos próximos anos:
- Satisfazer as necessidades de financiamento anuais do Estado Português.
- Manter uma carga fiscal aceitável e que permita que Portugal seja competitivo.
- Capacidade de reação a choques económicos negativos.
- Cumprimento das regras Europeias.
No meu artigo da semana passada, de 21 de agosto, (O “Consenso Orçamental” – Parte I) procurei demonstrar que o consenso em torno de contas públicas equilibradas (que começa a formar-se, conforme já tive oportunidade de defender, quando afirmei que a geringonça estava rendida aos “conservadores orçamentais”), é vital também para o debate que urge fazer na sociedade Portuguesa: que modelo de Estado queremos?
Desenganem-se aqueles que dizem que défices nulos (entenda-se aqui saldo estrutural nulo) significam cortes de despesa. São duas coisas totalmente separadas e independentes: tanto podemos ter um défice nulo com um Estado que gaste 50% do PIB (ou mais) como com um Estado que gaste 35% (ou até menos).
A decisão de um saldo estrutural nulo apenas determina qual o nível de carga fiscal que se pretende, dado que a despesa passa a ser financiada por impostos e outras receitas (correntes e de capital).
Ou seja, temos, enquanto sociedade e Democracia, que fazer uma escolha: de um lado, quem defende mais despesa (e consequentemente mais impostos) e do outro lado, quem defende menos impostos (e portanto, menos despesa). O que não podemos é continuar a financiar despesa corrente com dívida pública, que mais não é que impostos para o futuro.
As experiências internacionais de consolidação orçamental nos últimos 30 anos mostram que se a receita (sobretudo fiscal), é importante num primeiro momento (pela maior rapidez na sua execução), é a despesa (sobretudo a corrente primária), que tem um papel determinante no sucesso a médio prazo. Não há consolidação orçamental sustentável se no final, o grande esforço, ao invés de ter sido feito por via da despesa, tiver sido realizado pelo lado da receita.
Contudo, as experiências internacionais apontam para uma solução mista: aumento de impostos e redução de despesa. Dificilmente poderia ser de outra maneira, dado o tempo de resposta de cada medida. Adicionalmente, as fragilidades da economia Portuguesa, nomeadamente um PIB potencial baixo, tornam as soluções com forte pendor no lado da receita pouco adequadas.
Refira-se a importância que a criação de regras orçamentais (fiscal rules) pode ter neste tipo de processos. É verdade que o próprio Pacto de Estabilidade e Crescimento tem uma regra orçamental. No entanto, existem outro tipo de regras orçamentais que podem ser equacionadas face ao objetivo de consolidação, e que incidem sobre a despesa, receita ou sobre o défice. O seu objetivo, além de criar restrições orçamentais, é permitir um melhor entendimento da evolução das finanças públicas.
Apenas um processo de consolidação orçamental bem estruturado e comunicado, aceite pelos principais agentes (políticos, funcionários e cidadãos em geral), poderá resolver um dos nossos desequilíbrios estruturais e retirar um fardo pesado de cima de todos os que pagam impostos.
Adicionalmente, defendi recentemente noutro artigo, a propósito da UTAO e do CFP, que é necessário que o processo orçamental passe a ser muito mais transparente, permitindo aos cidadãos uma avaliação mais rigorosa das políticas públicas.
Por último, a escolha de modelo de Estado não invalida (quer do lado de quem defende um Estado mais interventivo e com maior peso da despesa pública, quer do lado de quem defende menos despesa) que se procure que o Estado, nas suas funções e na prestação de serviços aos cidadãos, seja o mais eficiente possível.
Conforme já defendi, é necessário mudar o paradigma do Estado. Esta mudança e reforma deve servir para proteger e melhorar o nosso Estado Social. É condição inequívoca que nenhum Português, por motivos de ordem económica, pode deixar de ter acesso aos cuidados de saúde, à educação e a uma existência digna. Adicionalmente, temos de manter os instrumentos de correção das desigualdades sociais. Mas é também necessário que os organismos e entidades públicas sejam dotados de uma maior capacidade de gestão financeira, orçamental e patrimonial.
A organização do setor público não depende da sua dimensão e atuação. As decisões políticas sobre os bens e serviços aos quais o Estado garante acesso, ou sobre quais as falhas de mercado a regular, estão numa esfera diferente das decisões relativas ao modelo de governo das entidades encarregadas do fornecimento desses bens e serviços ou das tarefas de regulação, conforme defendi aqui.
Em síntese, o paradigma das Finanças Públicas deve pautar-se por:
- Equilíbrio das contas públicas, medido por um saldo estrutural próximo de zero.
- Dívida pública abaixo dos 90%.
- Consenso orçamental em torno destes dois primeiros pontos.
- Reforço da transparência orçamental.
- Reforma do Estado visando serviços públicos de excelência e eficiência na utilização dos recursos disponíveis. O Estado deve garantir o acesso de todos os Portugueses aos serviços públicos, mas não tem necessariamente que ser o prestador.
- Garantir, e reforçar, a coesão social e a redução das assimetrias sociais, para o qual a função social do Estado é vital, quer por via dos impostos, quer por via das prestações sociais (em dinheiro, como as pensões, o RSI, o abono de família e o subsídios de desempregos, entre outras; quer em espécie, como o SNS e a educação pública).
No próximo artigo, procurarei começar a explicação de quais os motivos que me levam a estar do lado da segunda hipótese: porque defendo menos impostos e consequentemente, menos despesa, dentro dos princípios atrás descritos.
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