O ensino desigual da língua inglesa

Um estudante que chegue ao ensino superior deve estar totalmente preparado para estudar integralmente em inglês, como em Erasmus.

Esta semana, saiu uma notícia no jornal Público, que, citando um destaque do Eurostat, realçava que Portugal é o país da União Europeia com menor % de alunos do ensino secundário a aprender duas línguas estrangeiras, apenas 6,7%, face a uma média europeia de 60%. Para além de me chocarem, principalmente pela dimensão da diferença em questão, estes números levaram-me a refletir sobre a forma como lecionamos a língua estrangeira que quase todos os estudantes aprendem: o inglês.

A notícia continua lembrando que, em Portugal, o inglês foi a língua estrangeira mais estudada, com 96% do total de alunos nos cursos científico-humanísticos e 80,1% dos que estudam no ensino profissional a frequentarem a disciplina. Não conhecendo as dinâmicas concretas do ensino profissional, abster-me-ei de comentar. No entanto, no ensino científico-humanístico, é incompreensível que o número não seja de 100% e é espelho da leviandade com que o tema é tratado. Se o estudo do inglês é obrigatório desde o 3º ano, incompreensivelmente, no 10º ano passa a opcional. Num contexto em que o inglês é cada vez mais central nas vidas de cada jovem adulto, continuar a desvalorizar a disciplina e a sua importância, através da sua substituibilidade curricular é um disparate.

O nosso sistema de ensino é particularmente bicéfalo pela importância reforçada que as disciplinas de matemática e português têm nos currículos escolares. Relevância essa que vai desde o efeito sinalização dado pela realização dos exames nacionais pré-ensino secundário a essas matérias, até à centralidade que assumem nos exames de acesso ao ensino superior. Nada contra, aliás, faz-me todo o sentido que assim seja. Por outro lado, diria que não devemos ficar por aqui. Em mercados de trabalho cada vez mais globalizados, com o crescimento do turismo e atividades subsequentes, bem como com um mercado europeu de trabalho mais integrado, a fluência na língua franca, no caso, o inglês, é absolutamente essencial.

Não vejo razões para no 10º ano o estudo do inglês não ser obrigatório. Da mesma forma, devia ser obrigatório um exame de inglês no 9º ano, como o que foi criado, em tempos, pelo professor Nuno Crato. A escola deve (não só, mas) também qualificar os seus alunos para as competências exigidas pelo mercado. Hoje, ainda mais do que há 10 anos, a língua inglesa é fulcral e garantir a qualidade do ensino através de exames independentes, realizados por uma entidade como Cambridge, teria uma tripla função. Efetivamente, ao equiparar o inglês ao português e à matemática, o ensino transmitiria aos alunos o sinal de que a disciplina é relevante e exige o seu esforço. Paralelamente, um exame desenvolvido por uma entidade como Cambridge garantiria uma avaliação anual e isenta do estado do ensino da língua e dos seus desenvolvimentos ao longo de certos períodos de tempo. Em terceiro lugar, mas não menos importante, poderia servir de creditação internacional do nível de fluência de cada estudante.

O estado corrente da situação parece-me longe do ótimo. O ensino, boa parte das vezes, é débil, pouco ou nada exigente, baseado em manuais que se parecem com livros do 5º ano até demasiado tarde, com os estudantes repetidamente a verem o mesmo vocabulário, sem qualquer tipo de ambição ou incentivo. Falo com conhecimento de causa: Tenho no inglês uma das minhas principais lacunas. Não tenho a proficiência, nem que desejava, nem que precisava para os desafios que se avizinham. Agora, tenho sobre mim uma exigência maior, a de correr atrás do prejuízo. Durante demasiado tempo, ignorei os avisos da minha mãe, que me ia alertando para o facto de que precisava de procurar melhorares alternativas, confiei que aquilo que ia aprendendo na escola era suficiente. Foi só quando cheguei ao Colégio Efanor e me deparei com uma realidade de ensino e rigor de Cambridge que percebi o fosso que tinha à minha frente.

Com um ensino de inglês genericamente fundado numa lógica de gamificação tardia, apresentações orais decoradas ou repetição anual do mesmo vocabulário e regras, a aprendizagem real da língua dá-se essencialmente de duas formas. Por um lado, de forma autodidática, através de séries, filmes, livros, podcasts ou conversas internacionais, por exemplo. Por outro, de forma paga, através da frequência dos caros institutos de línguas, com vista à obtenção de certificação. Mais uma vez aqui, são os mesmos pais que têm de confiar na escola pública, que não podem colocar os seus filhos nos institutos, ou nas explicações, que voltam a ser defraudados. Como diz o dito popular, quem se lixa é o mexilhão.

Se as exigências de hoje são maiores, os padrões de rigor também devem ser. Um estudante que chegue ao ensino superior deve estar totalmente preparado para estudar integralmente em inglês, como em Erasmus, por exemplo. Se muitos estudantes estão prontos para esse nível, é mais por autodidatismo seu e/ou esforço financeiro dos pais, do que pelo desenho e desempenho do programa escolar. Se isto acontecesse numa outra disciplina seria escandaloso, e bem. Em inglês, devia ser igual.

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