
O Fim de uma Era
Uma outra América está a surgir. MAGA representa uma nova visão que requer a extinção do partido republicano e do mundo que os americanos construíram depois de 1945.
Desenvolvo aqui algumas ideias já expressas noutros artigos. Como a espécie humana tem uma tendência para não aprender com as lições da história, repetindo erros passados, penso ser necessário fazê-lo.
1. A administração Trump não deixa de ser uma representação do que se passa em quase todos os países da democracia ocidental: extremismo, radicalismo, intolerância e intransigência amparadas por apoiantes que se comportam como claques, ou seitas, obedientes e cegas, que aplaudem os seus quando estes defendem as mesmas ideias que criticaram aos adversários políticos.
Este apogeu da ausência de pensamento crítico começou com a queda da União Soviética. Incapazes de simultaneamente aceitar a inconformidade do marxismo à realidade e de compreender o porquê, os intelectuais da esquerda começaram a utilizar a cultura como meio privilegiado para manter a ilusão do comunismo viva. Ora, não é surpreendente que a esquerda prefira a imposição de comportamentos por lei à defesa dos direitos. Afinal, a extinção da liberdade faz parte da essência do marxismo. Porém, é muito estranho que a direita, em vez de defender os direitos e as opções individuais, tenha também seguido o caminho da proibição e da imposição. Esta reacção recorda os tempos vividos antes da Segunda Guerra Mundial (WW2).
Não apoio o politicamente correcto por significar fraqueza e incapacidade de defesa de valores. Não apoio qualquer extremismo político, religioso, social e económico por implicar imposição sobre terceiros. Não apoio a cultura do cancelamento, nem o wokismo, por serem expressões de intolerância. Não apoio a identidade do género, que considero ser uma aberração, por resultar da insegurança de pessoas com pouca auto-estima e, embora reconheça os direitos das minorias, nos moldes ensinados por Lord Acton, não posso aceitar que sejam uma imposição sobre a maioria.
Precisamente por ter criticado as posturas autocráticas da esquerda, não posso apoiar as da direita. Achar que as decisões de Trump sobre a identidade de género são suficientes para aceitar as limitações à democracia que ele defende é uma loucura.
2. O GOP (Grand Old Party), mais conhecido por Partido Republicano, acabou. Donald Trump e associados trataram disso. O que existe agora é o MAGA, algo completamente distinto, até mesmo contraditório aos princípios e valores que foram defendidos pelo partido republicano.
Para explicar o meu ponto de vista, recordo palavras de Ronald Reagan que, em 1988, disse que tarifas contra o Canadá e o México eram antiamericanas.
“Os nossos parceiros comerciais pacíficos não são nossos inimigos. São nossos aliados. Devemos ter cuidado com os demagogos que estão prontos a declarar uma guerra comercial contra os nossos amigos — enfraquecendo a nossa economia, a nossa segurança nacional e todo o mundo livre — enquanto agitam cinicamente a bandeira americana. A expansão da economia internacional não é uma invasão estrangeira, é um triunfo americano. Um objectivo para o qual trabalhámos arduamente para alcançar e algo central para a nossa visão de um mundo pacífico e próspero de liberdade. Após a Segunda Guerra Mundial, os Estados Unidos lideraram o caminho para desmantelar as barreiras comerciais e criar um sistema de comércio mundial que preparou o terreno para décadas de crescimento económico inigualável. Sim, em 1776 os nossos pais fundadores acreditavam que valia a pena lutar pelo comércio livre. E podemos celebrar a sua vitória porque hoje o comércio está no centro da aliança que assegura a paz e garante a nossa liberdade. É a fonte da nossa prosperidade e o caminho para um futuro ainda mais risonho para a América”.
3. Antes de abordar o significado das palavras de Ronald Reagan, é necessário estabelecer paralelismos entre o que se verificou antes da WW2 e o que e agora assistimos. Para tal é necessário relembrar dois casos de dois países não tiveram nada a dizer sobre o seu futuro: Checoslováquia e Polónia.
Primeiro, os acordos de Munique de setembro de 1938. Edvard Beneš, Presidente da Checoslováquia, depois da pressão dos governos de Neville Chamberlain e de Édouard Daladier, acabou por concordar com a cedência dos Sudetas a Adolf Hitler. Este ultraje à soberania territorial da Checoslováquia aconteceu em nome da paz.
Segundo, o Pacto Molotov-Ribbentrop de agosto de 1939, um pacto de não agressão mútua entre a Alemanha e a União Soviética que dividiram entre si a Polónia. Claro que nenhuma parte tinha intenção em cumprir o acordado. Não obstante, o pacto, que continha um protocolo secreto definido as fronteiras das esferas de influência soviética e alemã na Polónia, Lituânia, Letónia, Estónia e Finlândia, permitiu a Estaline recuperar o império perdido de Lenin, foi feito em nome da paz.
Tendo aprendido com as lições da humilhação que o Armistício de Compiégne impôs aos vencidos, depois da vitória na WW2, os vencedores agiram de outra maneira e ajudaram e apoiaram a reconstrução da Alemanha e do Japão. Para além disso, sob a liderança dos EUA, os Aliados estabeleceram um quadro de direito internacional que promoveu o respeito pela soberania territorial dos Estados e criaram um ambiente propício ao desenvolvimento do comércio internacional. Todo o planeta, incluindo e especialmente os EUA, prosperou.
O mundo que os EUA criaram incluía as Nações Unidas, cuja carta codifica os princípios das relações internacionais, desde a igualdade soberana dos Estados até à proibição do uso da força nas relações internacionais. Um dos objectivos expressos no seu preâmbulo é “estabelecer as condições sob as quais a justiça e o respeito às obrigações decorrentes dos tratados e outras fontes do direito internacional possam ser mantidos”, vinculando todos os membros da ONU.
Como o mundo é formado por países, no âmbito das relações internacionais, a teoria prevalecente é o realismo por se referir ao poder do(s) Estado(s), à força e até à balança de poder, num contexto de anarquia e de disputa internacional. Os EUA ajudaram a ultrapassar o tempo e as ideias de Tucídides, Maquiavel, Hobbes, Sun Tzu e Richelieu.
Hans Morgenthau, no seu livro de 1948 – Política entre as Nações: A Luta pelo Poder e pela Paz – enumerou os seis princípios do Realismo. Embora tenha enfatizado a importância da dimensão ética da política externa, pouca atenção lhe foi dada pelos decisores políticos. Hoje, infelizmente, dois dos princípios de Morgenthau (1) o realismo é uma perspectiva consciente do significado moral da acção política e (2) as aspirações morais de uma única comunidade ou Estado podem não ser universalmente válidas ou partilháveis – estão praticamente esquecidos.
De um certo modo, o pragmatismo de Edward Carr aliado ao realismo de Hans Morgenthau, foram, até ao início do seculo XXI, o entendimento prevalecente. Mas isso mudou. Convém não esquecer que na Realpolitik a ética e os princípios morais são relativos. Se os Estados procuram permanentemente sobreviver, então para manter essa sobrevivência podem deixar de honrar compromissos e acordos, assim como desrespeitar regras morais.
As palavras de Ronald Reagan sintetizam o mundo que os EUA criaram. Mais do que qualquer entidade internacional, o comércio internacional foi o factor mais importante para a paz. A era da pax americana simbolizada por Reagan acabou.
4. Donald Trump não gosta desses contornos e só pensa no passado. As suas referências às presidências de William McKinley (1897-1901) e de Theodore Roosevelt (1901-09) demonstram-no. A expansão que estes promoveram só foi possível porque o colonialismo ainda não tinha terminado. Quantos Estados existiam e eram reconhecidos em 1909?
Para além disso, a administração Trump manifestou a sua relutância em honrar as obrigações assumidas pelos governos anteriores. Se não defenderá nenhum membro da NATO, incluindo no caso de invocação do artigo 5.º, então também não honrará os compromissos com a Ucrânia.
Se o que foi divulgado pelo Telegraph corresponde à proposta de acordo que Trump apresentou a Zelensky, este nem sequer pode escolher o menor dos dois males. A Ucrânia vai ser ocupada pelos russos e simultaneamente explorada pelos EUA. E terá de assinar um acordo típico dos tempos do colonialismo.
Pelos vistos, Donald Trump e Elon Musk não leram a Riqueza das Nações (Adam Smith) nem O Caminho para a Servidão (Friedrich Hayek). Não é possível gerir o Estado como uma empresa privada. É obvio que os governos devem ter preocupação em gerir criteriosamente os dinheiros públicos. Porém, devido à natureza publica do Estado, existirá sempre a necessidade de algumas despesas para o bem comum.
O corte indiscriminado e cego de despesas sem noção das consequências levou casos de estupidez monumental. Talvez o melhor exemplo seja o despedimento e a imediata reintegração dos funcionários da segurança nuclear. Foi insano e perigoso. No entanto, continuam a cortar nas despesas sem se aperceberem da gravidade. Mas nada disto é novo. Recordam-se do péssimo acordo que Trump negociou com os Talibans durante o seu primeiro mandato? A sua única preocupação é diminuir a despesa sem olhar a meios ou a consequências. Este é um dos principais pressupostos da sua governação. Adicionalmente, as suas ações também indicam que Trump quer ficar mais rico no processo. Quem beneficiou com as cripto-moedas de Trump e Melania? Não me parece que tenham sido os cidadãos americanos.
5. Dito isto, vou equacionar um cenário hipotético e presumir que o principal objectivo da administração Trump é atingir a China através do rompimento da aliança da Rússia à China. Donald Trump parece estar convencido dar uma parte da Ucrânia a Putin será suficiente.
Ora, não foram apenas preocupações de segurança que levaram Putin a invadir a Ucrânia. E o que ele pretendia era dominar todo o país para garantir acesso a todas as suas riquezas naturais. Trump está a oferecer a Putin um acordo que só dá à Rússia posse parcial da Ucrânia ao mesmo tempo que garante para os EUA a exploração das riquezas da Ucrânia. Assim, que motivo tem Putin para quebrar a ligação a Pequim? Putin pode perfeitamente jogar com os dois lados para ganhar com ambos.
Se este é o objectivo da administração Trump, é ingénuo e poderá ter um efeito de dominó e de escalada.
Putin dificilmente cederá às pretensões de Trump sem obter algo que considere ser suficiente para compensar o que pode perder com a China. Isso pode significar mais conquistas territoriais. Ora, tal só acontecerá se Trump fechar os olhos a uma invasão russa a países da União Europeia e da NATO.
Nesse caso, os Estados Bálticos poderão ser os primeiros a entrar em guerra com Putin. E a reacção dos americanos poderá ser a ocupação da Groenlândia e dos Açores, com a justificação de protecção. Se isso acontecer, a pressão de Trump sobre o Canadá também aumentará.
Espero, sinceramente, que este hipotético cenário não aconteça. Mas, como não é possível confiar na palavra de Donald Trump, os europeus devem preparar-se para todas as eventualidades.
Por fim, relativamente ao aumento dos orçamentos de defesa dos parceiros europeus da NATO, há anos que defendo isso. A sugestão que faço é a seguinte. Como há vários países europeus com tecnologia de ponta em várias áreas da defesa, comprem primeiro aos europeus e só recorram aos EUA em último caso.
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