O guardanapo que explica o brilharete fiscal de Sarmento

O ministro das Finanças cortou impostos em 2024 e criou um paradoxo fiscal, enchendo os cofres do Tesouro. Mas cuidado: a magia da curva de Laffer tem limites e pode afogar a economia.

Imagine um mundo onde diminuir os impostos resulta em mais dinheiro nos cofres do Estado. Bem-vindos a Portugal em 2024, onde a realidade fiscal desafiou a lógica comum. Não é um truque de ilusionismo político que valeu um brilharete a Joaquim Sarmento, mas quase. É um verdadeiro paradoxo fiscal que nos mostra como, por vezes, menos pode significar mais quando falamos de receitas fiscais.

Os dados do “Procedimento dos Défices Excessivos de 2025”, divulgados na quarta-feira pelo INE, são implacáveis: as receitas fiscais atingiram 101,8 mil milhões de euros em 2024, um aumento de 6,7% face a 2023, quando o PIB nominal cresceu “apenas” 6,4%.

Quando a receita fiscal cresce mais rápido que a economia, matematicamente, a carga fiscal (o peso dos impostos e contribuições sociais sobre o PIB) aumenta. Mas como se explica este aparente contrassenso se, no ano passado, o Governo promoveu vários alívios fiscais, desde logo por via da redução do IRS para alguns escalões? A resposta está num guardanapo rabiscado há 50 anos num restaurante em Washington DC, nos EUA, pelo economista Arthur Laffer.

Imagine que está num restaurante e, enquanto espera pelo bacalhau com natas, pega num guardanapo e desenha uma curva em forma de sino. No eixo horizontal coloca as taxas de imposto (de 0% a 100%) e no vertical a receita fiscal. Foi isso que Arthur Laffer fez para explicar uma ideia simples, mas poderosa: taxas de imposto muito baixas geram pouca receita (óbvio), mas taxas extremamente altas também podem gerar pouca receita (menos óbvio). É como regar uma planta: com água a menos, ela murcha, mas com água a mais, afoga. Por isso é tão importante encontrar um ponto ótimo de “rega fiscal” que não só não mata como maximiza o crescimento da flor (ou no caso das contas públicas, a receita). E ao que parece, Portugal poderá ter encontrado em 2024 esse ponto de equilíbrio.

A lição da curva de Laffer para Portugal em 2024 é clara: reduções nas taxas de imposto podem ser compensadas por uma base tributável maior. Mas atenção: isto não significa que cortar impostos indefinidamente aumentará a receita. A magia tem limites.

Olhando para os números da receita fiscal em 2024, há três elementos que saltam à vista: as contribuições sociais dispararam 9,3%, superando amplamente o crescimento do PIB, os impostos sobre a produção e as importações cresceram 7,2% e os impostos sobre o rendimento aumentaram 3,5%, ficando abaixo do crescimento económico.

O que aconteceu? Simples: o mercado de trabalho aqueceu, os salários aumentaram, e mesmo com possíveis reduções em algumas taxas de IRS, a massa contributiva cresceu. É como reduzir o preço de um produto e vender muito mais, potenciando com isso a receita.

Esta situação cria uma armadilha de perceção: o Governo pode anunciar “alívios fiscais” que, na verdade, resultam em mais receita e maior carga fiscal. É como aquele “amigo” que diz que vai fazer dieta, mas só aumenta de peso.

É importante distinguir que taxas de imposto mais baixas não significam necessariamente menor receita. E maior receita fiscal não significa obrigatoriamente maior pressão sobre cada contribuinte. Pode simplesmente refletir uma economia mais dinâmica, com mais pessoas empregadas e melhores salários, todos a contribuir para o bolo fiscal.

A lição da curva de Laffer para Portugal em 2024 é clara: reduções nas taxas de imposto podem ser compensadas por uma base tributável maior. No entanto, o fenómeno também sugere que o sistema tributário nacional pode estar a aproximar-se de um ponto mais eficiente onde menores taxas marginais geram mais receita. Mas atenção: isto não significa que cortar impostos indefinidamente aumentará a receita. A magia tem limites. Em algum momento, cortes adicionais levarão, de facto, a menos receita – a outra face da curva do guardanapo.

Da próxima vez que ouvir algum político prometer cortes de impostos sem redução de receita, lembre-se que isso pode não ser apenas retórica eleitoral. Pode ser economicamente possível. Mas lembre-se também que, para o contribuinte comum, o que mais importa não é a percentagem do PIB que vai para os cofres do Estado, mas quanto resta no seu bolso no final do mês.

O desafio para os decisores políticos, particularmente para o ministro das Finanças, é encontrar esse ponto ótimo de “rega fiscal”: suficiente para financiar serviços públicos de qualidade, mas não tão pesada que afogue a iniciativa económica. Uma tarefa tão difícil quanto explicar a curva de Laffer depois de três imperiais num guardanapo de papel, mas que acabou por se tornar um elemento central da política económica de Ronald Reagan enquanto 40.º presidente dos EUA.

Esboço da curva de Laffer desenhada pelo economista Art Laffer em 1974 num guardanapo, num restaurante em Washigton DC, por forma a mostrar uma alternativa à política do Presidente americano Gerald Ford de aumentar os impostos para controlar a inflação.

Assine o ECO Premium

No momento em que a informação é mais importante do que nunca, apoie o jornalismo independente e rigoroso.

De que forma? Assine o ECO Premium e tenha acesso a notícias exclusivas, à opinião que conta, às reportagens e especiais que mostram o outro lado da história.

Esta assinatura é uma forma de apoiar o ECO e os seus jornalistas. A nossa contrapartida é o jornalismo independente, rigoroso e credível.

Comentários ({{ total }})

O guardanapo que explica o brilharete fiscal de Sarmento

Respostas a {{ screenParentAuthor }} ({{ totalReplies }})

{{ noCommentsLabel }}

Ainda ninguém comentou este artigo.

Promova a discussão dando a sua opinião