O IRC e os prémios de desempenho

  • José Eduardo Carvalho
  • 26 Novembro 2024

Indexar a descida do IRC e a isenção de tributação sobre os prémios de desempenho à subida de salários retira eficácia à medida e constitui uma interferência dos governos no mercado de trabalho.

O Orçamento de Estado é um instrumento financeiro de gestão pública. Faz o balanceamento das receitas e das despesas, e é um instrumento político de redistribuição. Há grupos sociais que saem beneficiados e outros menos. É natural que quem dependa dele, tenha uma compreensível preocupação. Mas não sendo um instrumento que provoque alterações estruturais no país, nunca percebi a excessiva importância que as Confederações Empresariais lhe atribuem, marcando a sua agenda durante meses.

Por outro lado, à medida que a economia se vai internacionalizando, a sua evolução e os efeitos nas empresas depende muito mais de fatores externos do que internos. A estagnação económica na Alemanha; o impacto da subida da taxa de referência (em 2022/23 a subida de 300 pontos base na Euribor impactou negativamente em 10% no EBITDA das empresas portuguesas); a subida de 300% nos preços dos transportes marítimos internacionais; a volatilidade e instabilidade do sistema energético mundial; o reforço das tendências protecionistas, têm mais importância na performance económica das empresas do que o aumento do incentivo fiscal da remuneração convencional do capital social; do aumento dos limites de isenção da tributação do subsidio de refeição; ou do não agravamento das taxas de tributação autónoma às empresas que apresentam prejuízos fiscais, etc.

Enquanto a despesa pública nacional não parar de crescer (91 mil milhões em 2019 e 132,5 mil milhões em 2025 mesmo levando em consideração o PRR) manter-se-á inalterável o elevado nível de tributação sobre o rendimento do trabalho e das empresas. E enquanto a mudança política estiver dependente e condicionada pelos estratos sociais menos dinâmicos da sociedade e da economia portuguesa, a política orçamental não mudará de forma significativa.

Todavia, não podemos menosprezar, alguma influência (pouca) no crescimento, quando se consegue introduzir no OE, incentivos ao investimento, poupança e rendimento das empresas. O enunciado de um conjunto de medidas (redução do IRC, prémios de desempenho, trabalho suplementar, seguros de saúde, benefícios fiscais à capitalização) é positivo, apesar de o alcance e a eficácia da sua aplicação ser reduzida. Também se pode concluir que estes sinais demonstram que o governo, possivelmente, seria muito mais ambicioso nestes domínios, caso não estivesse condicionado pelo parlamento.

Mas indexar a descida do IRC e a isenção de tributação sobre os prémios de desempenho à subida de salários e à abrangência dos instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho, é um princípio que carece de reflexão. Além de retirar eficácia à medida, constitui uma interferência dos governos no mercado de trabalho que se deve evitar:

Alguns argumentos:

  1. Em 2023 apesar da remuneração média ter atingido um crescimento de 8%, só 513 empresas tiveram acesso ao incentivo fiscal em IRC resultante da aplicação do critério de valorização salarial. Haverá outras razões que explicam esta situação, mas o défice de planeamento fiscal das micro e pequenas empresas terá contribuído para isso;
  2. Se o salário mínimo é definido pelo sistema político (a discussão se deve ou não ser um instrumento de redistribuição de rendimento devia ser feitana concertação social), o salário médio é estabelecido pelo mercado. Aceitar as interferências dos governos na definição da progressão salarial nas empresas não se ajusta aos princípios da economia de mercado.
  3. A atual conjuntura já exerce uma forte pressão sobre a massa salarial das empresas devido às dificuldades de recrutamento e retenção de trabalhadores qualificados e carência de mão de obra. Não será por acaso que até setembro de 2024, o aumento da remuneração bruta mensal média foi de 6,1%. E foi precisamente nas empresas de 1 a 4 trabalhadores e nas empresas de “baixa tecnologia industrial” que incidiu os maiores aumentos: 6,6% e 7,1% respetivamente. A tendência será para manter a pressão sobre os salários acima do aumento da produtividade. Aliás se verificarmos a evolução dos ganhos de produtividade por grandes períodos constatamos que tem ocorrido um decréscimo: 1992/2001 – 1,48%; 2002/2011 – 1,27%; 2012/2021 – 0,58%. Portugal tem a 6ª pior remuneração média da UE porque tem a 5ª economia menos produtiva desse espaço económico.
  4. Em 2023 o número de trabalhadores abrangidos pelos IRCT oscilaram entre 20/25% do total de trabalhadores por conta de outrem. Tem ocorrido uma quebra na filiação sindical e nas associações patronais. A dimensão não salarial das CCTV é muito reduzida: 60% das normas são iguais às que estão plasmadas no Código do Trabalho. Os efeitos da entrada das empresas portuguesas na economia do conhecimento, pressiona as formas e o modelo de contratação, horários, remunerações e carreiras. A descentralização e a concertação das negociações sociais para dentro das empresas afigura-se por isso como uma tendência irreversível. E a competitividade da UE facea os EUA e China exercerá também uma forte influência para a sua progressiva adoção.
  5. Pela primeira vez em Portugal, talvez seja possível pagar um prémio de desempenho sem ser tributado. Se tal acontecer permitirá aumentar o rendimento disponível dos trabalhadores e incentivar a introdução da meritocracia na gestão das empresas. Nas empresas existem sempre 20% de trabalhadores com um elevado nível de desempenho e compromisso, 70% de nível intermédio, e 10% de fraco desempenho e compromisso. São os chamados “trouble makers”, inadaptados, conflituosos que só permanecem nas empresas porque têm reduzida ou nula mobilidade profissional e porque a legislação proíbe os despedimentos e não as falências. Obrigar a aumentar estes trabalhadores, nivelando-os com outros de melhor desempenho, para se ter acesso à redução ao IRC e à isenção fiscal dos prémios de desempenho, é criar uma iniquidade na gestão que poucas empresas estarão dispostas a suportar. Todos sabemos que nas organizações, se tratarmos de forma igual o bom e o mau trabalhador, o primeiro desmotiva e o segundo não melhora.

Concluo com alguns comentários sobre o IRC e os benefícios fiscais.

O nosso quadro fiscal é constituído por 4.300 impostos e taxas, 453 benefícios fiscais, incidindo sobre nove impostos e distribuído por 60 diplomas legais. Em termos de IRC caracteriza-se por uma taxa nominal elevada que depois é compensada pela intervenção dos governos, através de 83 benefícios e deduções fiscais. Temos a 2ª maior taxa nominal de impostos da OCDE – 31,5% e uma taxa efetiva média (deduzindo os benefícios fiscais) de 20,3%. As empresas com um volume de negócios superior a 250 milhões de euros têm a maior taxa efetiva média – 25,7%. A segunda maior taxa efetiva média de IRC recai sobre as empresas que faturam entre 1 a 2 milhões, onde se incluem muitas pequenas empresas – 25,4%.

Isto significa que as empresas que tenham um planeamento fiscal sofisticado conseguem mitigar a progressividade do imposto. Pequenas empresas rentáveis, porque não têm esse planeamento fiscal, pouco utilizam os benefícios fiscais existentes.

Há um estudo da OCDE que analisou a eficácia de 3 benefícios fiscais: dedução por lucros retidos e reinvestidos: remuneração convencional capital social e benefícios fiscais ao investimento produtivo. Só 2% das empresas (10.406) acederam aos benefícios fiscais e o impacto na dedução à coleta foi de 107 mil euros. As razões foram várias, destacando-se entre elas a interpretação que a administração tributária fez quanto às condições de acesso.

Um governo que tenha como prioridade criar condições para o crescimento económico do país não deixará de atender a algumas destas preocupações.

  • José Eduardo Carvalho
  • Presidente da AIP

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