O mercado contra o Facebook
É de saudar que tantas marcas tenham decidido boicotar o Facebook e as estratégias de desinformação e de apelo ao ódio. Mas não será o mercado a resolver o problema.
Na semana passada, várias marcas anunciaram o boicote publicitário ao Facebook: Unilever, Coca-Cola, Honda, Levis, Patagonia, REI e várias outras disseram que vão suspender o investimento na rede social, o que levou a uma queda imediata nas ações e a mais uma promessa de Zuckerberg para corrigir o que está mal.
Por muito bom que seja que o Facebook esteja finalmente a perder a única coisa que lhe interessa – dinheiro – é importante perceber que isto não será nunca a solução. Todas estas empresas que agora boicotam o Facebook demoraram seis anos a perceber aquilo que já era óbvio: que a máquina de ódio está disposta a destruir o tecido social em nome dos lucros crescentes e por isso não é confiável.
Na verdade, o que aconteceu foi que demorou seis anos para o problema ter dimensão social suficiente para que incomode as pessoas – leiam-se consumidores – e só isso levou as empresas a reagir. Talvez até venha acontecer que estas empresas agora percebam duas coisas: que seis meses sem gastar dinheiro no Facebook não fazem diferença de maior para o seu modelo de negócio; segundo, que algum desse orçamento que iria para a rede social bem pode voltar a ir para seu anterior destino, os jornais de referência, onde não só é seguro anunciar como também é moralmente proveitoso. Há um caso publicitário para ser feito em favor dos jornais, especialmente no que toca à relevância e à proximidade, valores que podem e devem ser reclamados pela imprensa na necessária reinvenção que está a fazer.
Será isto o suficiente para assustar Zuckerberg? Depende. Não será a ausência do valor que estas marcas investem que vai fazer grandes diferenças no lucro do Facebook, mas há aqui uma questão de perceção que é essencial. A queda de 7% em bolsa na sexta-feira comprova isso mesmo, e o efeito de contágio por parte de outros anunciantes mais pequenos pode ter uma dimensão interessante. Mas o problema essencial permanece: O Facebook continua a ser o destino primordial deste dinheiro publicitário porque não há alternativa credível. Isso não será o mercado a resolver. Tem de ser a regulação a fazê-lo, e por três razões.
- Primeiro porque o crescimento desmesurado do Facebook foi conseguido à custa de várias práticas anti-concorrenciais e à violação de várias regras económicas, desrespeitando o próprio mercado;
- Segundo porque hoje a gigantesca rede social esmaga a inovação e bloqueia o aparecimento de alternativas, estagnando o mercado;
- Terceiro porque o seu poder é demasiado grande e promove a desigualdade, pondo em causa elementos fundamentais do tecido social, que não compete ao mercado regular.
A única forma de assegurar uma adequação de comportamento do Facebook é a regulação institucional – as redes sociais mexem com o espaço público e têm consequências sociais gravíssimas, pelo que não podem continuar a existir de forma descontrolada. É por isso que a legislação é necessária e urgente e que ações como a do Governo alemão são tão bem vindas.
O Tribunal Federal da Alemanha decidiu que Zuckerberg não pode recolher os dados do Instagram e do WhatsApp e fundi-los com os do Facebook sem autorização explícita dos utilizadores – porque “não há dúvidas do seu abuso de posição dominante”. Em França e noutras partes da Europa, o imposto digital está prestes a chegar e isso vai ter consequências nos rendimentos destas empresas. Mas nada terá tanto impacto como a intervenção que será feita por Bruxelas em 2021, em função de uma avaliação que terá lugar no final deste ano. Espera-se legislação que condene efetivamente quem promova desinformação e discurso de ódio – e sendo uma regulamentação adaptada às redes sociais, o valor das multas estará adaptado ao seu tamanho. Isso, sim, vai causar mossa.
Ler mais: O boicote de anunciantes desta semana foi promovido devido à recusa do Facebook em atuar contra a desinformação. O tema é essencial para a compreensão das sociedades modernas e por isso vale bem a pena ler o livro Information Wars, publicado em outubro. O autor identifica uma formulação comum entre o comportamento do ISIS, da Rússia de Putin e de Donald Trump na forma como manipularam as redes sociais (nomeadamente o Facebook).
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