O novo ativismo industrial

Sem missões claras, cooperação estratégica público/privado e administração pública de topo – o ativismo industrial certamente falhará onerando o país com uma herança de elefantes brancos.

Todos concordam que é imprescindível fazer o “bolo” crescer significativamente para que seja possível proporcionar aos portugueses o nível e a qualidade de vida que almejam. Os partidos que nos últimos 45 anos partilharam responsabilidades governativas diferem, contudo, quanto à melhor estratégia económica pública para o conseguir, e quanto aos papeis relativos dos setores privado e público.

Para o PSD, o setor privado é o verdadeiro gerador de riqueza e ao Estado compete, sobretudo, reduzir os chamados custos de contexto através da melhoria de infraestruturas, formação profissional, alívio nos impostos, desburocratização e flexibilização do mercado de trabalho. Sumariamente, reduzir os custos de fazer negócio. Aqui e ali, talvez, um “nudge” mais expressivo na forma de subsídios à transição verde, apoio ao emprego de cientistas em empresas, ou a atração de algum investimento estrangeiro “estruturante”. Mas, no fundo, trata-se da ausência de uma estratégia industrial proactiva explícita, justificada com o mantra de que o estado é mau a “escolher vencedores”. Esta posição corresponde ao consenso liberal das últimas décadas e encontra-se bem fundamentada no pensamento económico dominante na academia nos últimos 40 anos. Com mais ou menos nuances corresponde, também, à atitude tradicional do PS.

Ao que tudo indica, Pedro Nuno Santos pretende romper com esta tradição, propondo-se devolver ao Estado um papel mais interveniente no direcionamento do crescimento económico. Alguns chamam-lhe regresso aos planos quinquenais; trata-se, todavia, de uma caricatura que ignora o renascimento das preocupações com a estratégia e a política industrial tanto na academia como na prática governativa. Na academia, o reavivar do ativismo tem sido liderado pela professora do University College London, Mariana Mazzucato, que também foi a inspiradora da estratégia para uma “Mission Oriented Research and Innovationa in EU” desenvolvida por Carlos Moedas enquanto comissário europeu. Na prática governativa, o melhor exemplo do renascimento da estratégia industrial vem dos EUA, bastião do capitalismo liberal, com o investimento federal de 2 bilhões de dólares no “Chips and Sciences Act”.

Mas do desejo à possibilidade e da possibilidade à realidade vão grandes distâncias. Os trabalhos de Mazzucato identificam alguns fatores para o sucesso de uma estratégia industrial proactiva.

Em primeiro lugar, é necessário estabelecer direções claras, as chamadas missões. O que é que se pretende alcançar, a que prazo, com que recursos, com que instrumentos político-administrativos e com que mecanismos de avaliação. Depois, é necessário um pacto com o setor privado, os sindicatos, o sistema científico e a academia (sob a forma de, digamos, subsídios, empréstimos ou contratos), que coloque todos esses setores a trabalhar de mãos juntas com base em acordos que “socializem” tanto os custos e prejuízos dessas iniciativas como os seus futuros lucros.

Finalmente, e isto é absolutamente vital, este novo ativismo industrial requer uma administração pública dinâmica e soberbamente apetrechada de capital humano, não só com capacidade de administrar, mas também com conhecimento setorial específico.

Sem estas condições – missões claras, cooperação estratégica público/privado e administração pública de topo – o ativismo industrial certamente falhará onerando o país com uma herança de elefantes brancos a pagar pelas gerações vindouras.

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