O PS aposta no regresso ao Mercantilismo

No PS é Pedro Nuno Santos quem faz de Dr. Zandinga e ambiciona desenhar, à luz da bola de cristal de Bruxelas, uma estrutura diferente para a economia portuguesa,

Li o programa económico do PS e a imagem com que fiquei foi a de que assenta numa bola de cristal como a do Dr. Zandinga que, nos anos 1980 e com um turbante enrolado na cabeça, adivinhava quem é que iria ganhar o próximo campeonato de futebol.

Para Pedro Nuno Santos (PNS) o futuro de Portugal passa, pasme-se, pelo regresso ao Mercantilismo, uma doutrina que a Europa abandonou no século XIX e que protegia os campeões nacionais da concorrência externa, promovendo a substituição de importações e as exportações para escoar a produção. Países latino-americanos como a Argentina testaram-no até à exaustão no século XX, sempre com maus resultados.

O programa económico do PS, e a sua dependência dos fundos da UE, tem três erros fundamentais e perigosos: é pretensioso por querer determinar quais são os sectores e as empresas que vão crescer no futuro; é ilusório porque, na realidade, delegaria em Bruxelas a escolha desses sectores; é pernicioso porque abandonaria sectores onde a economia portuguesa possui vantagens reais e pode crescer mais e mais depressa.

No fundo, o programa assume explicitamente o que anteriores governos socialistas tentaram fazer, reforçando a opção por uma ilusão nacionalista que não conseguiu evitar que Portugal tivesse registado um empobrecimento relativo. Seria bom se PNS reconhecesse o falhanço que foram as opções socialistas nos últimos 30 anos, mas persistir nas mesmas políticas, com as mesmas ideias e as mesmas pessoas dificilmente levará a uma mudança para melhor.

A ideia do PS, que aliás é similar à da extrema direita, é que o Estado intervenha ainda mais na economia portuguesa de forma a proteger da concorrência externa os sectores escolhidos para “campeões” nacionais, regulamentando o mais que puder para poder substituir importações, subsidiando indirectamente as exportações (directamente é impedido por tratados internacionais), criando e gerindo empresas públicas para os promover, interferindo na gestão das empresas privadas desses sectores (como PNS admitiu no debate com Luís Montenegro) e usando os fundos da UE como uma aparente prosperidade que substitui o ouro e a prata dos mercantilistas do antigamente.

Alguns até poderão achar, ingenuamente, que politicas neo-mercantilistas que escolhem sectores para subsidiar e para substituir importações seriam boas para a economia portuguesa. Mas não são, porque se assim fosse todos os países já o fariam há muito tempo e porque as muitas experiências já tentadas no último século falharam redondamente.

Subsidiar exportações e proteger empresas e sectores escolhidos administrativamente com a intenção dirigista de, por inspiração “divina”, definir a estrutura da economia portuguesa e dar uma vantagem competitiva artificial a sectores específicos teria um duplo custo:

  • O custo imediato seria a despesa em subsídios que requereria o aumento de impostos e que prejudicaria o desenvolvimento económico, pois resultaria numa transferência financeira para grupos de interesse próximos do governo, fomentando a interferência na gestão de empresas privadas, o compadrio e a corrupção, e colocando os interesses privados socialistas acima do interesse dos portugueses.
  • O custo mediato é que desvirtuaria as vantagens comparativas e competitivas que o país possui, dando incentivos às empresas para investirem em sectores onde essa vantagem não existe e para desinvestirem onde ela é real. A prazo, o custo traduzir-se-ia por uma menor capacidade de adaptação das empresas, pelo desincentivo à maior eficiência e produtividade sectoriais e pela redução dos ganhos obtidos com a inovação tecnológica. O fim dos subsídios iria expor a fraqueza concorrencial dos sectores escolhidos, causando falências e desemprego.

O problema das políticas neomercantilistas está na realidade que se impõe à teoria e nos detalhes. Quais seriam os sectores que o dirigismo do PS iria privilegiar? O programa não responde a esta questão nem diz como é que essa intervenção seria feita, apenas refere que seria objecto de uma ampla discussão, o que por outras palavras significa que não o sabe.

E com quem seria feita essa ampla discussão? Com representantes sectoriais não seria, porque todos tenderão a dizer que o seu sector é o mais importante. Restam académicos e funcionários públicos. O PS refere que alguns funcionários públicos seriam capacitados para identificar sectores e tecnologias nos quais a economia nacional apresente “elevadas potencialidades”. Ou seja, a intervenção sectorial do PS seria, supostamente, definida por burocratas sem experiência de negócios nem de ambiente concorrencial, como o próprio Pedro Nuno Santos, que iriam adivinhar as intenções e as escolhas de milhões de consumidores, investidores, empreendedores e gestores de empresas e determinar o futuro da economia portuguesa.

E o “supostamente” é referido porque os sectores não seriam definidos por burocratas portugueses. Porquê? Porque, como o PS também afirma, os sectores estratégicos seriam apoiados com dinheiro da União Europeia (UE). Como Portugal depende destes fundos, não teria margem para seguir um caminho diferente e teria de se sujeitar às escolhas de Bruxelas para apoiar actividades económicas. Ou seja, na realidade o PS iria fingir que escolhia, mas aceitaria o que fosse ditado pelos burocratas de Bruxelas, que também não têm qualquer experiência de negócios nem de ambiente concorrencial. O nacionalismo do PS transformar-se-ia em federalismo da UE sem legitimidade democrática.

Estes seriam os mesmos burocratas europeus que estão a definir uma taxonomia que vai determinar as actividades económicas que são “amigas” do ambiente e dos direitos humanos e laborais, e serão apenas esses sectores, e não outros indicados pelos países, que irão receber fundos da UE no futuro.

Os sectores escolhidos por Bruxelas poderão ser coincidentes com os que interessam a Portugal, que são os que possuem vantagens comparativas reais? É muito pouco provável porque a escolha de Bruxelas vai incidir sobre os sectores em que os países que financiam a UE – com Alemanha e França em primeiro lugar – têm vantagem comparativa, e a sua estrutura produtiva e a dimensão das suas empresas são muito diferentes das portuguesas.

Isso já se verifica actualmente. A UE já protege, subsidia e financia grandes empresas alemãs, francesas ou italianas. Os números da Comissão Europeia (CE) referem que até ao final de 2023 já tinham sido aprovadas ajudas de Estado no valor de 760 mil M€ (3 vezes o PIB português), sendo que desse valor 590 mil M foram para os 3 países referidos. Esta subsidiação de sectores prejudica os outros países e ignora as regras do Mercado Único, que compete à CE garantir, com o argumento de que as empresas da UE têm de ser ajudadas a concorrer com as norte-americanas, as britânicas, as chinesas, as japonesas, as sul-coreanas, as indianas, as brasileiras ou as mexicanas.

Os sectores em que Portugal possui uma vantagem comparativa revelada e que não entrem na taxonomia definida em Bruxelas deixariam de interessar a um governo do PS e seriam rebaixados para segunda categoria. Que sectores são esses? O socialismo já abandonou a Agricultura, a Floresta e a Pecuária porque dão poucos votos. A estes juntar-se-iam outros com um peso significativo nas exportações como os produtos metálicos, os minerais não metálicos, a indústria alimentar, a química, as fibras, o têxtil e vestuário, o calçado, o papel e a pasta de papel, vidro, borracha e plásticos, etc.

Portugal não pesará na definição da taxonomia e nos apoios discriminatórios que a CE decide porque há décadas que está dependente do dinheiro que recebe da UE, o que enfraquece muito a sua capacidade negocial. O PS extremou essa dependência nos últimos 8 anos e as políticas que Pedro Nuno Santos defende iriam agravá-la ainda mais, condicionando gravemente todo o futuro da economia portuguesa.

Em suma, o programa do PS defende que se fosse governo iria apostar nos sectores onde Portugal está em desvantagem contra as grandes empresas francesas, alemãs, italianas ou espanholas. Esta é a uma ilusão perigosa que conduziria a mais desperdício de recursos e a mais aumento de impostos, para além de incentivar o intervencionismo estatal, prejudicar o crescimento da produtividade e limitar os ganhos com a inovação tecnológica. Seria a continuação do nosso empobrecimento relativo.

A economia de Pedro Nuno Santos é – para além de organizar manifestos a dizer que não paga a divida e que põe os banqueiros alemães a tremer, e de propor a construção não de um, mas de dois aeroportos em Lisboa – associar o proteccionismo da UE com a intervenção estatal para beneficiar as actividades e as empresas que Bruxelas diz serem as melhores, prejudicando os sectores em que Portugal tem uma real vantagem face ao exterior.

No PS é Pedro Nuno Santos quem faz de Dr. Zandinga e ambiciona desenhar, à luz da bola de cristal de Bruxelas, uma estrutura diferente para a economia portuguesa, achando que sabe mais do que milhões de consumidores e do que gestores profissionais com décadas de experiência acumulada. Seria um futuro muito preocupante para Portugal.

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