O que se pode esperar de um observatório de preços

  • Pedro Pimentel
  • 16 Março 2023

O contexto actual exige que não se converta inflação em sinónimo de especulação e que as medidas a adoptar sejam eficazes, mas que não distorçam o funcionamento do mercado.

Há quase um ano, a ministra da Agricultura e da Alimentação, Maria do Céu Antunes, anunciou a criação do Observatório de Preços “Nacional é Sustentável”, que teria por missão a avaliação dos impactos da conjuntura de mercado nos preços ao nível do consumidor. De acordo com o comunicado então divulgado por aquele Ministério, seria igualmente missão do Observatório de Preços garantir uma monitorização eficaz dos custos e preços ao longo da cadeia de valor agroalimentar.

A decisão de criação do Observatório de Preços, feita já na altura, em face da evolução da inflação nos produtos alimentares (sim, o problema na altura estava já identificado), pretendia assegurar que os respectivos preços ao consumidor cumpririam os racionais e fundamentos de mercado e garantir a não existência de movimentos especulativos ou desagregados da respetiva transmissão de custos ao longo da cadeia agroalimentar.

Seria, pois, na opinião do Ministério da Agricultura, essencial garantir o pleno funcionamento da cadeia de valor agroalimentar, de forma a assegurar um abastecimento adequado aos consumidores e garantir que a remuneração dos factores de produção permite aos agricultores a obtenção de níveis de rendimento justos, de forma a manter a sua actividade, sem comprometer a capacidade de abastecimento de alimentos às populações (recorde-se que há poucos meses a possibilidade de haver significativas rupturas de abastecimento de produtos alimentares, fazia capas de jornais e abertura de telejornais).

Dizia-se então que o Observatório iria, na fase de arranque, criar um projeto piloto com produtos representativos do cabaz alimentar, permitindo o conhecimento dos preços destes produtos em todas as fases da formação de valor.

Mais recentemente, foi dada indicação de que o Ministério da Economia também seria envolvido na sua construção enfatizando-se que é igualmente relevante perceber a justa repartição de valor ao longo de toda a cadeia de aprovisionamento e em cada um dos seus elos.

Agora, que o tema da inflação alimentar ganhou força e mediatismo, em conjugação com as iniciativas de monitorização do mercado e de fiscalização de eventuais práticas especulativas, foi realçada a existência deste Observatório e pressionada a produção imediata de resultados que ajudassem, qual panaceia, a resolver as dificuldades que atravessamos.

A ideia de criar um Observatório de Preços é recorrente e é colocada em cima da mesa a cada crise sectorial que surge e ainda agora o ECO lembrava que, em meados de 2015, ainda durante a vigência do XIX Governo Constitucional, foi constituído o então designado Observatório da Cadeia de Valor, entidade que, por força das alterações políticas entretanto ocorridas e também porque a conjuntura não o terá exigido, na verdade nunca saiu do papel.

Quem acompanha estas matérias desde há muitos anos, sabe que a ideia de criar um Observatório de Preços é recorrente e é colocada em cima da mesa a cada crise sectorial que surge e ainda agora o ECO lembrava que, em meados de 2015, ainda durante a vigência do XIX Governo Constitucional, foi constituído o então designado Observatório da Cadeia de Valor, entidade que, por força das alterações políticas entretanto ocorridas e também porque a conjuntura não o terá exigido, na verdade nunca saiu do papel.

Esses projectos surgem sempre como forma de dar resposta às habituais discussões sobre quem ganha e quem perde na divisão do valor ao longo da cadeia de abastecimento e, nesta altura, também sobre o impacto no bolso dos consumidores. E quem segue estes assuntos, sabe que as trocas de argumentos culminam, quase sempre, em discussões mais ou menos estéreis e das quais poucas ou nenhumas consequências são efectivamente retiradas.

A progressiva liberalização da economia e, obviamente, dos preços, conduziu à redução dos mecanismos de acompanhamento que existiam no passado, e, hoje, são basicamente as empresas de estudos de mercado que fazem essa leitura, para os seus clientes e sempre em termos de preços de venda ao público ou de preços efectivamente pagos pelos consumidores, considerados os múltiplos formatos de promoção presentes no mercado.

Obviamente, informação fidedigna e actual, elaborada por fontes idóneas, ajudará sempre a dotar o mercado de maior fluidez e transparência. E um Observatório de Preços auxiliará a identificação de problemas, poderá fornecer informação útil aos decisores… mas não tem a capacidade, apenas pela sua actuação, de resolver os factores que geram uma eventualmente injusta repartição de valor ao longo da cadeia ou uma potencial apropriação de valor por algum dos seus elos em prejuízo do consumidor.

Mas a maior dificuldade associada à criação de um Observatório deste tipo não se prende com a sua conceptualização ou com a definição da sua missão e objectivos, nem mesmo com a captação dos preços a montante, junto da produção primária, nem na outra extremidade, a jusante, na aferição dos preços de venda ao consumidor, valores, que – com maior ou menor dificuldade – já hoje são razoavelmente bem apurados. Prende-se, na verdade, com a respectiva implementação… e muito especialmente com os mecanismos de transmissão de custos ao logo da cadeia e, subsequentemente, com a repartição de valor por cada um dos seus elos.

E, para sermos justos, além de difícil, o acompanhamento desses mecanismos e dessa repartição, tem que ser feito de forma muito eficiente, racional e profissional e tem que contar com a empenhada colaboração dos operadores económicos. Não é, pois, uma entidade que se construa em dias, nem que – ainda antes de estar em efectivo funcionamento – possa dar as respostas que os políticos exigem, com a pressa que esta ou aquela crise, esta ou aquela capa de jornal, aparentemente obrigam.

O rápido é, demasiadas vezes, inimigo do bom e logo veremos se, passado o nervosismo e a pressão mediática actual, este Observatório fará o seu caminho sustentado de constituição e de consolidação ou se regressará ao fundo das gavetas, de onde, apressadamente, regressará na próxima crise que atacar o sector agro-alimentar.

O contexto actual exige, sem dúvida, monitorização, fiscalização e penalização rigorosa dos prevaricadores, mas é também importante deixar o mercado funcionar, deixar que as reduções de cotações cheguem, efectivamente, às estruturas de custos de produção e que se reconstruam os equilíbrios entre oferta e a procura.

A própria inflação, por puro efeito matemático, tenderá a apresentar sinais de abrandamento já a partir do final do corrente mês de Março, quando começarmos a comparar directamente com os meses a partir do qual os efeitos inflacionistas ampliados pelo conflito da Ucrânia se começaram fortemente a sentir.

O contexto actual exige que não se converta inflação em sinónimo de especulação e que as medidas a adoptar sejam eficazes, mas que não distorçam o funcionamento do mercado. Que as medidas ataquem os problemas sociais que a inflação está a gerar, mas que as soluções encontradas não extravasem e penalizem desnecessariamente os elos a montante da cadeia de valor. Que se opte pela indução da auto-regulação e da auto-contenção, ao invés de se criar um clima generalizado de suspeição e de tentar encontrar, à pressa, culpados para uma situação que não é momentânea, nem específica, nem nacional.

E para perceber isso, nada melhor que abrir os olhos, ler o que hoje acontece na generalidade dos países da Europa Ocidental e tomar atenção às medidas que os diversos governos, com maior ou menor sucesso, estão a adoptar e implementar.

  • Pedro Pimentel
  • Diretor-geral da Centromarca

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