O reforço da ACT na próxima reforma laboral: bom senso e CRP

Por isso, é agora possível uma reforma legislativa moderada, ao estilo, por exemplo, das de 2003 e 2009.

O recente resultado eleitoral deixou este Governo com a legitimidade e a possibilidade de proceder a uma reforma da lei do trabalho em linha com o compromisso que assumiu, mas já sem os constrangimentos decorrentes das exigências dos seus antigos parceiros de coligação.
Por isso, é agora possível uma reforma legislativa moderada, ao estilo, por exemplo, das de 2003 e 2009. Entre as medidas constantes da Agenda do Trabalho Digno apresentada pelo Governo no ano passado e que desenha as linhas da reforma laboral deste ano, percebe-se a vontade de reforçar o papel fiscalizador da ACT, o que não pode deixar de ser aplaudido por todos quantos desejem que a lei laboral seja cada vez mais cumprida.

Não obstante, por entre as medidas tendentes ao reforço desse papel, duas há que suscitam uma especial reflexão nesta fase prévia ao processo legislativo: a de “reforçar o poder da ACT na conversão de contratos a termo em contratos sem termo” e a de “tornar permanente o poder da ACT de suspender processos de despedimento com indícios de irregularidade”.

Na verdade, não se estranha, de modo algum, a importância que o Governo encontrou nestes dois temas, em que está em causa uma legítima preocupação de defesa da Constituição relativamente à proibição de despedimentos sem justa causa. E há que reconhecer, por outro lado, que a referida agenda aponta “medidas” que carecerão ainda de materialização legislativa – pelo que o exercício de reflexão feito nestas linhas é, ainda, parcialmente especulativo. No entanto, precisamente porque estamos num momento ainda anterior a um novo processo legislativo e em que o Governo ganhou enorme liberdade de movimentos, importa dizer que a mesma Constituição que se pretende defender também aconselha e baliza o tipo de legislação que vise concretizar tais medidas.

É que a ACT não é um órgão judicial, mas administrativo, sendo que é aos Tribunais – e não ao Estado – que cabe, nos termos da Constituição e do princípio da separação dos poderes, decidir se o termo aposto num contrato de trabalho foi, ou não, validamente previsto, ou, bem assim, se determinado despedimento foi, ou não, regular e licitamente promovido. Como tal, uma consagração legislativa “tal e qual” daquelas duas medidas suscitaria dúvidas de constitucionalidade, além de que geraria mais litigiosidade e, para além disso, mais um patamar de litigiosidade, porque a discussão da regularidade das cessações dos contratos de trabalho passaria a ter mais uma instância: uma (nova) instância administrativa seguida de duas (ou três) instâncias de apreciação judicial – em detrimento da celeridade sempre recomendável na resolução das discussões de cariz laboral.

Além disso, confiar tamanha “empreitada” à ACT (ao menos sem uma enorme mobilização e um tremendo incremento de recursos) poderia desviá-la do papel relevantíssimo que a mesma vem inegavelmente desempenhando em matérias de importância extrema, de que é exemplo flagrante (mas não único) o da segurança e saúde no trabalho.

Por fim, há que reconhecer que, quanto aos contratos a termo, as reformas legislativas anteriores já rodearam de constrangimentos muito significativos o recurso aos contratos a termo, cujo impacto na diminuição da precariedade ainda não pôde certamente ser (por falta de tempo), rigorosamente mensurado. Neste (como em outros) aspetos, a agenda para o trabalho digno, se norteada pelo bom senso, pode dar origem a uma legislação que – sendo publicada num ano em que a pandemia ainda não nos deixou completamente e nos vemos confrontados com uma guerra com que não contávamos – possa ser uma parte da solução.

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